LCI, a Vontade Revolucionária Trinta Anos Antes do Bloco de Esquerda
Por POR MARIA JOSÉ OLIVEIRA
Sábado, 20 de Dezembro de 2003
Foi a melhor refeição que saboreou durante a clandestinidade: fatias do bolo de aniversário de um camarada (Heitor de Sousa, que comemorava 20 anos) e outras guloseimas. Quem lhe entregou a encomenda foi Adelino Fortunato, também dirigente da UOR (União Operária Revolucionária) e o único camarada que sabia da sua localização, levando-lhe jornais e alguma comida.
A morada da clandestinidade era uma casa na zona da Areosa, no Porto. Francisco Vale (hoje editor da Relógio d'Água) já havia sido detido algumas vezes, vira a sua matrícula em Engenharia ser suspensa, tivera uma policopiadora para a edição de panfletos e era um dos mais conhecidos activistas da corrente trotskista.
A clandestinidade foi um refúgio incontornável: conseguira fugir da polícia depois de ter sido detido na sequência da ocupação estudantil (mais de 400 alunos) da Faculdade de Ciências, em 1972, e já tinha sido identificado pela PIDE. O caos à porta do edifício acabou por tornar-se propício à fuga. Francisco Vale desatou a correr, voou na descida da rua da Fábrica e enfiou-se no café Aviz, um dos lugares de encontro dos jovens contestatários. Estava a salvo.
O episódio que remeteu Vale para a geografia clandestina - o boicote ao Festival de Coros e a ocupação da Faculdade de Ciências - foi o mesmo que assinalou a iniciação política de Heitor de Sousa, também estudante de Engenharia. O seu aniversário teve novamente um importante significado. Desta vez porque no dia em que completou 19 anos foi preso pela PIDE numa sala de aula, onde apelava aos estudantes para aderirem a uma greve geral de alunos.
No dia anterior estivera no salão nobre da faculdade, onde decorria o Festival de Coros, e assistira ao protesto das cerca de quatro centenas de alunos, que boicotaram o evento organizado pelo regime marcelista arremessando tomates e ovos para a tribuna. Uma bandeira vermelha içada na varanda da faculdade foi a gota-de-água para a polícia, que, concentrada há várias horas à porta do edifício, acabou por invadir a faculdade.
Heitor foi um dos estudantes detidos e transportados para o Governo Civil do Porto, onde um improvisado plenário de alunos decidiu a realização de uma greve geral de alunos. Quando foi libertado, ainda nesse dia, Heitor era um dos escolhidos para a tarefa de recrutar estudantes com vista à paralisação geral. Menos de 24 horas depois, voltava a ser detido. Valeu-lhe a influência de um tio, que era militar.
Os acontecimentos precipitaram a sua aproximação do GAC (Grupo de Acção Comunista) do Porto e a participação activa na resistência antifascista. Conheceu Francisco Vale (com quem, pouco tempo depois, criou a União Operária Revolucionária, dissidente da Liga Comunista Internacionalista) e Francisco Sardo e acedeu aos livros dos teóricos trotskistas através das leituras colectivas que Vale organizava em sua casa ou na residência da JUC (Juventude Universitária Católica), na rua de Cedofeita.
Os cafés, ou melhor, os encontros nos cafés, foram também relevantes para a formação política de Heitor, que recorda ainda o Lunauta (actualmente, um restaurante chinês) e o Embaixador, onde o hoje jornalista Ferreira Fernandes e Charles Michaloux, da IV Internacional, redigiram o manifesto dos SUV (Soldados Unidos Vencerão), ramificação da LCI.
Dois anos antes de Heitor de Sousa ser preso pela PIDE e de Francisco Vale entrar na clandestinidade, um jovem estudante de Medicina, João Cabral Fernandes (hoje da direcção do Hospital Júlio de Matos), era eleito para a direcção da Associação Académica de Coimbra.
Em 1970, a cidade vivia ainda a ressaca da crise académica do ano anterior, a ditadura concedera uma amnistia aos estudantes penalizados durante os protestos, Salazar morria em Julho, e a oposição desagregara-se em movimentos de extrema-esquerda. No início de uma década de transformações sociais e políticas, Cabral Fernandes defendia a radicalização do combate ao regime e à guerra colonial e, no interior do meio universitário, apresentou as perspectivas de intervenção induzidas pelo Maio de 68 e despoletou reacções à invasão soviética de Checoslováquia.
A viagem que fez em 1971, a Paris, onde conheceu dirigentes da IV Internacional, foi decisiva para a sua afirmação ideológica. Perante o cenário da organização das camadas estudantis e proletárias em grupos políticos clandestinos, Cabral Fernandes não teve dúvidas em optar pela corrente trotskista, tornando-se num dos seus maiores dinamizadores.
A génese da LCI surgiu, assim, num contexto de rupturas ideológicas e, em 1973, aquando da fundação do movimento, o médico psiquiatra recém-licenciado foi um dos eleitos para o primeiro comité central. A transformação da realidade nacional não tardou. Mas a vontade revolucionária prosseguiu.
Público
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Da LCI ao PSR - Crono
Sábado, 20 de Dezembro de 2003
1969
No contexto da crise académica de Coimbra, João Cabral Fernandes, estudante de Medicina, e Francisco Sardo, aluno de Filosofia, organizam o Centro de Estudos Sócio-Económicos, que promove uma alternativa à esquerda dominante. Sardo viaja para França. Assiste, em Paris, a um comício da Liga Comunista Revolucionária (LCR) e reconhece empatia com as palavras de Daniel Bensaid e Alain Krivine, dirigentes da IV Internacional. Cabral Fernandes é detido durante a crise académica.
1970: O Centro de Estudos Socio-Económicos edita clandestinamente o livro "Tratado de Economia Marxista", de Ernest Mandel. Cabral Fernandes é eleito para a direcção da academia coimbrã e organiza uma república de contornos inéditos - sem nome, mista e anti-praxe.
1971: Dois jovens do grupo trotskista de Coimbra, Cabral Fernandes e Jorge Novais, viajam para França, onde estabelecem relações com dirigentes da LCR. No fim do ano, Cabral Fernandes e José Falcão abandonam Coimbra e instalam-se em Lisboa. Sardo ruma para o Porto.
1972: São criados os Grupos de Acção Comunista (GAC) em Lisboa, Porto e Coimbra. Na capital, as acções centram-se na luta contra a guerra colonial e no Porto prosseguem intervenções junto do operariado e dos estudantes universitários. Uma cisão no grupo do Porto origina a criação da União Operária Revolucionária (UOR), que tem reservas sobre a IV Internacional e privilegia acções nos bairros operários. Francisco Vale, Heitor de Sousa, António Brandão e Adelino Fortunato dirigem a organização. Em Dezembro, na Capela do Rato, Francisco Louçã e Bernardo Vasconcelos e Sousa são presos, juntamente com mais de uma centena de activistas, numa vigília de contestação à guerra colonial.
1973: Três dirigentes dos GAC/Lisboa - Alfredo Frade, José Manuel Boavida e António Gomes - são presos durante a distribuição de panfletos. Durante o Verão, vários activistas trotskistas viajam para Paris. A 17 e 18 de Dezembro, em casa de Manuel Cavaco, em Peniche, os GAC reunem-se naquele que o encontro de fundação da Liga Comunista Internacionalista (LCI). Para o comité central são eleitos Cabral Fernandes, Faustino (um dos dirigentes do PAIGC em Portugal) e João Alcântara (Lisboa), Sardo e Ferreira dos Santos (Porto) e Carlos Queirós (Coimbra). O movimento lança um dos "slogans" mais ouvidos nas manifestações: "Nem mais um soldado para as colónias".
1974: A 23 de Abril, a LCI manifesta-se contra a guerra colonial na Cova da Piedade (foi a última acção política antes do 25 de Abril) e os participantes arremessam pedras às montras da filial do Banco Pinto de Magalhães. A queda da ditadura leva à reformulação da LCI e à reunificação com a UOR. São eleitos novos dirigentes para o comité central e estabelecido um funcionamento centralizado em Lisboa. Comício na Voz do Operário (dia 19 de Maio), com a participação de Ernest Mandel, da IV Internacional. O encontro é promovido por quatro grupos políticos de extrema-esquerda e acontecem alguns desacatos quando Sardo alude à "ditadura estalinista".
1975: Em pleno "Verão quente" realiza-se o II Congresso da LCI, no qual surgem quatro tendências e são apresentadas cerca de meia centena de moções. Vence a corrente liderada por Francisco Vale, que é favorável à integração da LCI na FUR (Frente de Unidade Revolucionária), grupo que inclui também o MES (Movimento da Esquerda Socialista), o PRP (Partido Revolucionário do Proletariado) e a LUAR (Liga Unitária de Acção Revolucionária). Em Agosto, a LCI constitui os SUV (Soldados Unidos Vencerão), grupos de militares que actuam no interior dos quartéis com vista a promover a auto-organização política dos militares. Os SUV actuam sob a direcção de Ferreira Fernandes, Manuel Resende, José Carvalho e Heitor de Sousa, entre outros. Face ao golpe militar do 25 de Novembro, a LCI desafia a proibição imposta às publicações de extrema-esquerda e no dia 26 lança para as ruas o nº 19 do "Luta Proletária", jornal oficial do movimento.
1976: No III Congresso da LCI, em Janeiro, é eleito um novo comité central (composto por Cabral Fernandes, Louçã, Frade, Brandão e Heitor de Sousa) e criticada a integração na FUR. Francisco Vale é um dos dirigentes que se afastam do partido. Em Abril, a LCI concorre às eleições legislativas (obtém precisamente 16 232 votos), mas vê os seus tempos de antena na televisão e na rádio serem supensos por ordem do Conselho de Revolução (CR), que acusa o partido de criticar o militarismo. O CR acaba por recuar na sua decisão.
1978: Aquele que seria o IV Congresso da LCI torna-se no congresso de criação do Partido Socialista Revolucionário (PSR), fundado a partir da fusão da LCI com o Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT). É lançado o jornal "Combate Operário". Uma das primeiras posições do PS foi a "luta contra o Governo de Mota Pinto, cujo objectivo é continuar a atacar os trabalhadores".
M.J.O
Nota: Algumas destas informações foram recolhidas na publicação comemorativa dos 20 anos da LCI, editada pelo PSR em 1993, e em vários jornais da época.
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sexta-feira, dezembro 19
"Foi Política Que nos Dividiu em 1975", Diz Xanana
Pelo nosso enviado ADELINO GOMES, em Díli
Terça-feira, 16 de Dezembro de 2003
Três vezes. Por três vezes, intermeadas das devidas desculpas ao "amo" bispo Basílio do Nascimento, ali presente na primeira fila, próximo do representante da ONU, Xanana, pronunciou o palavrão. "Filha da puta da política", diz Xanana uma primeira vez. "Filha da puta da política", repete quase logo a seguir. Olha uma terceira vez na direcção do bispo, a cabeça ligeiramente inclinada a pedir desculpa, e solta uma vez mais o palavrão, culpando-a, à política, pelos erros de análise que levou a sua geração a cometer.
Chamado a abrir uma sessão pública de reconciliação sobre o "conflito político interno" entre 1974 e 1976, em Timor, na qual falou na qualidade não de Presidente da República, mas de "agente do processo", o antigo comandante guerrilheiro já tinha dito e redito que não o movia "o menor desejo de apontar o dedo a indivíduos". Já tinha evocado a "euforia de liberdade" que se seguiu ao 25 de Abril português, mas cedo se transformou com a "distribuição de cartões" partidários na "mais irracional divisão entre timorenses", não poupando famílias, pais e filhos, irmãos, amigos, colegas. Já denunciara o ambiente de "intolerância e hostilidade" mesclado a partir de certa altura de "um carácter de racismo" em que Timor passou a viver. Já historiara as grandes disputas que separaram UDT e Fretilin, os dois partidos históricos nascidos a seguir ao golpe de Estado que, em Portugal, pôs termo ao regime de ditadura, em 1974.
A luta passou a ser ideológica, prossegue. As câmaras da televisão e os microfones da rádio acompanham-no, captando as palavras e os gestos com panorâmicas da assistência que enche o pátio da antiga cadeia e na qual sobressai o antigo dirigente da Fretilin e das Falintil Ma'Huno, que chegou movendo-se com dificuldade após ataques sucessivos que quase o paralisaram em 1999. "A Fretilin é comunista, dizia a UDT, espancando cada elemento que entrava na prisão do Palapaço [zona de Díli onde em 1975 este partido político colocou as suas forças, aquando do golpe de 11 de Agosto]. A resposta foi quase a mesma. As vinganças tomaram lugar no interior e em Díli, na prisão de Taibesse [controlada pela Fretilin poucas semanas depois, num contragolpe], a brutalidade com que se tratou dos presos da UDT foi ainda maior", continuava Xanana.
É nesta altura do depoimento, já lá vai quase uma hora, que Xanana Gusmão aprofunda a autocrítica enquanto elemento, ainda que menor, do comité central da Fretilin. Diz que cada partido "desenhava o seu próprio conceito de interesses nacionais". Relata as tensões entre civis, mais politizados, e militares da Fretilin, em finais de 75; o clima de perseguição contra todos os que não aderissem à revolução, "tratando-os como traidores, porque eram reaccionários"; e decidindo por fim o marxismo como ideologia oficial.
"A revolução não perdoava": uma rede "supostamente nacional, sob o pretenso comando do então presidente da Fretilin e da RDTL, Francisco Xavier do Amaral", é desmantelada. "Centenas de pessoas inocentes" são presas, torturadas e mortas.
"Filha da puta da política" diz, então, Xanana, repetindo a expressão. Nenhuma reacção na assistência, que enche o pátio da antiga prisão da comarca em Balide, recuperada com dinheiros do Japão e onde se situa, desde 2000, a sede da Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR). Uns porque, eventualmente, não perceberam a expressão portuguesa, outros talvez por pudor, todos continuam a ouvir - num silêncio que nenhuma palma ainda quebrou - a tentativa do líder em "pôr a claro" as condições que estiveram na base do processo histórico que levou Timor à guerra civil e à ocupação indonésia.
"Aprendemos os três princípios do marxismo: analisar a conjuntura mundial; analisar a conjuntura da região; e analisar as condições do país", continua. "Falhámos no segundo ponto, ao esquecermos a ASEAN, e sobretudo a vizinha Indonésia, a Austrália e Nova Zelândia, e colocando demasiada ênfase na vitória do Vietname sobre os EUA."
Porque escolheram mal o modelo, erraram também "ao querer ser imediatamente independentes nas condições humanas, sociais, económicas e infra-estruturais daquela época", conclui.
Comunismo chegou de Portugal
É a altura de distribuir culpas por outras paragens ideológicas e geográficas. Diz que, ao fazer o golpe de 11 de Agosto, a UDT iniciou a violência. E que trouxe as tropas indonésias "para começar as primeiras violações da fronteira, que resultaram na ocupação de 24 anos". O testemunho não esquece nem a Indonésia, "por ter invadido", nem os EUA "por terem dado a luz verde", nem Portugal "por ter negligenciado na solução".
Xanana Gusmão rematará com um tema que lhe é caro: os partidos políticos deviam "pedir desculpas ao povo e sobretudo às vítimas ou familiares de vítimas". Muitos destes transportam ainda consigo, qual fantasma, "a nódoa de 'traidor'", tornando-se necessário que recuperem "o bom nome" dos seus mortos.
Chamado já ao princípio da noite a encerrar o primeiro dos quatro dias desta audiência de reconciliação, o fundador e antigo dirigente da UDT, Mário Carrascalão, discordaria deste desejo do Presidente timorense em passar tal esponja definitiva sobre o passado. Do seu ponto de vista, o conflito entre partidos e a intervenção estrangeira consequente assentaram no tipo de enfrentamento em causa: uma luta entre um projecto comunista, levado de Portugal por oficiais do MFA e por estudantes timorenses ultra-revolucionários e a natureza anticomunista do povo timorense e da região envolvente.
O antigo governador pró-indonésio - cujo carácter humanitário seria elogiado nos testemunhos de duas das vítimas ligadas à Fretilin - faz, contudo, uma distinção entre o tipo de crimes cometidos: "Os que tombaram com uma arma na mão, tentando matar outros que também os queriam matar, não são criminosos." Mas são-no "os autores dos crimes cometidos contra gente inocente e desarmada". E esses "devem ser levados ao tribunal para serem julgados por crimes contra a humanidade".
E avisa, depois de defender um referendo ou uma resolução do Parlamento quanto a esta matéria: "Num mundo onde não se pratica justiça não há reconciliação possível. O silêncio e a passividade são como o vulcão adormecido. Na hora própria ele entrará de novo em acção."
Mari Alkatiri, primeiro-ministro e secretário-geral da Fretilin, e o Nobel da Paz José Ramos Horta, na qualidade de antigo dirigente da Fretilin, incluem-se entre as testemunhas ouvidas na sessão de hoje que terminará com a exibição de filmes e fotos sobre 1975.
