sexta-feira, fevereiro 22


SEDES
TOMADA DE POSIÇÃO - FEVEREIRO 2008



1) UM DIFUSO MAL ESTAR
Sente-se hoje na sociedade portuguesa um mal estar difuso, que alastra e mina a confiança essencial à coesão nacional.

Nem todas as causas desse sentimento são exclusivamente portuguesas, na medida em que reflectem tendências culturais do espaço civilizacional em que nos inserimos. Mas uma boa parte são questões internas à nossa sociedade e às nossas circunstâncias. Não podemos, por isso, ceder à resignação sem recusarmos a liberdade com que assumimos a responsabilidade pelo nosso destino.

Assumindo o dever cívico decorrente de uma ética da responsabilidade, a SEDES entende ser oportuno chamar a atenção para os sinais de degradação da qualidade da vida cívica que, não constituindo um fenómeno inteiramente novo, estão por detrás do referido mal estar.


2) DEGRADAÇÃO DA CONFIANÇA NO SISTEMA POLÍTICO

Ao nível político, tem-se acentuado a degradação da confiança dos cidadãos nos representantes partidários, praticamente generalizada a todo o espectro político.

É uma situação preocupante para quem acredita que a democracia representativa é o regime que melhor assegura o bem comum de sociedades desenvolvidas. O seu eventual fracasso, com o estreitamento do papel da mediação partidária, criará um vácuo propício ao acirrar das emoções mais primárias em detrimento da razão e à consequente emergência de derivas populistas, caciquistas, personalistas, etc.

Importa, por isso, perseverar na defesa da democracia representativa e das suas instituições. E desde logo, dos partidos políticos, pilares do eficaz funcionamento de uma democracia representativa. Mas há três condições para que estes possam cumprir adequadamente o seu papel.

Têm, por um lado, de ser capazes de mobilizar os talentos da sociedade para uma elite de serviço; por outro lado, a sua presença não pode ser dominadora a ponto de asfixiar a sociedade e o Estado, coarctando a necessária e vivificante diversidade e o dinamismo criativo; finalmente, não devem ser um objectivo em si mesmos...

É por isso preocupante ver o afunilamento da qualidade dos partidos, seja pela dificuldade em atrair e reter os cidadãos mais qualificados, seja por critérios de selecção, cada vez mais favoráveis à gestão de interesses do que à promoção da qualidade cívica. E é também preocupante assistir à tentacular expansão da influência partidária – quer na ocupação do Estado, quer na articulação com interesses da economia privada – muito para além do que deve ser o seu espaço natural.

Estas tendências são factores de empobrecimento do regime político e da qualidade da vida cívica. O que, em última instância, não deixará de se reflectir na qualidade de vida dos portugueses.


3) VALORES, JUSTIÇA E COMUNICAÇÃO SOCIAL

Outro factor de degradação da qualidade da vida política é o resultado da combinação de alguma comunicação social sensacionalista com uma justiça ineficaz. E a sensação de que a justiça também funciona por vezes subordinada a agendas políticas.

Com ou sem intencionalidade, essa combinação alimenta um estado de suspeição generalizada sobre a classe política, sem contudo conduzir a quaisquer condenações relevantes. É o pior dos mundos: sendo fácil e impune lançar suspeitas infundadas, muitas pessoas sérias e competentes afastam-se da política, empobrecendo-a; a banalização da suspeita e a incapacidade de condenar os culpados (e ilibar inocentes) favorece os mal-intencionados, diluídos na confusão. Resulta a desacreditação do sistema político e a adversa e perversa selecção dos seus agentes.

Nalguma comunicação social prolifera um jornalismo de insinuação, onde prima o sensacionalismo. Misturando-se verdades e suspeitas, coisas importantes e minudências, destroem-se impunemente reputações laboriosamente construídas, ao mesmo tempo que, banalizando o mal, se favorecem as pessoas sem escrúpulos.

Por seu lado, o Estado tem uma presença asfixiante sobre toda a sociedade, a ponto de não ser exagero considerar que é cada vez mais estreito o espaço deixado verdadeiramente livre para a iniciativa privada. Além disso, demite-se muitas vezes do seu dever de isenta regulação, para desenvolver duvidosas articulações com interesses privados, que deixam em muitos um perigoso rasto de desconfiança.

Num ambiente de relativismo moral, é frequentemente promovida a confusão entre o que a lei não proíbe explicitamente e o que é eticamente aceitável, tentando tornar a lei no único regulador aceitável dos comportamentos sociais. Esquece-se, deliberadamente, que uma tal acepção enredaria a sociedade numa burocratizante teia legislativa e num palco de permanente litigância judicial, que acabaria por coarctar seriamente a sua funcionalidade. Não será, pois, por acaso que é precisamente na penumbra do que a lei não prevê explicitamente que proliferam comportamentos contrários ao interesse da sociedade e ao bem comum. E que é justamente nessa penumbra sem valores que medra a corrupção, um cancro que corrói a sociedade e que a justiça não alcança.