Pelo nosso enviado ADELINO GOMES, em Díli
Terça-feira, 16 de Dezembro de 2003
Três vezes. Por três vezes, intermeadas das devidas desculpas ao "amo" bispo Basílio do Nascimento, ali presente na primeira fila, próximo do representante da ONU, Xanana, pronunciou o palavrão. "Filha da puta da política", diz Xanana uma primeira vez. "Filha da puta da política", repete quase logo a seguir. Olha uma terceira vez na direcção do bispo, a cabeça ligeiramente inclinada a pedir desculpa, e solta uma vez mais o palavrão, culpando-a, à política, pelos erros de análise que levou a sua geração a cometer.
Chamado a abrir uma sessão pública de reconciliação sobre o "conflito político interno" entre 1974 e 1976, em Timor, na qual falou na qualidade não de Presidente da República, mas de "agente do processo", o antigo comandante guerrilheiro já tinha dito e redito que não o movia "o menor desejo de apontar o dedo a indivíduos". Já tinha evocado a "euforia de liberdade" que se seguiu ao 25 de Abril português, mas cedo se transformou com a "distribuição de cartões" partidários na "mais irracional divisão entre timorenses", não poupando famílias, pais e filhos, irmãos, amigos, colegas. Já denunciara o ambiente de "intolerância e hostilidade" mesclado a partir de certa altura de "um carácter de racismo" em que Timor passou a viver. Já historiara as grandes disputas que separaram UDT e Fretilin, os dois partidos históricos nascidos a seguir ao golpe de Estado que, em Portugal, pôs termo ao regime de ditadura, em 1974.
A luta passou a ser ideológica, prossegue. As câmaras da televisão e os microfones da rádio acompanham-no, captando as palavras e os gestos com panorâmicas da assistência que enche o pátio da antiga cadeia e na qual sobressai o antigo dirigente da Fretilin e das Falintil Ma'Huno, que chegou movendo-se com dificuldade após ataques sucessivos que quase o paralisaram em 1999. "A Fretilin é comunista, dizia a UDT, espancando cada elemento que entrava na prisão do Palapaço [zona de Díli onde em 1975 este partido político colocou as suas forças, aquando do golpe de 11 de Agosto]. A resposta foi quase a mesma. As vinganças tomaram lugar no interior e em Díli, na prisão de Taibesse [controlada pela Fretilin poucas semanas depois, num contragolpe], a brutalidade com que se tratou dos presos da UDT foi ainda maior", continuava Xanana.
É nesta altura do depoimento, já lá vai quase uma hora, que Xanana Gusmão aprofunda a autocrítica enquanto elemento, ainda que menor, do comité central da Fretilin. Diz que cada partido "desenhava o seu próprio conceito de interesses nacionais". Relata as tensões entre civis, mais politizados, e militares da Fretilin, em finais de 75; o clima de perseguição contra todos os que não aderissem à revolução, "tratando-os como traidores, porque eram reaccionários"; e decidindo por fim o marxismo como ideologia oficial.
"A revolução não perdoava": uma rede "supostamente nacional, sob o pretenso comando do então presidente da Fretilin e da RDTL, Francisco Xavier do Amaral", é desmantelada. "Centenas de pessoas inocentes" são presas, torturadas e mortas.
"Filha da puta da política" diz, então, Xanana, repetindo a expressão. Nenhuma reacção na assistência, que enche o pátio da antiga prisão da comarca em Balide, recuperada com dinheiros do Japão e onde se situa, desde 2000, a sede da Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR). Uns porque, eventualmente, não perceberam a expressão portuguesa, outros talvez por pudor, todos continuam a ouvir - num silêncio que nenhuma palma ainda quebrou - a tentativa do líder em "pôr a claro" as condições que estiveram na base do processo histórico que levou Timor à guerra civil e à ocupação indonésia.
"Aprendemos os três princípios do marxismo: analisar a conjuntura mundial; analisar a conjuntura da região; e analisar as condições do país", continua. "Falhámos no segundo ponto, ao esquecermos a ASEAN, e sobretudo a vizinha Indonésia, a Austrália e Nova Zelândia, e colocando demasiada ênfase na vitória do Vietname sobre os EUA."
Porque escolheram mal o modelo, erraram também "ao querer ser imediatamente independentes nas condições humanas, sociais, económicas e infra-estruturais daquela época", conclui.
Comunismo chegou de Portugal
É a altura de distribuir culpas por outras paragens ideológicas e geográficas. Diz que, ao fazer o golpe de 11 de Agosto, a UDT iniciou a violência. E que trouxe as tropas indonésias "para começar as primeiras violações da fronteira, que resultaram na ocupação de 24 anos". O testemunho não esquece nem a Indonésia, "por ter invadido", nem os EUA "por terem dado a luz verde", nem Portugal "por ter negligenciado na solução".
Xanana Gusmão rematará com um tema que lhe é caro: os partidos políticos deviam "pedir desculpas ao povo e sobretudo às vítimas ou familiares de vítimas". Muitos destes transportam ainda consigo, qual fantasma, "a nódoa de 'traidor'", tornando-se necessário que recuperem "o bom nome" dos seus mortos.
Chamado já ao princípio da noite a encerrar o primeiro dos quatro dias desta audiência de reconciliação, o fundador e antigo dirigente da UDT, Mário Carrascalão, discordaria deste desejo do Presidente timorense em passar tal esponja definitiva sobre o passado. Do seu ponto de vista, o conflito entre partidos e a intervenção estrangeira consequente assentaram no tipo de enfrentamento em causa: uma luta entre um projecto comunista, levado de Portugal por oficiais do MFA e por estudantes timorenses ultra-revolucionários e a natureza anticomunista do povo timorense e da região envolvente.
O antigo governador pró-indonésio - cujo carácter humanitário seria elogiado nos testemunhos de duas das vítimas ligadas à Fretilin - faz, contudo, uma distinção entre o tipo de crimes cometidos: "Os que tombaram com uma arma na mão, tentando matar outros que também os queriam matar, não são criminosos." Mas são-no "os autores dos crimes cometidos contra gente inocente e desarmada". E esses "devem ser levados ao tribunal para serem julgados por crimes contra a humanidade".
E avisa, depois de defender um referendo ou uma resolução do Parlamento quanto a esta matéria: "Num mundo onde não se pratica justiça não há reconciliação possível. O silêncio e a passividade são como o vulcão adormecido. Na hora própria ele entrará de novo em acção."
Mari Alkatiri, primeiro-ministro e secretário-geral da Fretilin, e o Nobel da Paz José Ramos Horta, na qualidade de antigo dirigente da Fretilin, incluem-se entre as testemunhas ouvidas na sessão de hoje que terminará com a exibição de filmes e fotos sobre 1975.
Último Governador de Portugal Explicou-se Aos Timorenses
Pelo nosso enviado ADELINO GOMES, em Díli
Quarta-feira, 17 de Dezembro de 2003
O ex-governador general Mário Lemos Pires recusou um convite para se deslocar a Timor-Leste e participar como "agente histórico" na sessão de reconciliação sobre o conflito político interno entre 1974 e 1976, a decorrer em Díli desde a última segunda-feira, 15. Mas ontem a sessão de testemunhos presenciais teve uma interrupção de cerca de duas horas para que fosse montado um ecrã gigante em frente do palco e todos - os sete dirigentes da Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR), a assistência e os espectadores da rádio e da televisão nacionais - pudessem acompanhar a exibição de um vídeo com o seu relato da agitada fase que marcou de forma sangrenta o fim de quatro séculos e meio de presença portuguesa nos mares de Timor.
Filmado em Lisboa em Outubro passado, o vídeo contém uma declaração de Lemos Pires com cerca de uma hora, e um pouco mais de meia hora de respostas a perguntas formuladas por um dos comissários da CAVR, Jacinto Alves.
No essencial, o ex-governador português traçou o quadro de situação já conhecido oficialmente e que ele próprio se encarregou de passar a letra de forma num livro editado em Portugal já nos anos 90 ("Descolonização de Timor-Missão Impossível?", Publicações Dom Quixote, 1991). Porém, talvez nunca como agora, e por mérito também das perguntas de Jacinto Alves, se terão percebido tão bem os exíguos termos de referência da sua missão, a dramática ausência de linhas de orientação de Lisboa no momento mais agudo da crise e as razões que levaram o contingente português a trocar Díli pela ilha do Ataúro, deixando a capital e o resto do território mergulhados numa guerra civil.
"Não havia ninguém que tivesse decidido uma política específica" para a descolonização de Timor. O que lhe foi dito, "não por escrito" - principalmente pelo Presidente de então, Costa Gomes - foi que tentasse "criar as condições mais favoráveis" para que os timorenses pudessem "decidir o seu futuro, isto é, escolher a fórmula política dentro do quadro de autonomia a que agora tinham direito". Para tanto, notou Lemos Pires, o apoio financeiro "era escasso" e foi-lhe logo transmitido que "os reforços militares não poderiam ser muito grandes".
O governador - então com o posto de coronel, especialista em guerra subversiva e em acção psicológica, um curso de estado-maior tirado nos EUA e um perfil conservador - partiu para Timor com a ideia de que " toda a atenção dos portugueses" se concentrava na revolução no seu país.
Nova surpresa o aguardava ao chegar ao destino, em Novembro de 1974. As forças armadas que foi encontrar "eram mais factor de insegurança do que de segurança", elas próprias a pensarem na célebre palavra de ordem "Nem mais um soldado para o Ultramar", que adaptavam à realidade local: "Saiam de Timor, deixem Timor".
Portugal devia ter internacionalizado a questão mais cedo
Em Agosto seguinte, após o golpe da UDT, sem garantias de obediência dos militares locais, reduzido a dois pelotões de pára-quedistas; sem receber luz verde para negociações com os beligerantes; receoso de que uma intervenção contra a UDT fosse interpretada internacionalmente como apoio à Fretilin, vista como um movimento comunista, e uma intervenção a favor da UDT lançasse a Fretilin na guerrilha, que Portugal, "que tinha terminado a guerra", não suportaria; Lemos Pires decide "transferir-se" de surpresa para o Ataúro. "Muita gente me acusa que isso foi contra os meus deveres. Eu julgo que foi certo, a história julgo que me vem dar razão."
A Indonésia conduziu todo o processo de má-fé, e nem sequer uma independência com a UDT aceitaria, pois a decisão de integrar Timor já fora tomada antes dos acontecimentos do Verão de 1975, considera hoje.
O ex-governador lamentou que Portugal não tivesse internacionalizado a questão logo que, em Junho de 1974, reconheceu o direito à autodeterminação das suas colónias. E admitiu que se Portugal tivesse recorrido às Nações Unidas, ao menos quando Jacarta começou a infiltrar tropas na fronteira, em Outubro de 1975, "podia talvez evitar ou dissuadir" a Indonésia de invadir o território.
"Timor ficou na última das preocupações do poder político português", criticou. "O que aconteceu foi um mau processo de descolonização", mas também "nenhum dos outros países teve um país tão adverso como a Indonésia".
Convidado a tirar lições do processo, o general português aconselhou os timorenses a terem "muito cuidado antes da opção de entrar com a força" e nesse caso só "com a força legítima"; disse que os políticos "não podem aliciar os militares" para utilizar para as suas cores partidárias o poder militar "que pertence à nação"; defendeu a importância "dos instrumentos da democracia, a negociação, o debate e as eleições"; e exortou os timorenses a darem uma imagem de estabilidade para o mundo.
A imagem criada em Timor em 1975 era a de "um povo perdido, um caos e ainda por cima com um caminho ideológico num sentido que não interessava aos seus vizinhos", concluiu arrancando da assistência uma salva de palmas.
Pelo nosso enviado ADELINO GOMES, em Díli
Quarta-feira, 17 de Dezembro de 2003
O ex-governador general Mário Lemos Pires recusou um convite para se deslocar a Timor-Leste e participar como "agente histórico" na sessão de reconciliação sobre o conflito político interno entre 1974 e 1976, a decorrer em Díli desde a última segunda-feira, 15. Mas ontem a sessão de testemunhos presenciais teve uma interrupção de cerca de duas horas para que fosse montado um ecrã gigante em frente do palco e todos - os sete dirigentes da Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR), a assistência e os espectadores da rádio e da televisão nacionais - pudessem acompanhar a exibição de um vídeo com o seu relato da agitada fase que marcou de forma sangrenta o fim de quatro séculos e meio de presença portuguesa nos mares de Timor.
Filmado em Lisboa em Outubro passado, o vídeo contém uma declaração de Lemos Pires com cerca de uma hora, e um pouco mais de meia hora de respostas a perguntas formuladas por um dos comissários da CAVR, Jacinto Alves.
No essencial, o ex-governador português traçou o quadro de situação já conhecido oficialmente e que ele próprio se encarregou de passar a letra de forma num livro editado em Portugal já nos anos 90 ("Descolonização de Timor-Missão Impossível?", Publicações Dom Quixote, 1991). Porém, talvez nunca como agora, e por mérito também das perguntas de Jacinto Alves, se terão percebido tão bem os exíguos termos de referência da sua missão, a dramática ausência de linhas de orientação de Lisboa no momento mais agudo da crise e as razões que levaram o contingente português a trocar Díli pela ilha do Ataúro, deixando a capital e o resto do território mergulhados numa guerra civil.
"Não havia ninguém que tivesse decidido uma política específica" para a descolonização de Timor. O que lhe foi dito, "não por escrito" - principalmente pelo Presidente de então, Costa Gomes - foi que tentasse "criar as condições mais favoráveis" para que os timorenses pudessem "decidir o seu futuro, isto é, escolher a fórmula política dentro do quadro de autonomia a que agora tinham direito". Para tanto, notou Lemos Pires, o apoio financeiro "era escasso" e foi-lhe logo transmitido que "os reforços militares não poderiam ser muito grandes".
O governador - então com o posto de coronel, especialista em guerra subversiva e em acção psicológica, um curso de estado-maior tirado nos EUA e um perfil conservador - partiu para Timor com a ideia de que " toda a atenção dos portugueses" se concentrava na revolução no seu país.
Nova surpresa o aguardava ao chegar ao destino, em Novembro de 1974. As forças armadas que foi encontrar "eram mais factor de insegurança do que de segurança", elas próprias a pensarem na célebre palavra de ordem "Nem mais um soldado para o Ultramar", que adaptavam à realidade local: "Saiam de Timor, deixem Timor".
Portugal devia ter internacionalizado a questão mais cedo
Em Agosto seguinte, após o golpe da UDT, sem garantias de obediência dos militares locais, reduzido a dois pelotões de pára-quedistas; sem receber luz verde para negociações com os beligerantes; receoso de que uma intervenção contra a UDT fosse interpretada internacionalmente como apoio à Fretilin, vista como um movimento comunista, e uma intervenção a favor da UDT lançasse a Fretilin na guerrilha, que Portugal, "que tinha terminado a guerra", não suportaria; Lemos Pires decide "transferir-se" de surpresa para o Ataúro. "Muita gente me acusa que isso foi contra os meus deveres. Eu julgo que foi certo, a história julgo que me vem dar razão."
A Indonésia conduziu todo o processo de má-fé, e nem sequer uma independência com a UDT aceitaria, pois a decisão de integrar Timor já fora tomada antes dos acontecimentos do Verão de 1975, considera hoje.
O ex-governador lamentou que Portugal não tivesse internacionalizado a questão logo que, em Junho de 1974, reconheceu o direito à autodeterminação das suas colónias. E admitiu que se Portugal tivesse recorrido às Nações Unidas, ao menos quando Jacarta começou a infiltrar tropas na fronteira, em Outubro de 1975, "podia talvez evitar ou dissuadir" a Indonésia de invadir o território.
"Timor ficou na última das preocupações do poder político português", criticou. "O que aconteceu foi um mau processo de descolonização", mas também "nenhum dos outros países teve um país tão adverso como a Indonésia".
Convidado a tirar lições do processo, o general português aconselhou os timorenses a terem "muito cuidado antes da opção de entrar com a força" e nesse caso só "com a força legítima"; disse que os políticos "não podem aliciar os militares" para utilizar para as suas cores partidárias o poder militar "que pertence à nação"; defendeu a importância "dos instrumentos da democracia, a negociação, o debate e as eleições"; e exortou os timorenses a darem uma imagem de estabilidade para o mundo.
A imagem criada em Timor em 1975 era a de "um povo perdido, um caos e ainda por cima com um caminho ideológico num sentido que não interessava aos seus vizinhos", concluiu arrancando da assistência uma salva de palmas.
As Lágrimas e Os Risos Amargos dos Inimigos de Ontem
Pelo nosso enviado ADELINO GOMES, em Díli
Quinta-feira, 18 de Dezembro de 2003
Primeiro foi Tomás Gonçalves, um antigo apostador profissional de lutas de galos que, no pós-25 de Abril, se tornou comandante de uma companhia treinada na Indonésia para desestabilizar Timor logo em 1974. Seguiu-se Rogério Lobato, alferes miliciano do exército português a quem as circunstâncias transformaram em Agosto de 1975 no mais graduado de todos os combatentes das Falintil. Timor-Leste viu e ouviu ainda ontem - penúltimo dia da sessão pública de reconciliação que decorre em Díli desde esta segunda-feira - um dos dirigentes da UDT que decidiram o golpe de 11 de Agosto daquele ano e primeiro Presidente da autoproclamada República Democrática de Timor-Leste, Xavier do Amaral. Sobre o pano de fundo de um número até hoje não apurado de mortos, mas que terá atingido os vários milhares, os testemunhos dos quatro homens alternaram lágrimas com gargalhadas.
"Major Lourenço, de Laclubar. Matos Ferreira, de Same. Mouzinho. Reconheço as responsabilidades da Fretilin nas suas mortes. Peço desculpa às famílias. E a todas as outras vítimas. Enquanto comandante chefe das Falintil, assumo a responsabilidade das violações dos direitos humanos entre 20 de Agosto e 4 de Dezembro de 1975" - Rogério Lobato, hoje ministro da Administração Interna, pára de frase em frase, uma mão sobre os lábios a disfarçar-lhes a tremura, a outra a passar um lenço de papel sobre o rosto húmido de lágrimas.
A primeira vez que a voz se lhe embargou ia começar a falar da morte de um dos irmãos, nas vésperas do 11 de Agosto. Repete o que Mari Alkatiri disse ontem neste mesmo local, a antiga prisão colonial de Balide, hoje palco da tentativa de reconciliação sobre os crimes cometidos durante a guerra civil de 1975: a Fretilin como estrutura política nunca deu directivas para matar fosse quem fosse; membros da Fretilin individualmente abusaram do poder e cometeram violações dos direitos humanos. "Alguns para resolverem problemas antigos. Outros para ajustarem contas", diz, prometendo que não vai esconder nada.
Confirma as agressões contra o tenente-coronel Maggiolo Gouveia - "bateram-lhe, insultaram-no" -, confessa que ele próprio esbofeteou Francisco Oliveira. Garante, porém, que não matou este último, como tem sido acusado de ter feito: "Com o meu irmão, Nicolau [vice-presidente da Fretilin], tive um encontro com ele. Nicolau perguntou-lhe: 'Por que é que mataste o nosso irmão [Domingos, assassinado nas vésperas do golpe da UDT]?' Eu estava irado e bati-lhe com as mãos. Podíamos tê-lo matado, mas o meu irmão disse-lhe: 'Não te fazemos mal', e mandou-o para o hospital, à guarda da Cruz Vermelha Internacional (CVI)."
Maggiolo uma vez mais
Lobato conta que, quando soube que "estavam a exagerar" na prisão com Maggiolo Gouveia, recebeu-o no gabinete e disse-lhe: "Senhor tenente-coronel (foi assim que o tratei, apesar de ele se ter desvinvulado do exército português), desculpe o que aconteceu. Vou tirá-lo da cadeia e mudo-o para o hospital militar. Fica debaixo da protecção da CVI." Muitas pessoas, contudo, começaram a ir lá, para se vingarem. O comandante timorense garante que, por causa disso, decidiu enviar uma secção que o protegesse no hospital.
Recebido com palmas pela assistência, Tomás Gonçalves narra dois anos de uma vida intensa entre Timor Oriental e Timor Ocidental com uma precisão quase horária de datas.
A morte do avô pelos portugueses, a seguir à II Grande Guerra, levou-o a escolher a Apodeti (integracionista), em Junho de 1974. Em Agosto já estava a levar à Indonésia uniformes para serem usados pelos simpatizantes em manifestações de rua. A 9 de Setembro integra a delegação partidária que o MNE indonésio, Adam Malik, recebe em Jacarta. Em Janeiro de 1975, tinha Lemos Pires chegado a Timor, já ele fazia exercícios de treino militar do outro lado da fronteira. Em Agosto, quando o golpe da UDT e o contragolpe da Fretilin dividem Díli em dois, as milícias em que se integra constituem três grupos infiltrados na região de Suai-Bobonaro.
A 15 de Agosto à noite, é mandado para Balibó, onde vê cinco jornalistas australianos mortos pelas forças em que se integra. Ocupa Atabai e, em 5 de Dezembro, vésperas da invasão indonésia, recebe ordens para arrancar de barco de guerra em direcção a Díli e daqui a Baucau.
Em 2 de Janeiro de 1976, assiste em Aileu à mais forte das batalhas que já viu na guerra. Volta ao local no último dia do mês. Fica impressionado com o cenário de morte que testemunha. É conduzido à vala onde amontoaram o grupo de executados de que fazia parte Maggiolo Gouveia (cujo corpo, dirá ao PÚBLICO, já depois do testemunho no palco, encontrou de pé, "sinal de que foi enterrado vivo").
Os novos senhores do país dão-lhe o cargo, a que resiste inicialmente, de administrador em Ermera. Como programa, incitam-no a matar "quem for da Fretilin." Responde ao novo governador, Arnaldo dos Reis Araújo, um dos sobreviventes do massacre de Aileu: "Assim, em vez de governarmos pessoas, vamos governar pedras." Garante, a propósito, que os "partisan" timorenses ao serviço da Indonésia não mataram ninguém.
Um dos comissários aproveita a oportunidade da última pergunta para um comentário crítico: "O senhor deu-se como objecto aos indonésios para vir aqui matar pessoas. Desculpe a pergunta: não se sente responsável? Aceito qualquer resposta porque o que disser pode incriminá-lo."
Tomás Gonçalves, confiante, volta a evocar a memória do avô morto "por causa de Portugal" na II Grande Guerra. "Era preciso um grupo armado para ajudar a Apodeti a garantir a integração", responde. Antes reconhecera que a ideia do comunismo fora um mero pretexto para a anexação que os militares ambicionavam levar a cabo.
Ouvem-se palmas. Toda a gente sabe que este "agente do processo" se encontra sob investigação da Unidade de Crimes Graves. Os comissários felicitam-no "pela coragem em vir a público" assumir, com datas e nomes, a colaboração com o ocupante.
Nenhum deles, aparentemente, esperava que, daí a minutos, o depoimento de Rogério Lobato atingisse tamanha intensidade dramática. "Eu também sou vítima", diz o antigo alferes depois de assumir os crimes dos homens que comandou. "Mataram-me o pai, a mãe, desarmados, os irmãos, sobrinhos", diz, contabilizando 17 pessoas, só da família directa. "Não me vingarei. Não farei justiça com as minhas mãos. Mas não me peçam que esqueça. Impossível esquecer", vai desfiando, lentamente, a voz a falhar-lhe de novo. "Os que mataram a minha mãe estão vivos ainda. Há vítimas em todo o lado. Aceito uma amnistia, o perdão do Parlamento. Mas vamos apertar as mãos dos que nos mataram? É uma injustiça."
Pelo nosso enviado ADELINO GOMES, em Díli
Quinta-feira, 18 de Dezembro de 2003
Primeiro foi Tomás Gonçalves, um antigo apostador profissional de lutas de galos que, no pós-25 de Abril, se tornou comandante de uma companhia treinada na Indonésia para desestabilizar Timor logo em 1974. Seguiu-se Rogério Lobato, alferes miliciano do exército português a quem as circunstâncias transformaram em Agosto de 1975 no mais graduado de todos os combatentes das Falintil. Timor-Leste viu e ouviu ainda ontem - penúltimo dia da sessão pública de reconciliação que decorre em Díli desde esta segunda-feira - um dos dirigentes da UDT que decidiram o golpe de 11 de Agosto daquele ano e primeiro Presidente da autoproclamada República Democrática de Timor-Leste, Xavier do Amaral. Sobre o pano de fundo de um número até hoje não apurado de mortos, mas que terá atingido os vários milhares, os testemunhos dos quatro homens alternaram lágrimas com gargalhadas.
"Major Lourenço, de Laclubar. Matos Ferreira, de Same. Mouzinho. Reconheço as responsabilidades da Fretilin nas suas mortes. Peço desculpa às famílias. E a todas as outras vítimas. Enquanto comandante chefe das Falintil, assumo a responsabilidade das violações dos direitos humanos entre 20 de Agosto e 4 de Dezembro de 1975" - Rogério Lobato, hoje ministro da Administração Interna, pára de frase em frase, uma mão sobre os lábios a disfarçar-lhes a tremura, a outra a passar um lenço de papel sobre o rosto húmido de lágrimas.
A primeira vez que a voz se lhe embargou ia começar a falar da morte de um dos irmãos, nas vésperas do 11 de Agosto. Repete o que Mari Alkatiri disse ontem neste mesmo local, a antiga prisão colonial de Balide, hoje palco da tentativa de reconciliação sobre os crimes cometidos durante a guerra civil de 1975: a Fretilin como estrutura política nunca deu directivas para matar fosse quem fosse; membros da Fretilin individualmente abusaram do poder e cometeram violações dos direitos humanos. "Alguns para resolverem problemas antigos. Outros para ajustarem contas", diz, prometendo que não vai esconder nada.
Confirma as agressões contra o tenente-coronel Maggiolo Gouveia - "bateram-lhe, insultaram-no" -, confessa que ele próprio esbofeteou Francisco Oliveira. Garante, porém, que não matou este último, como tem sido acusado de ter feito: "Com o meu irmão, Nicolau [vice-presidente da Fretilin], tive um encontro com ele. Nicolau perguntou-lhe: 'Por que é que mataste o nosso irmão [Domingos, assassinado nas vésperas do golpe da UDT]?' Eu estava irado e bati-lhe com as mãos. Podíamos tê-lo matado, mas o meu irmão disse-lhe: 'Não te fazemos mal', e mandou-o para o hospital, à guarda da Cruz Vermelha Internacional (CVI)."
Maggiolo uma vez mais
Lobato conta que, quando soube que "estavam a exagerar" na prisão com Maggiolo Gouveia, recebeu-o no gabinete e disse-lhe: "Senhor tenente-coronel (foi assim que o tratei, apesar de ele se ter desvinvulado do exército português), desculpe o que aconteceu. Vou tirá-lo da cadeia e mudo-o para o hospital militar. Fica debaixo da protecção da CVI." Muitas pessoas, contudo, começaram a ir lá, para se vingarem. O comandante timorense garante que, por causa disso, decidiu enviar uma secção que o protegesse no hospital.
Recebido com palmas pela assistência, Tomás Gonçalves narra dois anos de uma vida intensa entre Timor Oriental e Timor Ocidental com uma precisão quase horária de datas.
A morte do avô pelos portugueses, a seguir à II Grande Guerra, levou-o a escolher a Apodeti (integracionista), em Junho de 1974. Em Agosto já estava a levar à Indonésia uniformes para serem usados pelos simpatizantes em manifestações de rua. A 9 de Setembro integra a delegação partidária que o MNE indonésio, Adam Malik, recebe em Jacarta. Em Janeiro de 1975, tinha Lemos Pires chegado a Timor, já ele fazia exercícios de treino militar do outro lado da fronteira. Em Agosto, quando o golpe da UDT e o contragolpe da Fretilin dividem Díli em dois, as milícias em que se integra constituem três grupos infiltrados na região de Suai-Bobonaro.
A 15 de Agosto à noite, é mandado para Balibó, onde vê cinco jornalistas australianos mortos pelas forças em que se integra. Ocupa Atabai e, em 5 de Dezembro, vésperas da invasão indonésia, recebe ordens para arrancar de barco de guerra em direcção a Díli e daqui a Baucau.
Em 2 de Janeiro de 1976, assiste em Aileu à mais forte das batalhas que já viu na guerra. Volta ao local no último dia do mês. Fica impressionado com o cenário de morte que testemunha. É conduzido à vala onde amontoaram o grupo de executados de que fazia parte Maggiolo Gouveia (cujo corpo, dirá ao PÚBLICO, já depois do testemunho no palco, encontrou de pé, "sinal de que foi enterrado vivo").
Os novos senhores do país dão-lhe o cargo, a que resiste inicialmente, de administrador em Ermera. Como programa, incitam-no a matar "quem for da Fretilin." Responde ao novo governador, Arnaldo dos Reis Araújo, um dos sobreviventes do massacre de Aileu: "Assim, em vez de governarmos pessoas, vamos governar pedras." Garante, a propósito, que os "partisan" timorenses ao serviço da Indonésia não mataram ninguém.
Um dos comissários aproveita a oportunidade da última pergunta para um comentário crítico: "O senhor deu-se como objecto aos indonésios para vir aqui matar pessoas. Desculpe a pergunta: não se sente responsável? Aceito qualquer resposta porque o que disser pode incriminá-lo."
Tomás Gonçalves, confiante, volta a evocar a memória do avô morto "por causa de Portugal" na II Grande Guerra. "Era preciso um grupo armado para ajudar a Apodeti a garantir a integração", responde. Antes reconhecera que a ideia do comunismo fora um mero pretexto para a anexação que os militares ambicionavam levar a cabo.
Ouvem-se palmas. Toda a gente sabe que este "agente do processo" se encontra sob investigação da Unidade de Crimes Graves. Os comissários felicitam-no "pela coragem em vir a público" assumir, com datas e nomes, a colaboração com o ocupante.
Nenhum deles, aparentemente, esperava que, daí a minutos, o depoimento de Rogério Lobato atingisse tamanha intensidade dramática. "Eu também sou vítima", diz o antigo alferes depois de assumir os crimes dos homens que comandou. "Mataram-me o pai, a mãe, desarmados, os irmãos, sobrinhos", diz, contabilizando 17 pessoas, só da família directa. "Não me vingarei. Não farei justiça com as minhas mãos. Mas não me peçam que esqueça. Impossível esquecer", vai desfiando, lentamente, a voz a falhar-lhe de novo. "Os que mataram a minha mãe estão vivos ainda. Há vítimas em todo o lado. Aceito uma amnistia, o perdão do Parlamento. Mas vamos apertar as mãos dos que nos mataram? É uma injustiça."
Fretilin e UDT Assumiram Responsabilidades nos Massacres de 75
Pelo nosso enviado ADELINO GOMES, em Díli
Sexta-feira, 19 de Dezembro de 2003
Quando a audiência pública sobre o conflito mortífero entre os partidos timorenses de 1974 a 1976 se iniciou, segunda-feira passada, os organizadores não tinham a certeza ainda de que o presidente da UDT, João Carrascalão, nela aceitasse participar. Faltava-lhes também receber a prometida mensagem de Abílio Osório Soares, o último governador pró-indonésio. E já sabiam que não chegariam a tempo, se alguma vez chegarem, as também prometidas palavras de Francisco Lopes da Cruz, primeiro presidente da UDT.
Apesar de figuras históricas do Timor pós-25 de Abril, Cruz e Soares tornaram-se, entretanto, personagens de uma outra realidade nacional: o primeiro serve a República da Indonésia como embaixador; o segundo é um empresário com escritórios abertos em Kupang e Jacarta. Simbólica embora, a sua participação na audiência nenhum efeito prático teria na vida política timorense, de que, em definitivo, não fazem parte.
Pelo contrário, a ausência de João Carrascalão, comandante operacional do movimento de 11 de Agosto de 1975, que abriu caminho à guerra civil, feria de morte a iniciativa, que já sofrera dois adiamentos devido a tensões surgidas.
Ontem, algumas horas antes da prevista intervenção, o mais novo dos três irmãos políticos da mais célebre família de Timor-Leste deu entrada nas instalações da antiga cadeia colonial portuguesa, Comarca, sede da Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR), sentou-se numa cadeira, e ali ficou, esfíngico, a ouvir os responsáveis dos partidos que o precediam no programa, Kota e Trabalhista. A mais delicada de todas as sessões de reconciliação nacional em curso já não seria um fracasso. Só as horas seguintes poderiam mostrar a medida do êxito da iniciativa.
As intervenções dos representantes da Apodeti, Kota e Trabalhista - aliados da UDT no MAC (Movimento Anti-Comunista) - não parecem augurar nada de bom. Paulo Freitas, do Trabalhista, chegará a dizer, sobre a participação do seu partido no movimento de 11 de Agosto: "Colaborámos com a UDT, mas não entrámos". Um dos comissários desabafa, mal disfarçando a irritação: "A verdade é que a Indonésia veio porque vocês a convidaram a vir para cá." Outro perguntar-lhe-à, não tarda, se não é verdade que as assinaturas deles constam da petição que a propaganda de Jacarta tanto exibiu. O dirigente do pequeno partido confirma que as assinaturas estão lá. Mas são de indivíduos e não do partido. E que foram extorquidas sob a ameaça das armas. "Anedota", mumura uma mulher baixo para toda a gente á volta ouvir.
Mal chega à mesa e lhe dão a palavra, João Carrascalão profere duas ou três frases rápidas de protesto - "a verdade ainda não foi dita aqui" - levanta a cabeça e proclama: "Eu errei! Porque fui eu que comecei, fui eu que errei!"
Os comissários na mesa debruçam-se para o verem melhor, o silêncio, regra de ouro de toda a sessão, parece agora mais profundo. "Se querem apontar o dedo, apontem-mo a mim. Ninguém quer assumir as responsabilidades, então eu assumo-as."
Ainda está a falar quando chegam Mari Alkatiri e Lu-Olo, os representantes do inimigo de Agosto de 1975. Xanana também há-de chegar, a tempo de o ouvir defender a necessidade do Estado proceder à reparação material e moral das vítimas. De todas as vítimas.
Assumimos Aileu, assumimos Same,
e também Ermera e Betano
Alkatiri (secretário-geral) e Lu-Olo (Presidente da Fretilin) sobem ao palco e juram. O primeiro sobre a Constituição, o segundo sobre a Bíblia. Que vão dizer a verdade, só a verdade, nada mais do que a verdade. Xanana parece alheado, tira fotografias atrás de fotografias, troca piadas com Rogério Lobato, o ministro cuja substituição pediu por duas vezes, sem êxito, a Mari Alkatiri. Nas palavras de Mari nada que não se tivesse já ouvido ontem. Até ao momento em que pronuncia os nomes de Aileu e Same, locais onde a Fretilin cometeu massacres no período que se seguiu à invasão indonésia.
"Devemos assumir a responsabilidade dos massacres de Aileu e de Same", diz, e quase se ouve o respirar de alívio das centenas de pessoas que enchem o recinto. "Como também os massacres de Ermera e em Betano [estes cometidos pela UDT]. Temos que os assumir".
O presidente da sessão dá a palavra a Lu-Olo. Xanana deixou de tirar fotografias, troca uma ou outra piada com Lobato. Olo embarca numa viagem pela história do partido aparentemente fora da agenda, a evocar factos de 1978, 81, 83, 91, 92, alguns deles do conhecimento até do malai distraído. Já passou quase a meia hora de que dispõe e nenhum sinal de autocrítica, nenhum indício de que o mais alto representante do maior, mais influente e mais polémico partido do país se dispõe a dizer o que toda a gente anseia ouvir-lhe.
"Hoje, irmãos e irmãs" - começa ele, quando acaba de contar no tom monótono que o caracteriza a fundação do CNRT em 1998 - "separámo-nos na Coligação [de Abril de 1975, que desembocou na guerra fratricida] e encontrámo-nos mais à frente. A UDT matou gente da Fretilin. A Fretilin matou gente da UDT. A Fretilin matou a Fretilin. Como Presidente peço perdão às famílias de todas as vítimas".
Há lágrimas nos olhos de Xanana, mulheres, homens, alguns jovens fazem disfarçadas passagens de dedos sobre a cara, o presidente do CAVR, Aniceto Guterres Lopes, pergunta a um o que quis dizer quando mencionou o activo e o passivo da Fretilin e a outro que tarefas entende mais urgentes.
Já a noite caía, quando Mari e Olo se dirigem aos lugares e João se lhes atravessa no caminho e abre os braços para o presidente da Fretilin. Agora é Xanana que quase levanta Alkatiri, Alkatiri que fica em demorado amplexo cara com cara de João. Os líderes dos partidos mais pequenos e mais afastados do caminho histórico de amor-ódio percorrido pela UDT e pela Fretilin levantam-se das cadeiras, as camisas roxas dos dois homens da Apodeti já andam por ali no círculo dos homens irmãos inimigos de 28 anos, uma mulher vinda lá detrás rompe num pranto, a cabeça no ombro de Xanana, a voz do cantor de serviço entoa "de mãos dadas para a paz".
Xanana feliz com lágrimas
Antes de se dirigir à tribuna para o discurso de encerramento Xanana ainda há-de estender o microfone a Lino Barreto, um homem alto e magro e pobre a percorrer atrás de uns chinelos de plástico nos pés nus a distância que vai até ao palco para ali fazer entrega de uma pasta que aperta no peito com "documentos de violações de direitos humanos". Silêncio e ele ali, de frente para Xanana e quatrocentas pessoas, os ombros tremem, "trabalhei 24 anos para o movimento clandestino" diz a voz que lhe sai da boca e é como se tivesse sofrido a vida inteira para aqueles cinco segundos de glória.
Xanana quer voltar a distrair-se com a máquina fotográfica, Carmen, a locutora oficial da audiência convida-o a encerrar os trabalhos, "amigos, povo, este é um processo ainda doloroso", diz ele em tétum. "Doloroso", repete. "Não sabem o que significa a palavra mas sabem o que é a dor".
Nunca mais olha para o discurso que tem à frente, trazido numa pasta. "Peço a todos, povo, vítimas, partidos, coragem. Coragem [longo silêncio, ele a olhar para cima, para baixo, os dedos na cara, o olhar no tecto, na árvore de lá fora]. Coragem como antes quando sonhávamos com a independência. Coragem como antes quando aceitámos sacrifícios para nos tornarmos um povo livre. É por isto que este povo encontrou...(outra vez o silêncio, o embaraço) ... Os líderes assumiram as suas responsabilidades. Este é um momento histórico para este país, para este povo. Podemos chorar, não de tristeza mas de alegria. Choramos porque estamos felizes" e assim durante durante meia-hora.
Ainda há-de chegar o minuto de silêncio que o padre Jovito, vice-presidente da CAVR, transformará em meditação sobre os direitos humanos; ainda falta a oração da pastora evangélica Maria de Fátima Gomes; ainda as viúvas postadas entre o palco e o corredor de saída não se postaram na sua frente e lhe cairam em pranto à procura de consolo e justiça.
Falta Xanana, que parece ter dito já tudo, dizer o que a reconciliação lhe pede que diga. "Eu chorei de alegria e de tristeza. Chorei como nenhum membro do Comité Central da Fretilin. Se fiz coisas boas, também fiz coisas más".
Vinte e oito anos e milhares de mortos depois os homens que derrotaram a Indonésia fizeram as pazes entre eles. Os que mataram a UDT com os que mataram a Fretilin, com os que se entregaram à indonésia, com os da Fretilin que mataram a Fretilin.
Pelo nosso enviado ADELINO GOMES, em Díli
Sexta-feira, 19 de Dezembro de 2003
Quando a audiência pública sobre o conflito mortífero entre os partidos timorenses de 1974 a 1976 se iniciou, segunda-feira passada, os organizadores não tinham a certeza ainda de que o presidente da UDT, João Carrascalão, nela aceitasse participar. Faltava-lhes também receber a prometida mensagem de Abílio Osório Soares, o último governador pró-indonésio. E já sabiam que não chegariam a tempo, se alguma vez chegarem, as também prometidas palavras de Francisco Lopes da Cruz, primeiro presidente da UDT.
Apesar de figuras históricas do Timor pós-25 de Abril, Cruz e Soares tornaram-se, entretanto, personagens de uma outra realidade nacional: o primeiro serve a República da Indonésia como embaixador; o segundo é um empresário com escritórios abertos em Kupang e Jacarta. Simbólica embora, a sua participação na audiência nenhum efeito prático teria na vida política timorense, de que, em definitivo, não fazem parte.
Pelo contrário, a ausência de João Carrascalão, comandante operacional do movimento de 11 de Agosto de 1975, que abriu caminho à guerra civil, feria de morte a iniciativa, que já sofrera dois adiamentos devido a tensões surgidas.
Ontem, algumas horas antes da prevista intervenção, o mais novo dos três irmãos políticos da mais célebre família de Timor-Leste deu entrada nas instalações da antiga cadeia colonial portuguesa, Comarca, sede da Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR), sentou-se numa cadeira, e ali ficou, esfíngico, a ouvir os responsáveis dos partidos que o precediam no programa, Kota e Trabalhista. A mais delicada de todas as sessões de reconciliação nacional em curso já não seria um fracasso. Só as horas seguintes poderiam mostrar a medida do êxito da iniciativa.
As intervenções dos representantes da Apodeti, Kota e Trabalhista - aliados da UDT no MAC (Movimento Anti-Comunista) - não parecem augurar nada de bom. Paulo Freitas, do Trabalhista, chegará a dizer, sobre a participação do seu partido no movimento de 11 de Agosto: "Colaborámos com a UDT, mas não entrámos". Um dos comissários desabafa, mal disfarçando a irritação: "A verdade é que a Indonésia veio porque vocês a convidaram a vir para cá." Outro perguntar-lhe-à, não tarda, se não é verdade que as assinaturas deles constam da petição que a propaganda de Jacarta tanto exibiu. O dirigente do pequeno partido confirma que as assinaturas estão lá. Mas são de indivíduos e não do partido. E que foram extorquidas sob a ameaça das armas. "Anedota", mumura uma mulher baixo para toda a gente á volta ouvir.
Mal chega à mesa e lhe dão a palavra, João Carrascalão profere duas ou três frases rápidas de protesto - "a verdade ainda não foi dita aqui" - levanta a cabeça e proclama: "Eu errei! Porque fui eu que comecei, fui eu que errei!"
Os comissários na mesa debruçam-se para o verem melhor, o silêncio, regra de ouro de toda a sessão, parece agora mais profundo. "Se querem apontar o dedo, apontem-mo a mim. Ninguém quer assumir as responsabilidades, então eu assumo-as."
Ainda está a falar quando chegam Mari Alkatiri e Lu-Olo, os representantes do inimigo de Agosto de 1975. Xanana também há-de chegar, a tempo de o ouvir defender a necessidade do Estado proceder à reparação material e moral das vítimas. De todas as vítimas.
Assumimos Aileu, assumimos Same,
e também Ermera e Betano
Alkatiri (secretário-geral) e Lu-Olo (Presidente da Fretilin) sobem ao palco e juram. O primeiro sobre a Constituição, o segundo sobre a Bíblia. Que vão dizer a verdade, só a verdade, nada mais do que a verdade. Xanana parece alheado, tira fotografias atrás de fotografias, troca piadas com Rogério Lobato, o ministro cuja substituição pediu por duas vezes, sem êxito, a Mari Alkatiri. Nas palavras de Mari nada que não se tivesse já ouvido ontem. Até ao momento em que pronuncia os nomes de Aileu e Same, locais onde a Fretilin cometeu massacres no período que se seguiu à invasão indonésia.
"Devemos assumir a responsabilidade dos massacres de Aileu e de Same", diz, e quase se ouve o respirar de alívio das centenas de pessoas que enchem o recinto. "Como também os massacres de Ermera e em Betano [estes cometidos pela UDT]. Temos que os assumir".
O presidente da sessão dá a palavra a Lu-Olo. Xanana deixou de tirar fotografias, troca uma ou outra piada com Lobato. Olo embarca numa viagem pela história do partido aparentemente fora da agenda, a evocar factos de 1978, 81, 83, 91, 92, alguns deles do conhecimento até do malai distraído. Já passou quase a meia hora de que dispõe e nenhum sinal de autocrítica, nenhum indício de que o mais alto representante do maior, mais influente e mais polémico partido do país se dispõe a dizer o que toda a gente anseia ouvir-lhe.
"Hoje, irmãos e irmãs" - começa ele, quando acaba de contar no tom monótono que o caracteriza a fundação do CNRT em 1998 - "separámo-nos na Coligação [de Abril de 1975, que desembocou na guerra fratricida] e encontrámo-nos mais à frente. A UDT matou gente da Fretilin. A Fretilin matou gente da UDT. A Fretilin matou a Fretilin. Como Presidente peço perdão às famílias de todas as vítimas".
Há lágrimas nos olhos de Xanana, mulheres, homens, alguns jovens fazem disfarçadas passagens de dedos sobre a cara, o presidente do CAVR, Aniceto Guterres Lopes, pergunta a um o que quis dizer quando mencionou o activo e o passivo da Fretilin e a outro que tarefas entende mais urgentes.
Já a noite caía, quando Mari e Olo se dirigem aos lugares e João se lhes atravessa no caminho e abre os braços para o presidente da Fretilin. Agora é Xanana que quase levanta Alkatiri, Alkatiri que fica em demorado amplexo cara com cara de João. Os líderes dos partidos mais pequenos e mais afastados do caminho histórico de amor-ódio percorrido pela UDT e pela Fretilin levantam-se das cadeiras, as camisas roxas dos dois homens da Apodeti já andam por ali no círculo dos homens irmãos inimigos de 28 anos, uma mulher vinda lá detrás rompe num pranto, a cabeça no ombro de Xanana, a voz do cantor de serviço entoa "de mãos dadas para a paz".
Xanana feliz com lágrimas
Antes de se dirigir à tribuna para o discurso de encerramento Xanana ainda há-de estender o microfone a Lino Barreto, um homem alto e magro e pobre a percorrer atrás de uns chinelos de plástico nos pés nus a distância que vai até ao palco para ali fazer entrega de uma pasta que aperta no peito com "documentos de violações de direitos humanos". Silêncio e ele ali, de frente para Xanana e quatrocentas pessoas, os ombros tremem, "trabalhei 24 anos para o movimento clandestino" diz a voz que lhe sai da boca e é como se tivesse sofrido a vida inteira para aqueles cinco segundos de glória.
Xanana quer voltar a distrair-se com a máquina fotográfica, Carmen, a locutora oficial da audiência convida-o a encerrar os trabalhos, "amigos, povo, este é um processo ainda doloroso", diz ele em tétum. "Doloroso", repete. "Não sabem o que significa a palavra mas sabem o que é a dor".
Nunca mais olha para o discurso que tem à frente, trazido numa pasta. "Peço a todos, povo, vítimas, partidos, coragem. Coragem [longo silêncio, ele a olhar para cima, para baixo, os dedos na cara, o olhar no tecto, na árvore de lá fora]. Coragem como antes quando sonhávamos com a independência. Coragem como antes quando aceitámos sacrifícios para nos tornarmos um povo livre. É por isto que este povo encontrou...(outra vez o silêncio, o embaraço) ... Os líderes assumiram as suas responsabilidades. Este é um momento histórico para este país, para este povo. Podemos chorar, não de tristeza mas de alegria. Choramos porque estamos felizes" e assim durante durante meia-hora.
Ainda há-de chegar o minuto de silêncio que o padre Jovito, vice-presidente da CAVR, transformará em meditação sobre os direitos humanos; ainda falta a oração da pastora evangélica Maria de Fátima Gomes; ainda as viúvas postadas entre o palco e o corredor de saída não se postaram na sua frente e lhe cairam em pranto à procura de consolo e justiça.
Falta Xanana, que parece ter dito já tudo, dizer o que a reconciliação lhe pede que diga. "Eu chorei de alegria e de tristeza. Chorei como nenhum membro do Comité Central da Fretilin. Se fiz coisas boas, também fiz coisas más".
Vinte e oito anos e milhares de mortos depois os homens que derrotaram a Indonésia fizeram as pazes entre eles. Os que mataram a UDT com os que mataram a Fretilin, com os que se entregaram à indonésia, com os da Fretilin que mataram a Fretilin.
quinta-feira, dezembro 11
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FI-press-l Fourth International Press List
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Review:
Change the World – Without Taking Power?
Change the World Without Taking Power, The Meaning of Revolution Today, John Holloway, Pluto Press 2002 (pbk).
Reviewed by Phil Hearse*
Discussing the ideas in this book is useful, not because John Holloway has legions of devoted followers, but because many of the ideas he advances about fundamental social change are widespread in the global justice movement and anti-war movement internationally.
The idea of refusing to take power was popularised recently by Subcommandante Marcos, leader of the Zapatistas. Like much of what the Subcommandante says, this was very ambiguous, because in any case the EZLN, representing indigenous people in a small corner of Mexico, cannot possibly take power – at least on its own. However, the basic idea of revolutionizing social relations without conquering power has been around a long time.
Although Holloway has some critical things to say about Tronti and Antonio Negri, intellectual parents of the Italian autonomia currents, his main arguments come directly from them: don’t confront the power of the bosses in the world of work, withdraw from it. Create autonomous spaces – autonomous from the bosses, autonomous from the capitalist state. Of course this means struggle, but not the elaborate apparatuses of political parties or taking state power. Some of the things that Holloway says in the course of his argument are very widespread in today’s radical movements; they go to the heart of revolutionary strategy, and explicitly Holloway’s main polemical target is revolutionary marxism. Reviewing a book like this means lengthy quotes so readers can judge the argument for themselves: but to anticipate, key Holloway arguments are:
1) Reformism and revolutionary marxism both have as their strategic objective capturing state or governmental power; but this is a trap, since the state is inevitably an authoritarian structure. (Bog standard anarchism, that one).
2) The state is not the locus of power; capitalist social relations are where power lies. Orthodox Marxists don’t see that the state is firmly embedded in capitalist social relations and that merely capturing it changes little, since authoritarian social relations remain in place.
3) Capitalist social relations can only be changed by alternative social practices that are generated by the oppressed themselves, in the course of resistance and struggle.
4) The theoretical basis of this argument is the category of (commodity) fetishism and its reproduction. Social relations are not a structure or a “thing”, but a relationship which is daily reproduced in the process of “fetishisation”. But this reproduction is not automatic and can be disrupted by alternative social practices of resistance.
5) The claim by Engels and others that Marxism is a “science” automatically generates an authoritarian practice; the oppressed are divided into those who “know” (the vanguard, the party) and those who have false consciousness (the masses). A manipulative and substitutionist practice automatically results from this idea. Even Lukacs and Gramsci couldn’t break out of this false problematic.
6) There are no guarantees of a happy ending; all that is possible is negative critique and resistance, and we shall see the outcome.
The State: “Assassin of Hope”
“What can we do to put an end to all the misery and exploitation?…There is an answer ready at hand. Do it through the state. Join a political party, help it to win governmental power, change the country in that way. Or, if you are more impatient, more angry, more doubtful about what can be achieved through parliamentary means, join a revolutionary organisation, help conquer state power by violent or non-violent means, and then use the revolutionary state to change society. “Change the world through the state: this is the paradigm that has dominated revolutionary thought for more than a century. The debate between Rosa Luxemburg and Eduard Bernstein a hundred years ago on ‘reform or revolution’ established the terms which were to dominate thinking about revolution for most of the 20th century…The intensity of the disagreements concealed a basic point of agreement: both approaches focus on the state as the vantage point from society can be changed…” *1
But this has been a trap, because:
“If the state paradigm was the vehicle of hope for much of the century, it became more and more an assassin of hope as the century progressed….For over a hundred years the revolutionary enthusiasm of young people has been channeled into building the party or into learning to shoot guns; for over a hundred years the dreams of those who wanted a world fit for humanity have been bureaucratised and militarised, all for the winning of state power by a government that could then be accused of ‘betraying’ the movement that put it there….Rather than look to so many betrayals as an explanation, perhaps we need to look at the very notion that society can be changed through winning state power.” *2
What theoretical error lies behind this trap?
“ [Revolutionary movements inspired by Marxism] have often had an instrumental view of the capitalist nature of the state. They have typically seen the state as being the instrument of the capitalist class. The notion of an ‘instrument’ implies the relation between the state and the capitalist class is an external one; like a hammer the state is wielded by the capitalist class in its own interests, while after the revolution it will be wielded by the working class in their interests. Such a view reproduces, unconsciously perhaps, the isolation or autonomisation of the state from its social environment, the critique of which is the starting point of revolutionary politics…this view fetishises the state: it abstracts from the web of power relations in which it is embedded…The mistake of the Marxist revolutionary movement has been, not to deny the capitalist nature of the state, but to misunderstand the degree of integration of the state into the networks of capitalist social re lations.” *3
This leads to disastrous consequences for the movement:
“What was something initially negative (the rejection of capitalism) is converted into something positive (institution building, power-building). The induction into the conquest of power inevitably becomes an induction into power itself. The initiates learn the language, logic and calculations of power; they learn to wield the categories of a social science which has been entirely shaped by its obsession with power.” *4
This far from exhausts Holloway’s line of reasoning about the state, and we go into subsidiary aspects below. However the critique of revolutionary marxism so far is very radical and raises many questions about the nature of capitalist society and how to change it. The following might be some initial points of reflection about Holloway’s case. First, Holloway knows, but does not emphasise, that revolutionary marxists do not fight to capture the capitalist state, but to smash it. For him, the state is the state is the state, an unchanging category within which strictly limited sets of social relations can exist. His critique reads as if Lenin’s The State and Revolution had never been written. But the marxist concept of revolution is not that the working class smashes the state and simply replaces it with a workers’ state, through which social change can be effected. Our concept of the workers, socialist, “state” is the democratic self-organisation of the masses, not the dictatorship of the party. Indeed we are not (or should not be) in favour of a monopoly by any one party.
Illogically, Holloway several times refers positively to the example of the Paris Commune. This of course was what inspired Lenin in State and Revolution. Lenin argues for the ‘Commune State’; that was the basis of his thinking on the subject. In this conception, social relations are changed, or begin to be changed, directly and immediately through the process of socialist revolution, not just through the change in the nature of the state, but in the changing social relations which accompany this process. In advanced capitalist countries at least, it is impossible to imagine the scale of social mobilization required to overwhelm the capitalist state, without at the same time – or in very short order – the popular masses seizing democratic control of the factories, offices and companies. Our concept of revolution is not simply “capturing” the state and wielding it in the interests of the masses – that is the (old) social democratic idea; our alternative is the masses smashing
the state in a huge social uprising and democratizing power, governing through their own institutions of power. Holloway’s argument about the state being “embedded” in capitalist social relations is correct as far as it goes, but is unidirectional. The state is not just buried in the web of capitalist social relations, it is essential for the functioning of capitalism. It is where much of the essential and strategic decision-making is centered. It is the crucial defence mechanism against social relations being fundamentally changed. Holloway’s argument is basically that if you have any kind of state, you have oppression and capitalism. It’s easy to see the illogicality of this argument. Let us change, for the sake of argument, the revolutionary marxist traditional phraseology. Let’s abandon the idea of a workers’ state, and say we want the direct administration of social affairs by the democratically organised masses. Naturally, they will have to elect recallable officials, have meetings in enterprises, offices and schools and vote on what to do. They may need some kind of national assembly and elected officials of that assembly to carry out executive functions. If all that is rejected, it is difficult to imagine how the basic functioning of society could be decided and effected. Strangely (or perhaps wisely from his viewpoint) Holloway just doesn’t discuss any element of post-revolutionary society, its decision-making or mechanisms of administration. Because, if you do discuss that, you end up talking a bout something that sounds very like some kind of state. This leads to a strange paradox in his argument which Holloway is blind to. For the sake of argument, let’s say that the Zapatista base communities are a good model of changed social relations and self-government. Let’s say we want to “Zapatistise” the whole of Mexico. But in Holloway’s schema you can’t – because you would build, in this process, a state – a “Zapatista state”. So you evacuate national (and international) terrains of struggle, concentrate on the local and the particular. Which can only lead to the capitalist class saying “thank you very much”.
The reproduction of capitalist social relations
Holloway invents his own phraseology to describe capitalist social relations. Capitalist power is “power over” which confronts “power to”, and subjugates the “social flow of doing”. This needn’t bother us too much, because “power over” turns out to be “the power of the done”, ie the power of accumulated capital against the creativity of living labour. “Power to”, sometimes described as “anti-power”, can confront “power over”. “It is the movement of power-to, the struggle to emancipate human potential, that provides the perspective of breaking the circle of domination. It is only through the practice of emancipation, of power-to, that power-over can be overcome (my emphasis PH). Work, then, remains central to any discussion of revolution, but only if the starting point of that is not labour, not fetishised work, but rather work as doing, as the creativity or power-to that exists as, but also against-and-beyond labour.” *5 This can take place within the following perspective:- “In the process of struggle-against, relations are formed which are not the mirror image of the relations of power against which the struggle is directed: relations of comradeship, of solidarity, of love, relations which prefigure the sort of society we are struggling for….[The struggle against capitalism] and the struggle for emancipation cannot be separated, even when those in struggle are not conscious of the link. The most liberating struggles, however, are surely those in which the two are consciously linked, as in those struggles which are consciously prefigurative, in which the struggle aims, in its forms, not to reproduce the structures and practices of that which it struggles against, but rather to create the sort of social relations which are desired.” *6 In this context Holloway mentions, for example, factory occupations which are not just acts of resistance, but in which production is continued under workers control, for socially desirable ends. But Holloway contests what he sees as the narrowness of the left’s view of what is “political” and what is the exercise of “anti-power”:- “Anti-power is in the dignity of everyday existence. Anti-power is in the relations we form all the time, relations of love, friendship, comradeship, community, cooperation. Obviously such relations are traversed by power because of the nature of the society in which we live, yet the element of love, friendship, comradeship, lies in the constant struggle we wage against power, to establish those relations on the basis of mutual recognition, the mutual recognition of one another’s dignity… To think of opposition to capitalism only in terms of overt militancy is to see only the smoke rising from the volcano. Dignity (anti-power) exists wherever humans live. Oppression implies the opposite, the struggle to live as humans. In all that we live every day, illness, the educational system, sex, children, friendship, poverty, whatever, there is the struggle to do things with dignity, to do things right.” *7 A lot could be said about these ideas. Holloway is surely right in seeing a constant resentment against the effects of capitalism, a constant struggle against the effects of capitalist power in small as well as big things, and a constant struggle among large sections of the oppressed to create relations of mutual support with friends, family and workmates. But that’s just one side of it. Lots of pettiness, meanness, jealousy, competition, violence, racism, sexism, criminality which targets other sections of the oppressed etc exists among the oppressed as well. The precise balance we can discuss. The issue, the strategic question, is whether alternative (stable and permanent) social relations can be generated by alternative daily practices of resistance. Holloway attempts to justify his view that they can by his adroit theoretical move on the question of fetishisation. According to him fetishised social relations are a process and not a structure:- “The understanding of fetishisation as a process is key to thinking about changing the world without taking power. If we abandon fetishisation-as-process, we abandon revolution as self-emancipation. The understanding of fetishism as hard fetishism can lead to an understanding of revolution as changing the world on behalf of the oppressed, and this inevitably means a focus on taking power. Taking power is a political goal that makes sense of the idea of taking power ‘on behalf of’: a revolution which is not ‘on behalf of’ but self-moving has no need to even think of ‘taking power’.” *8 At the root of this argument is a giant non-sequitur. The premise of fetishisation-as-process doesn’t lead to the strategic conclusions that Holloway asserts. Let’s look at the argument in more detail. First, are fetishised social relations a structure or a process? Capitalist social relations have to be constantly reproduced and to that extent they are certainly a process. But they also pre-exist; they have been definitely constituted and are not subject to daily disruption and collapse (which is why Holloway’s notion of the permanent crisis and instability of capitalism is wrong – see below). Every time workers turn up for work, the social relations of capitalist exploitation do not have to be re-made or re-invented; of course they are reproduced, if you want they are reiterated – but that is the normal process of capitalist reproduction. Looked at from the reverse angle, capitalist social relations are not daily challenged, threatened or put in question. That only begins to happen at times of acute political crisis, of revolutionary or pre-revolutionary upsurge. Because he lacks any notion of the political, Holloway must remain literally speechless in front of such event s. But it is these moments of crisis that the issue of “power” is put on the table. What would Holloway have said, for example, to the revolutionary workers in Catalonia in 1936-7? Create alternative social relations, on a non-capitalist basis? But that is exactly what they did start to do, as anyone with a passing familiarity with those events will know. Firms were collectivised, land was seized by the peasants, the basis of an alternative, popular system of administration based on the committees and collectives could be seen in outline. Ditto in Chile 1971-3. Ditto in Portugal 1974-5, and many other examples could be quoted. But what happened? In each of those cases the revolutionary mass “vanguard”’ was unable to seize or consolidate national political (state) power, and they were defeated, isolated, crushed – in Spain and Chile with terrifying and bloody consequences. By abandoning the terrain of the political and the strategic, Holloway’s ideas leave the decisive arena of s truggle to capitalist or pro-capitalist forces who will inevitably occupy it, preventing revolutionary change. Now I’m going to parade some evidence strongly in favour of Holloway’s position and against what has been said above. A recent article in the London Observer gave a fascinating insight into the struggles in the poor barrios of Caracas, focus of the Bolivarian “revolution” in Hugo Chavez’s Venezuela. Local people are taking over the running of their own lives on a gigantic scale. Water and electricity, schools, food aid for the poorest – every aspect of local administration is being taken over by the people themselves. One local activist is quoted as saying “We don’t want a government – we want to be the government”. Surely this kind of activity is exactly what Holloway is talking about? The statement by the local activist encapsulates an entirely positive and progressive attitude, a revolutionary attitude, to capitalism and the capitalist state. But then how can “we”, the people, the poor, the excluded, “be the government”. That’s the crux of the matter. Anyone who says to these activists “do exactly what you are doing, period” is doing them a big disservice. Their ability to begin to change social relations at a local level depends on the national political process, the whole “Bolivarian” process and the existence of the Chavez government. If Chavez is brought down by local reaction and American imperialism, these local experiments in people’s power will be crushed. That’s the weakness of not integrating local process of power-changing with the national struggle for an alternative national state.
The article referred to above has interesting hints of conflict between the Bolivarian committees and some local activists, with the latter expressing resentment at local “politicos” trying to intrude on their struggles. Such conflicts – which also occurred in Argentina – are a normal and inevitable part of revolutionary change. They are in reality a debate over perspectives. And it’s natural that for some activists the whole huge project of changing the government and the state sometimes seems abstract and utopian, contrasted with the eminently practical tasks of solving people’s needs here and now. Such attitudes are reinforced by the real manipulative and bureaucratic practices found in some organisations of the revolutionary and not-so-revolutionary left. But in the end they are wrong and self-defeating. In accepting that social relations can be directly transformed simply by the social practices of the oppressed, Holloway abandons the terrain of strategy, and indeed of politics altogether. Marxists are bound to say to him that revolutionaries must, in one sense, be “initiates” in power, learning the tricks and tactics of the very sordid business of politics. There are indeed negative consequences from this. It would be very nice indeed to proceed straight to alternative social relations without going through all this disgusting, murky business of building parties and fighting for power. As Ernest Mandel would have said, this is unfortunately impossible in “this wicked world of ours”. Holloway’s pure naivety on this is revealed in a very interesting section on the struggles of “anti-power”:-
“Look at the world around us, look beyond the newspapers, beyond the institutions of the labour movement and you can see a world of struggle: the autonomous municipalities in Chiapas, the students at the Universidad Nacional Autónoma de Mexico, the Liverpool dockers, the wave of international demonstrations against the power of money capital, the struggle of migrant workers…There is a whole world of struggle that does not aim at winning power, a whole world of struggle against power-over…There is a whole world of struggle that…develops forms of self-determination and develops an alternative conceptions of how the world should be.” *9
Well, true, sort of. But if we scratch the surface of the three particular struggles Holloway mentions, then we get a slightly different story. First, the Liverpool dockers. A struggle by a smallish group of workers, which was internationalized in an exemplary way, with solidarity actions from dockers and seafarers on several continents. Behind the scenes, however, several British Marxist organisations devoted considerable time and energy to building that struggle and creating the international links. That struggle would not have proceeded in the way it did without that intervention. Holloway doesn’t know the facts perhaps, but I can give him the names and phone numbers of key revolutionary full-timers involved. Second, the UNAM students’ one-year struggle against the imposition of student fees (1998-9). John Holloway should know more about that because much of his time is spent in Mexico. That struggle was led (I would say in some ways mis-led) by a coalition of rather ultra-left Marxist groups. For better or worse, they were able to rely on the support of up to five or six thousand of the most determined strikers, who could lead the others. It was not a struggle without political leadership; that leadership does indeed want to gain power, but given their ultra-left semi-Stalinist character, have no chance of succeeding – anyway, let’s hope so. Finally, what about the Holloway’s key inspiration, the Zapatistas? The autonomous village assemblies are indeed exemplary, but what are they autonomous from exactly? Not political organisation and leadership, for absolute certainty. The Zapatista movement has three wings: the EZLN, the armed fighters; the base communities in the highland villages; and the Frente Zapatista, the FZLN, the nationwide support organisation. Leading all three politically is the Clandestine Indigenous Revolutionary Committee, precise membership unknown (ie it is clandestine), with a key figure being Subcommandante Marcos. This is the leadership of a political organisation, which is in effect an ersatz political party, the denials of the Subcommandante and his followers notwithstanding. You can be absolutely sure that if the base communities are debating an important question, it will have first been discussed in the clandestine leadership based in the selva. Village democracy is not exactly spontan eous. Equally, the FZLN do not do a single thing without it being authorised by the Subcommandante personally. The democracy of the FZLN is not exactly transparent. If it has not become a nationwide party it is partly because Marcos did not want it to escape his control.
Marxism, science, consciousness
To anticipate a little, John Holloway’s case against the idea that Marxism is some kind of science consists of the following key points.
1) Marxists after Engels have held the view that science in general and Marxism in particular seeks objective knowledge of the real world. Revolutionary theory by contrast is critical and negative; objective knowledge is impossible.
2) Engels and subsequent Marxist made Marxism a teleology – ie history is a process with an inevitable outcome, socialism. This downplays and eliminates the role of struggle.
3) By seeing the party (or the proletarian vanguard) as possessing knowledge which the masses do not posses, orthodox Marxists set up an authoritarian and manipulative relationship between the party and the masses. The category of false consciousness must be rejected, we are all victims of fetishization, Marxist militants included. Gramsci’s notion of hegemony is thus wrong.
4) By posing an end-point or goal for the struggle (ie socialism or communism), orthodox Marxists inevitably attempt to “channel” and direct the struggles of the masses towards their preconceived ends. The notion of revolutionary rupture is imposed on the struggle from “the outside”.
To answer all these points in detail would take a long book, but the main answer which revolutionary marxists should give to this charge sheet is “not guilty”. However, some of the individual points contain an element of truth, in particular in relation to the Marxism of the Second International, and the “Marxism” of Stalinism internationally. But many of the views ascribed to revolutionary marxism by Holloway are just not held by most people in the movement who think about these things. Is Marxism a science? Does science provide objective knowledge of the world? Is such knowledge possible? Before giving some provisional answer to those questions, it should be said that Holloway’s own answer to them – a bowdlerization of ideas from the Frankfurt School – cannot be accepted:
“The concept of fetishism implies a negative concept of science…The concept of fetishism implies therefore that there is a radical distinction between ‘bourgeois’ science and critical or revolutionary science. The former assumes the permanence of capitalist social relations and takes identity for granted, treating contradiction as a mark of logical inconsistency. Science in this view is an attempt to understand reality. In the latter case, science can only be negative, a critique of the untruth of existing reality. The aim is not to understand reality, but to understand (and, by understanding, to intensify) its contradictions as part of the struggle to change the world. The more all-pervasive we understand reification to be, the more absolutely negative science becomes. If everything is permeated by reification, then absolutely everything is a site of struggle between the imposition of the rupture of doing and the critical-practical struggle for recuperation of doing. No cate gory is neutral.” *10
A first thing which is obvious about this passage is the idea that science which wants to understand the world can’t tolerate contradiction, because this is a sign of logical inconsistency. Any Marxist will tell you that our view is that contradiction in reality (not just thought) is a fundamental epistemological proposition of any real science. In general Holloway’s arguments pose completely false alternatives. One reading of it could postulate an absolute break between “revolutionary” science and “bourgeois” science; the worst consequences of that idea were the bizarre products of the Soviet academy. If followed logically, Holloway’s idea of science would lead to a rejection of Nils Bohr or Albert Einstein on the grounds that their insights into wave and particle theory, or relativity, were not part of the struggle to change the world.
Most Marxists would argue that science has to be critical and “dialectical” to produce knowledge, attempting to understand the contradictions in reality, social as well as physical. This “dialectical” approach has been massively aided by the advent of chaos theory, which has struck a tremendous blow against the false dichotomies which bourgeois philosophy opened up between determinism and indeterminism. Chaos theory has shown that events can be determined, ie have causes which can be established, but also have indeterminate, unpredictable outcomes. Far from being a rejection of dialectical thought, this insight is a confirmation of it, or rather a deepening of it. (An extended discussion of these themes can be found in Daniel Bensaid’s book Marx for Our Times). But it is true that the insights of chaos theory are incompatible with the view of scientific predictability advanced by Engels in his famous “parallelogram of forces”. A number of consequences for our ideas about science follow. To say that science can produce knowledge of the real world is not the same thing as saying that the outcomes of all events can be predicted, not because we lack sufficient knowledge about causes, but by definition. Chaos theory has shown the limits of prediction, but they are not absolute. The range of possible outcomes of many physical and social processes can be known and predicted in advance. If this was not so, all science would be useless. We could never build a bridge, invent a new medicine or walk down the street. John Holloway establishes a false polarity between positive and negative science, between knowledge and critique. It is possible to produce real knowledge of the world without that being part of the revolutionary struggle. It is also possible to produce real knowledge of social processes, without that leading to the view that social reality is governed by impermeable “objective laws” with an inevitable outcome. Thus, few Marxists today would argue that socialism is “inevitable”, that history has a preconceived end or outcome. Socialism is an objective, a goal we fight for, it is the product of theoretical reflection. But not just that. That theoretical reflection is itself a reflection of contradictions in reality, ie the class struggle in capitalist society. To misquote Marx, theory tends towards reality and (hopefully) reality towards theory.
John Holloway claims Marxists think they possess objective knowledge that the masses do not:
“The notion of Marxism as science implies a distinction between those who know and those who do not know, a distinction between those who have true consciousness and those who have false consciousness... Political debate become focused on the question of ‘correctness’ and the ‘correct line’. But how do we know (and how do they know) that the knowledge of those who know is correct? How can the knowers (party, intellectuals, or whatever) be said to transcend the conditions of their social time and place in such a way to have gained a privileged knowledge of historical movement. Perhaps even more important politically: if a distinction is made between those who know and those who do not, and if understanding or knowledge is seen as important in guiding the political struggle, then what is the organisational relation between the knowers and the others (the masses)? Are those in the know to lead and educate the masses (as in the concept of the vanguard party) or is a communist rev olution necessarily the work of the masses themselves (as ‘left communists’ such as Pannekoek maintained)? “…The notion of objective laws opens up a separation between structure and struggle. Whereas the notion of fetishism suggests that everything is struggle, that nothing exists separately from the antagonisms of social relations, the notion of ‘objective laws’ suggests a duality between an objective structural movement independent of people’s will, on the one hand, and the subjective struggles for a better world on the other.” *11
When Marxists say that a certain view, or suggested course of action, is “correct” they do not thereby ascribe the status of absolute, objective knowledge to this category – or at least they shouldn’t. All knowledge is provisional and subject to falsification. When discussing a course of action, “correct” usually is a short-hand for “the most appropriate in the situation”. On the other hand, when Marxists say things like “the invasion of Iraq is an example of imperialism” they are indeed suggesting the existence of a category in social reality which is knowable and revealed by theoretical abstraction. Holloway must agree that such a process is possible, otherwise he wouldn’t have written his book. Marxists do not claim they have “true consciousness” (whatever that might be) against the false consciousness of the masses. But they do claim that critical social theory is possible, and that this can develop concepts which help us to understand the development of capitalism and the struggle against it. Holloway’s suggestion that this is impossible, because Marxists are themselves products of particular times and social situations, is plainly ridiculous. Of course they are, and Marxism is the product of particular times and circumstances. Its concepts are provisional (not absolute knowledge) which provide a framework for understanding and acting on the world. This understanding is not absolute or “objective”, it is partial and fragmentary. Its criterion has to be whether it is useful for understanding the world and acting upon it. Its falsification has to be in practice and struggle. If we don’t have this attitude to revolutionary theory, then we abandon not just the terrain
of strategy and politics, but theory as well.
Holloway’s notion that we are all products of fetishisation and reification should not necessarily lead him to reject the notion of false consciousness; he could equally well say we all have false consciousness. There is a kernel of truth to that. It’s just that some people have a consciousness which is more false than others. That may sound like a joke, but if Holloway rejects it we really do get into ridiculous territory. Can John Holloway really say that the views of someone who is a racist and nationalist are as equally valid as those who are revolutionary internationalists? Marxist theory may be partial and conditional, but surely it approximates to an understanding of the world which is critical of the existing social order, and provides insights into its contradictions and the possibilities for changing it.
There are big dangers in Holloway’s view. By effectively rejecting the idea of false consciousness, he rejects the notion of ideology as something separate from (but linked to) reification and fetishism. Underestimating ideology leads to a lack of understanding of the ideological apparatuses of modern capitalism, which are massively powerful in generating and reiterating fetishised, pro-capitalist views. A possible consequence of this, logically, is a lack of understanding of the centrality of ideological struggle, of the necessity for a ceaseless fight – in propaganda and agitation as well as “theory” – against the “false” ideas pumped out by the pro-capitalist media (and academy) on a daily basis. This counter-struggle does not emerge spontaneously on any effective national basis. It has to be organised. This was something that Lenin was trying to say in a much-misrepresented text he wrote in 1902. But that’s another story.
Strategic conclusions: a world without left parties
John Holloway doesn’t have any strategic conclusions, and unapologetically. There is, he says, “no guarantee of a happy outcome”. Here, unfortunately, we can only agree. But unlike recent detractors of revolutionary parties, he doesn’t put up alternative organisations – social movements, NGOs – as competitors for the crown of the “modern prince”. He doesn’t deny the need for co-ordinations for particular purposes and struggles, or the need for political militants. However, he is not interested in new or alternative organisations. We should look at the movement not as organisation, but – inspired by the cycle of anti-capitalist demonstrations – as “a series of events”. And that’s it, full stop. Happily Holloway’s ideas, some of which are widespread, will not convince everybody. If by some unforseen accident they did, the consequences would be catastrophic. Disband the left organisations and parties and disband the trade unions. Forget elections and the fight over government. All that remains is the struggle of “power-to” against “power over”.
Not only will these ideas not become hegemonic on the left, it is structurally impossible for them to do so, as a moment’s thought will reveal. Imagine, in a party-less world, five or six friends in different parts of any country, involved in anti-war coalitions, get together and discuss politics. They find they agree on many things – not just war, but racism, poverty and capitalist power. They decide to hold regular meetings and invite others. Next, they produce a small newsletter to sell to comrades in the anti-war coalitions. In six months they discover a hundred people are coming to their meetings, and decide to hold a conference. In effect, they have formed a political party. And – obviously – if nobody else on the left forms an alternative, they’ll have hundreds of members in a year. Revolutionary parties cannot be done away with, not until the work they have to do is done away with as well. The sooner the better.
* Phil Hearse is editor of the British monthly “Socialist Resistance”.
1. John Holloway, “Change the World Without Taking Power; The Meaning of Revolution Today” (Pluto Press, 2002, page 11).
2. op. cit., p. 12
3. op cit., p. 13
4. op cit., p. 15
5. op cit., p. 153
6. op cit., p. 159
7. op cit., p. 156
8. op cit., p. 108
9. op cit., p. 156
10. op. cit., p. 118
11. op cit., p. 122
FI-press-l Fourth International Press List
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Review:
Change the World – Without Taking Power?
Change the World Without Taking Power, The Meaning of Revolution Today, John Holloway, Pluto Press 2002 (pbk).
Reviewed by Phil Hearse*
Discussing the ideas in this book is useful, not because John Holloway has legions of devoted followers, but because many of the ideas he advances about fundamental social change are widespread in the global justice movement and anti-war movement internationally.
The idea of refusing to take power was popularised recently by Subcommandante Marcos, leader of the Zapatistas. Like much of what the Subcommandante says, this was very ambiguous, because in any case the EZLN, representing indigenous people in a small corner of Mexico, cannot possibly take power – at least on its own. However, the basic idea of revolutionizing social relations without conquering power has been around a long time.
Although Holloway has some critical things to say about Tronti and Antonio Negri, intellectual parents of the Italian autonomia currents, his main arguments come directly from them: don’t confront the power of the bosses in the world of work, withdraw from it. Create autonomous spaces – autonomous from the bosses, autonomous from the capitalist state. Of course this means struggle, but not the elaborate apparatuses of political parties or taking state power. Some of the things that Holloway says in the course of his argument are very widespread in today’s radical movements; they go to the heart of revolutionary strategy, and explicitly Holloway’s main polemical target is revolutionary marxism. Reviewing a book like this means lengthy quotes so readers can judge the argument for themselves: but to anticipate, key Holloway arguments are:
1) Reformism and revolutionary marxism both have as their strategic objective capturing state or governmental power; but this is a trap, since the state is inevitably an authoritarian structure. (Bog standard anarchism, that one).
2) The state is not the locus of power; capitalist social relations are where power lies. Orthodox Marxists don’t see that the state is firmly embedded in capitalist social relations and that merely capturing it changes little, since authoritarian social relations remain in place.
3) Capitalist social relations can only be changed by alternative social practices that are generated by the oppressed themselves, in the course of resistance and struggle.
4) The theoretical basis of this argument is the category of (commodity) fetishism and its reproduction. Social relations are not a structure or a “thing”, but a relationship which is daily reproduced in the process of “fetishisation”. But this reproduction is not automatic and can be disrupted by alternative social practices of resistance.
5) The claim by Engels and others that Marxism is a “science” automatically generates an authoritarian practice; the oppressed are divided into those who “know” (the vanguard, the party) and those who have false consciousness (the masses). A manipulative and substitutionist practice automatically results from this idea. Even Lukacs and Gramsci couldn’t break out of this false problematic.
6) There are no guarantees of a happy ending; all that is possible is negative critique and resistance, and we shall see the outcome.
The State: “Assassin of Hope”
“What can we do to put an end to all the misery and exploitation?…There is an answer ready at hand. Do it through the state. Join a political party, help it to win governmental power, change the country in that way. Or, if you are more impatient, more angry, more doubtful about what can be achieved through parliamentary means, join a revolutionary organisation, help conquer state power by violent or non-violent means, and then use the revolutionary state to change society. “Change the world through the state: this is the paradigm that has dominated revolutionary thought for more than a century. The debate between Rosa Luxemburg and Eduard Bernstein a hundred years ago on ‘reform or revolution’ established the terms which were to dominate thinking about revolution for most of the 20th century…The intensity of the disagreements concealed a basic point of agreement: both approaches focus on the state as the vantage point from society can be changed…” *1
But this has been a trap, because:
“If the state paradigm was the vehicle of hope for much of the century, it became more and more an assassin of hope as the century progressed….For over a hundred years the revolutionary enthusiasm of young people has been channeled into building the party or into learning to shoot guns; for over a hundred years the dreams of those who wanted a world fit for humanity have been bureaucratised and militarised, all for the winning of state power by a government that could then be accused of ‘betraying’ the movement that put it there….Rather than look to so many betrayals as an explanation, perhaps we need to look at the very notion that society can be changed through winning state power.” *2
What theoretical error lies behind this trap?
“ [Revolutionary movements inspired by Marxism] have often had an instrumental view of the capitalist nature of the state. They have typically seen the state as being the instrument of the capitalist class. The notion of an ‘instrument’ implies the relation between the state and the capitalist class is an external one; like a hammer the state is wielded by the capitalist class in its own interests, while after the revolution it will be wielded by the working class in their interests. Such a view reproduces, unconsciously perhaps, the isolation or autonomisation of the state from its social environment, the critique of which is the starting point of revolutionary politics…this view fetishises the state: it abstracts from the web of power relations in which it is embedded…The mistake of the Marxist revolutionary movement has been, not to deny the capitalist nature of the state, but to misunderstand the degree of integration of the state into the networks of capitalist social re lations.” *3
This leads to disastrous consequences for the movement:
“What was something initially negative (the rejection of capitalism) is converted into something positive (institution building, power-building). The induction into the conquest of power inevitably becomes an induction into power itself. The initiates learn the language, logic and calculations of power; they learn to wield the categories of a social science which has been entirely shaped by its obsession with power.” *4
This far from exhausts Holloway’s line of reasoning about the state, and we go into subsidiary aspects below. However the critique of revolutionary marxism so far is very radical and raises many questions about the nature of capitalist society and how to change it. The following might be some initial points of reflection about Holloway’s case. First, Holloway knows, but does not emphasise, that revolutionary marxists do not fight to capture the capitalist state, but to smash it. For him, the state is the state is the state, an unchanging category within which strictly limited sets of social relations can exist. His critique reads as if Lenin’s The State and Revolution had never been written. But the marxist concept of revolution is not that the working class smashes the state and simply replaces it with a workers’ state, through which social change can be effected. Our concept of the workers, socialist, “state” is the democratic self-organisation of the masses, not the dictatorship of the party. Indeed we are not (or should not be) in favour of a monopoly by any one party.
Illogically, Holloway several times refers positively to the example of the Paris Commune. This of course was what inspired Lenin in State and Revolution. Lenin argues for the ‘Commune State’; that was the basis of his thinking on the subject. In this conception, social relations are changed, or begin to be changed, directly and immediately through the process of socialist revolution, not just through the change in the nature of the state, but in the changing social relations which accompany this process. In advanced capitalist countries at least, it is impossible to imagine the scale of social mobilization required to overwhelm the capitalist state, without at the same time – or in very short order – the popular masses seizing democratic control of the factories, offices and companies. Our concept of revolution is not simply “capturing” the state and wielding it in the interests of the masses – that is the (old) social democratic idea; our alternative is the masses smashing
the state in a huge social uprising and democratizing power, governing through their own institutions of power. Holloway’s argument about the state being “embedded” in capitalist social relations is correct as far as it goes, but is unidirectional. The state is not just buried in the web of capitalist social relations, it is essential for the functioning of capitalism. It is where much of the essential and strategic decision-making is centered. It is the crucial defence mechanism against social relations being fundamentally changed. Holloway’s argument is basically that if you have any kind of state, you have oppression and capitalism. It’s easy to see the illogicality of this argument. Let us change, for the sake of argument, the revolutionary marxist traditional phraseology. Let’s abandon the idea of a workers’ state, and say we want the direct administration of social affairs by the democratically organised masses. Naturally, they will have to elect recallable officials, have meetings in enterprises, offices and schools and vote on what to do. They may need some kind of national assembly and elected officials of that assembly to carry out executive functions. If all that is rejected, it is difficult to imagine how the basic functioning of society could be decided and effected. Strangely (or perhaps wisely from his viewpoint) Holloway just doesn’t discuss any element of post-revolutionary society, its decision-making or mechanisms of administration. Because, if you do discuss that, you end up talking a bout something that sounds very like some kind of state. This leads to a strange paradox in his argument which Holloway is blind to. For the sake of argument, let’s say that the Zapatista base communities are a good model of changed social relations and self-government. Let’s say we want to “Zapatistise” the whole of Mexico. But in Holloway’s schema you can’t – because you would build, in this process, a state – a “Zapatista state”. So you evacuate national (and international) terrains of struggle, concentrate on the local and the particular. Which can only lead to the capitalist class saying “thank you very much”.
The reproduction of capitalist social relations
Holloway invents his own phraseology to describe capitalist social relations. Capitalist power is “power over” which confronts “power to”, and subjugates the “social flow of doing”. This needn’t bother us too much, because “power over” turns out to be “the power of the done”, ie the power of accumulated capital against the creativity of living labour. “Power to”, sometimes described as “anti-power”, can confront “power over”. “It is the movement of power-to, the struggle to emancipate human potential, that provides the perspective of breaking the circle of domination. It is only through the practice of emancipation, of power-to, that power-over can be overcome (my emphasis PH). Work, then, remains central to any discussion of revolution, but only if the starting point of that is not labour, not fetishised work, but rather work as doing, as the creativity or power-to that exists as, but also against-and-beyond labour.” *5 This can take place within the following perspective:- “In the process of struggle-against, relations are formed which are not the mirror image of the relations of power against which the struggle is directed: relations of comradeship, of solidarity, of love, relations which prefigure the sort of society we are struggling for….[The struggle against capitalism] and the struggle for emancipation cannot be separated, even when those in struggle are not conscious of the link. The most liberating struggles, however, are surely those in which the two are consciously linked, as in those struggles which are consciously prefigurative, in which the struggle aims, in its forms, not to reproduce the structures and practices of that which it struggles against, but rather to create the sort of social relations which are desired.” *6 In this context Holloway mentions, for example, factory occupations which are not just acts of resistance, but in which production is continued under workers control, for socially desirable ends. But Holloway contests what he sees as the narrowness of the left’s view of what is “political” and what is the exercise of “anti-power”:- “Anti-power is in the dignity of everyday existence. Anti-power is in the relations we form all the time, relations of love, friendship, comradeship, community, cooperation. Obviously such relations are traversed by power because of the nature of the society in which we live, yet the element of love, friendship, comradeship, lies in the constant struggle we wage against power, to establish those relations on the basis of mutual recognition, the mutual recognition of one another’s dignity… To think of opposition to capitalism only in terms of overt militancy is to see only the smoke rising from the volcano. Dignity (anti-power) exists wherever humans live. Oppression implies the opposite, the struggle to live as humans. In all that we live every day, illness, the educational system, sex, children, friendship, poverty, whatever, there is the struggle to do things with dignity, to do things right.” *7 A lot could be said about these ideas. Holloway is surely right in seeing a constant resentment against the effects of capitalism, a constant struggle against the effects of capitalist power in small as well as big things, and a constant struggle among large sections of the oppressed to create relations of mutual support with friends, family and workmates. But that’s just one side of it. Lots of pettiness, meanness, jealousy, competition, violence, racism, sexism, criminality which targets other sections of the oppressed etc exists among the oppressed as well. The precise balance we can discuss. The issue, the strategic question, is whether alternative (stable and permanent) social relations can be generated by alternative daily practices of resistance. Holloway attempts to justify his view that they can by his adroit theoretical move on the question of fetishisation. According to him fetishised social relations are a process and not a structure:- “The understanding of fetishisation as a process is key to thinking about changing the world without taking power. If we abandon fetishisation-as-process, we abandon revolution as self-emancipation. The understanding of fetishism as hard fetishism can lead to an understanding of revolution as changing the world on behalf of the oppressed, and this inevitably means a focus on taking power. Taking power is a political goal that makes sense of the idea of taking power ‘on behalf of’: a revolution which is not ‘on behalf of’ but self-moving has no need to even think of ‘taking power’.” *8 At the root of this argument is a giant non-sequitur. The premise of fetishisation-as-process doesn’t lead to the strategic conclusions that Holloway asserts. Let’s look at the argument in more detail. First, are fetishised social relations a structure or a process? Capitalist social relations have to be constantly reproduced and to that extent they are certainly a process. But they also pre-exist; they have been definitely constituted and are not subject to daily disruption and collapse (which is why Holloway’s notion of the permanent crisis and instability of capitalism is wrong – see below). Every time workers turn up for work, the social relations of capitalist exploitation do not have to be re-made or re-invented; of course they are reproduced, if you want they are reiterated – but that is the normal process of capitalist reproduction. Looked at from the reverse angle, capitalist social relations are not daily challenged, threatened or put in question. That only begins to happen at times of acute political crisis, of revolutionary or pre-revolutionary upsurge. Because he lacks any notion of the political, Holloway must remain literally speechless in front of such event s. But it is these moments of crisis that the issue of “power” is put on the table. What would Holloway have said, for example, to the revolutionary workers in Catalonia in 1936-7? Create alternative social relations, on a non-capitalist basis? But that is exactly what they did start to do, as anyone with a passing familiarity with those events will know. Firms were collectivised, land was seized by the peasants, the basis of an alternative, popular system of administration based on the committees and collectives could be seen in outline. Ditto in Chile 1971-3. Ditto in Portugal 1974-5, and many other examples could be quoted. But what happened? In each of those cases the revolutionary mass “vanguard”’ was unable to seize or consolidate national political (state) power, and they were defeated, isolated, crushed – in Spain and Chile with terrifying and bloody consequences. By abandoning the terrain of the political and the strategic, Holloway’s ideas leave the decisive arena of s truggle to capitalist or pro-capitalist forces who will inevitably occupy it, preventing revolutionary change. Now I’m going to parade some evidence strongly in favour of Holloway’s position and against what has been said above. A recent article in the London Observer gave a fascinating insight into the struggles in the poor barrios of Caracas, focus of the Bolivarian “revolution” in Hugo Chavez’s Venezuela. Local people are taking over the running of their own lives on a gigantic scale. Water and electricity, schools, food aid for the poorest – every aspect of local administration is being taken over by the people themselves. One local activist is quoted as saying “We don’t want a government – we want to be the government”. Surely this kind of activity is exactly what Holloway is talking about? The statement by the local activist encapsulates an entirely positive and progressive attitude, a revolutionary attitude, to capitalism and the capitalist state. But then how can “we”, the people, the poor, the excluded, “be the government”. That’s the crux of the matter. Anyone who says to these activists “do exactly what you are doing, period” is doing them a big disservice. Their ability to begin to change social relations at a local level depends on the national political process, the whole “Bolivarian” process and the existence of the Chavez government. If Chavez is brought down by local reaction and American imperialism, these local experiments in people’s power will be crushed. That’s the weakness of not integrating local process of power-changing with the national struggle for an alternative national state.
The article referred to above has interesting hints of conflict between the Bolivarian committees and some local activists, with the latter expressing resentment at local “politicos” trying to intrude on their struggles. Such conflicts – which also occurred in Argentina – are a normal and inevitable part of revolutionary change. They are in reality a debate over perspectives. And it’s natural that for some activists the whole huge project of changing the government and the state sometimes seems abstract and utopian, contrasted with the eminently practical tasks of solving people’s needs here and now. Such attitudes are reinforced by the real manipulative and bureaucratic practices found in some organisations of the revolutionary and not-so-revolutionary left. But in the end they are wrong and self-defeating. In accepting that social relations can be directly transformed simply by the social practices of the oppressed, Holloway abandons the terrain of strategy, and indeed of politics altogether. Marxists are bound to say to him that revolutionaries must, in one sense, be “initiates” in power, learning the tricks and tactics of the very sordid business of politics. There are indeed negative consequences from this. It would be very nice indeed to proceed straight to alternative social relations without going through all this disgusting, murky business of building parties and fighting for power. As Ernest Mandel would have said, this is unfortunately impossible in “this wicked world of ours”. Holloway’s pure naivety on this is revealed in a very interesting section on the struggles of “anti-power”:-
“Look at the world around us, look beyond the newspapers, beyond the institutions of the labour movement and you can see a world of struggle: the autonomous municipalities in Chiapas, the students at the Universidad Nacional Autónoma de Mexico, the Liverpool dockers, the wave of international demonstrations against the power of money capital, the struggle of migrant workers…There is a whole world of struggle that does not aim at winning power, a whole world of struggle against power-over…There is a whole world of struggle that…develops forms of self-determination and develops an alternative conceptions of how the world should be.” *9
Well, true, sort of. But if we scratch the surface of the three particular struggles Holloway mentions, then we get a slightly different story. First, the Liverpool dockers. A struggle by a smallish group of workers, which was internationalized in an exemplary way, with solidarity actions from dockers and seafarers on several continents. Behind the scenes, however, several British Marxist organisations devoted considerable time and energy to building that struggle and creating the international links. That struggle would not have proceeded in the way it did without that intervention. Holloway doesn’t know the facts perhaps, but I can give him the names and phone numbers of key revolutionary full-timers involved. Second, the UNAM students’ one-year struggle against the imposition of student fees (1998-9). John Holloway should know more about that because much of his time is spent in Mexico. That struggle was led (I would say in some ways mis-led) by a coalition of rather ultra-left Marxist groups. For better or worse, they were able to rely on the support of up to five or six thousand of the most determined strikers, who could lead the others. It was not a struggle without political leadership; that leadership does indeed want to gain power, but given their ultra-left semi-Stalinist character, have no chance of succeeding – anyway, let’s hope so. Finally, what about the Holloway’s key inspiration, the Zapatistas? The autonomous village assemblies are indeed exemplary, but what are they autonomous from exactly? Not political organisation and leadership, for absolute certainty. The Zapatista movement has three wings: the EZLN, the armed fighters; the base communities in the highland villages; and the Frente Zapatista, the FZLN, the nationwide support organisation. Leading all three politically is the Clandestine Indigenous Revolutionary Committee, precise membership unknown (ie it is clandestine), with a key figure being Subcommandante Marcos. This is the leadership of a political organisation, which is in effect an ersatz political party, the denials of the Subcommandante and his followers notwithstanding. You can be absolutely sure that if the base communities are debating an important question, it will have first been discussed in the clandestine leadership based in the selva. Village democracy is not exactly spontan eous. Equally, the FZLN do not do a single thing without it being authorised by the Subcommandante personally. The democracy of the FZLN is not exactly transparent. If it has not become a nationwide party it is partly because Marcos did not want it to escape his control.
Marxism, science, consciousness
To anticipate a little, John Holloway’s case against the idea that Marxism is some kind of science consists of the following key points.
1) Marxists after Engels have held the view that science in general and Marxism in particular seeks objective knowledge of the real world. Revolutionary theory by contrast is critical and negative; objective knowledge is impossible.
2) Engels and subsequent Marxist made Marxism a teleology – ie history is a process with an inevitable outcome, socialism. This downplays and eliminates the role of struggle.
3) By seeing the party (or the proletarian vanguard) as possessing knowledge which the masses do not posses, orthodox Marxists set up an authoritarian and manipulative relationship between the party and the masses. The category of false consciousness must be rejected, we are all victims of fetishization, Marxist militants included. Gramsci’s notion of hegemony is thus wrong.
4) By posing an end-point or goal for the struggle (ie socialism or communism), orthodox Marxists inevitably attempt to “channel” and direct the struggles of the masses towards their preconceived ends. The notion of revolutionary rupture is imposed on the struggle from “the outside”.
To answer all these points in detail would take a long book, but the main answer which revolutionary marxists should give to this charge sheet is “not guilty”. However, some of the individual points contain an element of truth, in particular in relation to the Marxism of the Second International, and the “Marxism” of Stalinism internationally. But many of the views ascribed to revolutionary marxism by Holloway are just not held by most people in the movement who think about these things. Is Marxism a science? Does science provide objective knowledge of the world? Is such knowledge possible? Before giving some provisional answer to those questions, it should be said that Holloway’s own answer to them – a bowdlerization of ideas from the Frankfurt School – cannot be accepted:
“The concept of fetishism implies a negative concept of science…The concept of fetishism implies therefore that there is a radical distinction between ‘bourgeois’ science and critical or revolutionary science. The former assumes the permanence of capitalist social relations and takes identity for granted, treating contradiction as a mark of logical inconsistency. Science in this view is an attempt to understand reality. In the latter case, science can only be negative, a critique of the untruth of existing reality. The aim is not to understand reality, but to understand (and, by understanding, to intensify) its contradictions as part of the struggle to change the world. The more all-pervasive we understand reification to be, the more absolutely negative science becomes. If everything is permeated by reification, then absolutely everything is a site of struggle between the imposition of the rupture of doing and the critical-practical struggle for recuperation of doing. No cate gory is neutral.” *10
A first thing which is obvious about this passage is the idea that science which wants to understand the world can’t tolerate contradiction, because this is a sign of logical inconsistency. Any Marxist will tell you that our view is that contradiction in reality (not just thought) is a fundamental epistemological proposition of any real science. In general Holloway’s arguments pose completely false alternatives. One reading of it could postulate an absolute break between “revolutionary” science and “bourgeois” science; the worst consequences of that idea were the bizarre products of the Soviet academy. If followed logically, Holloway’s idea of science would lead to a rejection of Nils Bohr or Albert Einstein on the grounds that their insights into wave and particle theory, or relativity, were not part of the struggle to change the world.
Most Marxists would argue that science has to be critical and “dialectical” to produce knowledge, attempting to understand the contradictions in reality, social as well as physical. This “dialectical” approach has been massively aided by the advent of chaos theory, which has struck a tremendous blow against the false dichotomies which bourgeois philosophy opened up between determinism and indeterminism. Chaos theory has shown that events can be determined, ie have causes which can be established, but also have indeterminate, unpredictable outcomes. Far from being a rejection of dialectical thought, this insight is a confirmation of it, or rather a deepening of it. (An extended discussion of these themes can be found in Daniel Bensaid’s book Marx for Our Times). But it is true that the insights of chaos theory are incompatible with the view of scientific predictability advanced by Engels in his famous “parallelogram of forces”. A number of consequences for our ideas about science follow. To say that science can produce knowledge of the real world is not the same thing as saying that the outcomes of all events can be predicted, not because we lack sufficient knowledge about causes, but by definition. Chaos theory has shown the limits of prediction, but they are not absolute. The range of possible outcomes of many physical and social processes can be known and predicted in advance. If this was not so, all science would be useless. We could never build a bridge, invent a new medicine or walk down the street. John Holloway establishes a false polarity between positive and negative science, between knowledge and critique. It is possible to produce real knowledge of the world without that being part of the revolutionary struggle. It is also possible to produce real knowledge of social processes, without that leading to the view that social reality is governed by impermeable “objective laws” with an inevitable outcome. Thus, few Marxists today would argue that socialism is “inevitable”, that history has a preconceived end or outcome. Socialism is an objective, a goal we fight for, it is the product of theoretical reflection. But not just that. That theoretical reflection is itself a reflection of contradictions in reality, ie the class struggle in capitalist society. To misquote Marx, theory tends towards reality and (hopefully) reality towards theory.
John Holloway claims Marxists think they possess objective knowledge that the masses do not:
“The notion of Marxism as science implies a distinction between those who know and those who do not know, a distinction between those who have true consciousness and those who have false consciousness... Political debate become focused on the question of ‘correctness’ and the ‘correct line’. But how do we know (and how do they know) that the knowledge of those who know is correct? How can the knowers (party, intellectuals, or whatever) be said to transcend the conditions of their social time and place in such a way to have gained a privileged knowledge of historical movement. Perhaps even more important politically: if a distinction is made between those who know and those who do not, and if understanding or knowledge is seen as important in guiding the political struggle, then what is the organisational relation between the knowers and the others (the masses)? Are those in the know to lead and educate the masses (as in the concept of the vanguard party) or is a communist rev olution necessarily the work of the masses themselves (as ‘left communists’ such as Pannekoek maintained)? “…The notion of objective laws opens up a separation between structure and struggle. Whereas the notion of fetishism suggests that everything is struggle, that nothing exists separately from the antagonisms of social relations, the notion of ‘objective laws’ suggests a duality between an objective structural movement independent of people’s will, on the one hand, and the subjective struggles for a better world on the other.” *11
When Marxists say that a certain view, or suggested course of action, is “correct” they do not thereby ascribe the status of absolute, objective knowledge to this category – or at least they shouldn’t. All knowledge is provisional and subject to falsification. When discussing a course of action, “correct” usually is a short-hand for “the most appropriate in the situation”. On the other hand, when Marxists say things like “the invasion of Iraq is an example of imperialism” they are indeed suggesting the existence of a category in social reality which is knowable and revealed by theoretical abstraction. Holloway must agree that such a process is possible, otherwise he wouldn’t have written his book. Marxists do not claim they have “true consciousness” (whatever that might be) against the false consciousness of the masses. But they do claim that critical social theory is possible, and that this can develop concepts which help us to understand the development of capitalism and the struggle against it. Holloway’s suggestion that this is impossible, because Marxists are themselves products of particular times and social situations, is plainly ridiculous. Of course they are, and Marxism is the product of particular times and circumstances. Its concepts are provisional (not absolute knowledge) which provide a framework for understanding and acting on the world. This understanding is not absolute or “objective”, it is partial and fragmentary. Its criterion has to be whether it is useful for understanding the world and acting upon it. Its falsification has to be in practice and struggle. If we don’t have this attitude to revolutionary theory, then we abandon not just the terrain
of strategy and politics, but theory as well.
Holloway’s notion that we are all products of fetishisation and reification should not necessarily lead him to reject the notion of false consciousness; he could equally well say we all have false consciousness. There is a kernel of truth to that. It’s just that some people have a consciousness which is more false than others. That may sound like a joke, but if Holloway rejects it we really do get into ridiculous territory. Can John Holloway really say that the views of someone who is a racist and nationalist are as equally valid as those who are revolutionary internationalists? Marxist theory may be partial and conditional, but surely it approximates to an understanding of the world which is critical of the existing social order, and provides insights into its contradictions and the possibilities for changing it.
There are big dangers in Holloway’s view. By effectively rejecting the idea of false consciousness, he rejects the notion of ideology as something separate from (but linked to) reification and fetishism. Underestimating ideology leads to a lack of understanding of the ideological apparatuses of modern capitalism, which are massively powerful in generating and reiterating fetishised, pro-capitalist views. A possible consequence of this, logically, is a lack of understanding of the centrality of ideological struggle, of the necessity for a ceaseless fight – in propaganda and agitation as well as “theory” – against the “false” ideas pumped out by the pro-capitalist media (and academy) on a daily basis. This counter-struggle does not emerge spontaneously on any effective national basis. It has to be organised. This was something that Lenin was trying to say in a much-misrepresented text he wrote in 1902. But that’s another story.
Strategic conclusions: a world without left parties
John Holloway doesn’t have any strategic conclusions, and unapologetically. There is, he says, “no guarantee of a happy outcome”. Here, unfortunately, we can only agree. But unlike recent detractors of revolutionary parties, he doesn’t put up alternative organisations – social movements, NGOs – as competitors for the crown of the “modern prince”. He doesn’t deny the need for co-ordinations for particular purposes and struggles, or the need for political militants. However, he is not interested in new or alternative organisations. We should look at the movement not as organisation, but – inspired by the cycle of anti-capitalist demonstrations – as “a series of events”. And that’s it, full stop. Happily Holloway’s ideas, some of which are widespread, will not convince everybody. If by some unforseen accident they did, the consequences would be catastrophic. Disband the left organisations and parties and disband the trade unions. Forget elections and the fight over government. All that remains is the struggle of “power-to” against “power over”.
Not only will these ideas not become hegemonic on the left, it is structurally impossible for them to do so, as a moment’s thought will reveal. Imagine, in a party-less world, five or six friends in different parts of any country, involved in anti-war coalitions, get together and discuss politics. They find they agree on many things – not just war, but racism, poverty and capitalist power. They decide to hold regular meetings and invite others. Next, they produce a small newsletter to sell to comrades in the anti-war coalitions. In six months they discover a hundred people are coming to their meetings, and decide to hold a conference. In effect, they have formed a political party. And – obviously – if nobody else on the left forms an alternative, they’ll have hundreds of members in a year. Revolutionary parties cannot be done away with, not until the work they have to do is done away with as well. The sooner the better.
* Phil Hearse is editor of the British monthly “Socialist Resistance”.
1. John Holloway, “Change the World Without Taking Power; The Meaning of Revolution Today” (Pluto Press, 2002, page 11).
2. op. cit., p. 12
3. op cit., p. 13
4. op cit., p. 15
5. op cit., p. 153
6. op cit., p. 159
7. op cit., p. 156
8. op cit., p. 108
9. op cit., p. 156
10. op. cit., p. 118
11. op cit., p. 122
quinta-feira, dezembro 4
Tanto Ódio Contra Os Estudantes
Público, sábado, 29 de Novembro
As greves e as manifestações dos estudantes agiram como um revelador de algumas das características mais profundas da sociedade portuguesa neste perturbante começo de século. Por um lado, o governo consolidou a ameaça que tem norteado a sua política: transformar o país num imenso mercado sem direitos sociais - e convocou para o apoiar todos os liberais que vêem na actual recessão a oportunidade para ajustes de contas com o futuro. Por outro lado, a irritação dos jovens demonstrou que, para além do discurso etéreo das televisões sobre o país imaginado que se encena na telenovela judiciária, existe uma política confrontada com as escolhas sociais que nos vão mudando. E que um governo que não teve nunca o encanto do estado de graça perde agora a tranquilidade do estado de anestesia.
Mas a violenta campanha de imprensa contra os estudantes provou algo mais. Repare-se no regresso da obsessão com a "geração rasca", agora sob a forma da invenção de uma "geração betinha", em que se procura confundir a praxe (o must da direita cultural que procura criar uma identidade tribal e elitista dos jovens) com as manifestações (que procuram pelo contrário afirmar a universalidade dos direitos de quem quer estudar), inventando um mundo de privilégio que seria alegremente compartilhado pelas centenas de milhar de estudantes do ensino superior. Os editores, directores, mandantes e mandatários juntaram-se à uma para invectivar esses estudantes, numa rara unanimidade bem-pensante. Vejo tudo isso com curiosidade, embora lhes desse mais crédito se cada um, em coerência com a sua radicalidade pagante de hoje, se dirigisse para as secretarias das faculdades onde fez o curso, e onde então pagou cem escudos por mês, para acertar agora os mais de cinco mil contos que, a preços actuais, o Estado terá gasto no seu curso superior. Faz o que eu digo, não faças o que eu faço?
Só que o ódio aos estudantes não responde apenas à manifestação de 5 de Novembro, por mais imponente que esta tenha sido. Tem um outro sentido mais fundamental, e nisso os juízes são implacáveis: os estudantes devem ser derrotados porque o ensino deve ser pago, ponto final.
Há duas razões essenciais para fazer pagar o ensino, dizem. A primeira não pode ser levada muito a sério: é o argumento de que a propina é um instrumento de justiça social, ou os ricos que paguem a crise. Mas esse argumento é incompatível com uma propina plana, e exigiria um pagamento diferenciado segundo o contribuinte, o que não só não se aplica como seria inaplicável. Se assim fosse, teríamos a curiosa situação de pagarem menos os familiares de um empresário da construção civil que compra jogadores de futebol e que não declara IRS do que os familiares de um dos seus operários. E teríamos que nos lembrar que na Alemanha não há propinas e ainda que na Dinamarca, onde também não há propinas, o gasto percentual com acção social escolar é quatro vezes o português.
A segunda razão é mais relevante. É o argumento de Fátima Bonifácio, baseada nos velhos apóstolos liberais autoritários, como Burke, o inimigo fanático da Revolução Francesa: como nem todos podem nem devem chegar à universidade, faça-se a diferenciação pelo preço. É mesmo, creio, uma grande diferença entre a esquerda e a direita no século XXI. Para a direita, todos os bens sociais devem ser mercantilizados, por uma questão de eficiência na gestão de recursos e, sobretudo, para assegurar o alargamento do processo de rentabilização dos capitais. Para a esquerda, pelo contrário, há bens que têm custo mas não devem ter preço - e os progressos da civilização ao longo da segunda metade do século passado afirmaram precisamente essa ampliação do espaço público de bens sociais. A razão para as propinas é, para a direita, que é mais eficiente socialmente fazer pagar o ensino, porque assim lá chegará quem compra esse direito; para a esquerda, a razão para a gratuitidade do ensino é simplesmente que não se trata de uma mercadoria mas de um direito igualizante, e que a diferenciação não pode ocorrer no acesso mas somente no mérito no uso do direito. Da direita resultará um ensino de elite, da esquerda resultará um ensino aberto e portanto com mais sucesso.
Veja-se um exemplo da razão desta diferença. O argumento liberal-autoritário é que eu não tenho que pagar a educação dos filhos dos outros, cada um paga a dos seus. Mutatis mutandis, isto aplica-se do mesmo modo à saúde. Porque é que alguém há-de pagar com os seus impostos os cuidados com um doente oncológico ou com SIDA que não seja da sua família? A doença atinge diferenciadamente as pessoas, e portanto os custos de uso do sistema de saúde são desigualitários: por isso, se o doente pagar pelo egoísmo de ter uma doença que eu não tenho, o liberal-autoritário dirá que é feita justiça. Pelo contrário, escrevo eu, quando todos pagamos o sistema, estamos a garantir um acesso indiferenciado a um bem de que nem todos vão precisar, e somos mais democráticos porque mais igualitários no esforço contra a doença. E aceitamos isso como uma prova de civilização: ao retirar a saúde do mercado, apesar do seu custo, distribuímos um bem sem preço com o critério simples de responder a quem dele precisa.
Há um sentido democrático profundo nesta desmercantilização da saúde, que é a criação de uma contrapartida de direito aos bens que são pagos pelos impostos, que são justamente o preço da nossa responsabilidade social. O mesmo se deve aplicar à educação: nenhum outro critério de selecção deve afastar um jovem de uma qualificação e aprendizagem, que não seja a sua própria capacidade de aprender. Ora, pelo contrário, o novo imposto que é a propina exclui em vez de incluir, porque agrava esse custo já elevado, em tempo de não-trabalho, em quartos alugados, em deslocações, em livros, que é o preço actual do ensino. Desse modo, dificultando o acesso de muitos ao ensino, atrasa todo o país no acesso ao conhecimento.
O elitismo mercantil defende-se ainda com a fanatização do argumento: a arregimentação do campo do poder no confronto político corresponde a uma militarização discursiva sem tréguas, em que não pode haver alternativas nem soluções, só cadáveres. O poder absoluto é arrogantemente absoluto, e quando o país é governado pela coligação da direita e da extrema-direita, não nos podemos surpreender que as manifestações estudantis ou as greves sindicais sejam tratadas com a mesma agressividade com que directores dos jornais defenderam a necessidade de ocupar o Iraque para acabar com as armas de destruição massiva.
PS - Do alto da sua imensa autoridade editorial, José Manuel Fernandes já me tinha fulminado: o meu apoio à manifestação dos estudantes foi uma "palhaçada". Vem depois Fátima Bonifácio agravar a excomunhão: a minha posição contra as propinas é "repugnante". Confesso-me culpado. Cometo o crime sinistro de não compartilhar a posição elegante da coligação dos liberais com os mais autoritários ajudantes do governo. Mas saúdo os meus algozes, pois se descem ao nível do insulto por delito de opinião é certamente porque lhes falta aquele mínimo de confiança que lhes permitiria argumentar as suas razões. É mais fácil disparar um adjectivo tremendo do que discutir a opinião contrária.
Público, sábado, 29 de Novembro
As greves e as manifestações dos estudantes agiram como um revelador de algumas das características mais profundas da sociedade portuguesa neste perturbante começo de século. Por um lado, o governo consolidou a ameaça que tem norteado a sua política: transformar o país num imenso mercado sem direitos sociais - e convocou para o apoiar todos os liberais que vêem na actual recessão a oportunidade para ajustes de contas com o futuro. Por outro lado, a irritação dos jovens demonstrou que, para além do discurso etéreo das televisões sobre o país imaginado que se encena na telenovela judiciária, existe uma política confrontada com as escolhas sociais que nos vão mudando. E que um governo que não teve nunca o encanto do estado de graça perde agora a tranquilidade do estado de anestesia.
Mas a violenta campanha de imprensa contra os estudantes provou algo mais. Repare-se no regresso da obsessão com a "geração rasca", agora sob a forma da invenção de uma "geração betinha", em que se procura confundir a praxe (o must da direita cultural que procura criar uma identidade tribal e elitista dos jovens) com as manifestações (que procuram pelo contrário afirmar a universalidade dos direitos de quem quer estudar), inventando um mundo de privilégio que seria alegremente compartilhado pelas centenas de milhar de estudantes do ensino superior. Os editores, directores, mandantes e mandatários juntaram-se à uma para invectivar esses estudantes, numa rara unanimidade bem-pensante. Vejo tudo isso com curiosidade, embora lhes desse mais crédito se cada um, em coerência com a sua radicalidade pagante de hoje, se dirigisse para as secretarias das faculdades onde fez o curso, e onde então pagou cem escudos por mês, para acertar agora os mais de cinco mil contos que, a preços actuais, o Estado terá gasto no seu curso superior. Faz o que eu digo, não faças o que eu faço?
Só que o ódio aos estudantes não responde apenas à manifestação de 5 de Novembro, por mais imponente que esta tenha sido. Tem um outro sentido mais fundamental, e nisso os juízes são implacáveis: os estudantes devem ser derrotados porque o ensino deve ser pago, ponto final.
Há duas razões essenciais para fazer pagar o ensino, dizem. A primeira não pode ser levada muito a sério: é o argumento de que a propina é um instrumento de justiça social, ou os ricos que paguem a crise. Mas esse argumento é incompatível com uma propina plana, e exigiria um pagamento diferenciado segundo o contribuinte, o que não só não se aplica como seria inaplicável. Se assim fosse, teríamos a curiosa situação de pagarem menos os familiares de um empresário da construção civil que compra jogadores de futebol e que não declara IRS do que os familiares de um dos seus operários. E teríamos que nos lembrar que na Alemanha não há propinas e ainda que na Dinamarca, onde também não há propinas, o gasto percentual com acção social escolar é quatro vezes o português.
A segunda razão é mais relevante. É o argumento de Fátima Bonifácio, baseada nos velhos apóstolos liberais autoritários, como Burke, o inimigo fanático da Revolução Francesa: como nem todos podem nem devem chegar à universidade, faça-se a diferenciação pelo preço. É mesmo, creio, uma grande diferença entre a esquerda e a direita no século XXI. Para a direita, todos os bens sociais devem ser mercantilizados, por uma questão de eficiência na gestão de recursos e, sobretudo, para assegurar o alargamento do processo de rentabilização dos capitais. Para a esquerda, pelo contrário, há bens que têm custo mas não devem ter preço - e os progressos da civilização ao longo da segunda metade do século passado afirmaram precisamente essa ampliação do espaço público de bens sociais. A razão para as propinas é, para a direita, que é mais eficiente socialmente fazer pagar o ensino, porque assim lá chegará quem compra esse direito; para a esquerda, a razão para a gratuitidade do ensino é simplesmente que não se trata de uma mercadoria mas de um direito igualizante, e que a diferenciação não pode ocorrer no acesso mas somente no mérito no uso do direito. Da direita resultará um ensino de elite, da esquerda resultará um ensino aberto e portanto com mais sucesso.
Veja-se um exemplo da razão desta diferença. O argumento liberal-autoritário é que eu não tenho que pagar a educação dos filhos dos outros, cada um paga a dos seus. Mutatis mutandis, isto aplica-se do mesmo modo à saúde. Porque é que alguém há-de pagar com os seus impostos os cuidados com um doente oncológico ou com SIDA que não seja da sua família? A doença atinge diferenciadamente as pessoas, e portanto os custos de uso do sistema de saúde são desigualitários: por isso, se o doente pagar pelo egoísmo de ter uma doença que eu não tenho, o liberal-autoritário dirá que é feita justiça. Pelo contrário, escrevo eu, quando todos pagamos o sistema, estamos a garantir um acesso indiferenciado a um bem de que nem todos vão precisar, e somos mais democráticos porque mais igualitários no esforço contra a doença. E aceitamos isso como uma prova de civilização: ao retirar a saúde do mercado, apesar do seu custo, distribuímos um bem sem preço com o critério simples de responder a quem dele precisa.
Há um sentido democrático profundo nesta desmercantilização da saúde, que é a criação de uma contrapartida de direito aos bens que são pagos pelos impostos, que são justamente o preço da nossa responsabilidade social. O mesmo se deve aplicar à educação: nenhum outro critério de selecção deve afastar um jovem de uma qualificação e aprendizagem, que não seja a sua própria capacidade de aprender. Ora, pelo contrário, o novo imposto que é a propina exclui em vez de incluir, porque agrava esse custo já elevado, em tempo de não-trabalho, em quartos alugados, em deslocações, em livros, que é o preço actual do ensino. Desse modo, dificultando o acesso de muitos ao ensino, atrasa todo o país no acesso ao conhecimento.
O elitismo mercantil defende-se ainda com a fanatização do argumento: a arregimentação do campo do poder no confronto político corresponde a uma militarização discursiva sem tréguas, em que não pode haver alternativas nem soluções, só cadáveres. O poder absoluto é arrogantemente absoluto, e quando o país é governado pela coligação da direita e da extrema-direita, não nos podemos surpreender que as manifestações estudantis ou as greves sindicais sejam tratadas com a mesma agressividade com que directores dos jornais defenderam a necessidade de ocupar o Iraque para acabar com as armas de destruição massiva.
PS - Do alto da sua imensa autoridade editorial, José Manuel Fernandes já me tinha fulminado: o meu apoio à manifestação dos estudantes foi uma "palhaçada". Vem depois Fátima Bonifácio agravar a excomunhão: a minha posição contra as propinas é "repugnante". Confesso-me culpado. Cometo o crime sinistro de não compartilhar a posição elegante da coligação dos liberais com os mais autoritários ajudantes do governo. Mas saúdo os meus algozes, pois se descem ao nível do insulto por delito de opinião é certamente porque lhes falta aquele mínimo de confiança que lhes permitiria argumentar as suas razões. É mais fácil disparar um adjectivo tremendo do que discutir a opinião contrária.
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