4) CRIMINALIDADE, INSEGURANÇA E EXAGEROS

A criminalidade violenta progride e cresce o sentimento de insegurança entre os cidadãos. Se é certo que Portugal ainda é um país relativamente seguro, apesar da facilidade de circulação no espaço europeu facilitar a importação da criminalidade organizada. Mas a crescente ousadia dos criminosos transmite o sentimento de que a impune experimentação vai consolidando saber e experiência na escala da violência.

Ora, para além de alguns fogachos mediáticos, não se vê uma acção consistente, da prevenção, da investigação e da justiça, para transmitir a desejada tranquilidade.

Mas enquanto subsiste uma cultura predominantemente laxista no cumprimento da lei, em áreas menos relevantes para as necessidades do bom funcionamento da sociedade emerge, por vezes, uma espécie de fundamentalismo utra-zeloso, sem sentido de proporcionalidade ou bom-senso.

Para se ter uma noção objectiva da desproporção entre os riscos que a sociedade enfrenta e o empenho do Estado para os enfrentar, calculem-se as vítimas da última década originadas por problemas relacionados com bolas de Berlim, colheres de pau, ou similares e os decorrentes da criminalidade violenta ou da circulação rodoviária e confronte-se com o zelo que o Estado visivelmente lhes dedicou.

E nesta matéria a responsabilidade pelo desproporcionado zelo utilizado recai, antes de mais, nos legisladores portugueses que transcrevem para o direito português, mecânica e por vezes levianamente, as directivas de Bruxelas.


5) APELO DA SEDES

O mal-estar e a degradação da confiança, a espiral descendente em que o regime parece ter mergulhado, têm como consequência inevitável o seu bloqueamento. E se essa espiral descendente continuar, emergirá, mais cedo ou mais tarde, uma crise social de contornos difíceis de prever.

A sociedade civil pode e deve participar no desbloqueamento da eficácia do regime – para o que será necessário que este se lhe abra mais do que tem feito até aqui –, mas ele só pode partir dos seus dois pólos de poder: os partidos, com a sua emanação fundamental que é o Parlamento, e o Presidente da República.

As últimas eleições para a Câmara de Lisboa mostraram a existência de uma significativa dissociação entre os eleitores e os partidos. E uma sondagem recente deu conta de que os políticos – grupo a que se associa quase por metonímia “os partidos” – são a classe em que os portugueses menos confiam.

Este estado de coisas deve preocupar todos aqueles que se empenham verdadeiramente na coisa pública e que não podem continuar indiferentes perante a crescente dissociação entre o conceito de “res pública” e o de intervenção política!

A regeneração é necessária e tem de começar nos próprios partidos políticos, fulcro de um regime democrático representativo. Abrir-se à sociedade, promover princípios éticos de decência na vida política e na sociedade em geral, desenvolver processos de selecção que permitam atrair competências e afastar oportunismos, são parte essencial da necessária regeneração.

Os partidos estão na base da formação das políticas públicas que determinam a organização da sociedade portuguesa. Na Assembleia ou no Governo exercem um mandato ratificado pelos cidadãos, e têm a obrigação de prestar contas de forma permanente sobre o modo como o exercem.

Em geral o Estado, a esfera formal onde se forma a decisão e se gerem os negócios do país, tem de abrir urgentemente canais para escutar a sociedade civil e os cidadãos em geral. Deve fazê-lo de forma clara, transparente e, sobretudo, escrutinável. Os portugueses têm de poder entender as razões que presidem à formação das políticas públicas que lhes dizem respeito.

A SEDES está naturalmente disponível para alimentar esses canais e frequentar as esferas de reflexão e diálogo que forem efectiva e produtivamente activadas.


Sedes, 21 de Fevereiro de 2008

O Conselho Coordenador
(Vitor Bento (Presidente), M. Alves Monteiro, Luís Barata, L. Campos e Cunha, J. Ferreira do Amaral, Henrique Neto, F. Ribeiro Mendes, Paulo Sande, Amílcar Theias)

sexta-feira, fevereiro 15

Ex-alunos da Escola Agrária de Santarém dizem que não houve castigos, só praxes

15.02.2008, Andreia Sanches

Os sete arguidos garantiram ontem que foram outros caloiros que barraram com excrementos "os braços, face e pescoço" da aluna que apresentou queixa por ser praxada com violência

Falou-se muito de excrementos e de bacios e um dos arguidos foi desafiado pelo juiz o precisar quantos centímetros teria o penico cheio de bosta no qual uma caloira da Escola Superior Agrária de Santarém colocou a cabeça no dia 8 de Outubro de 2002. "Dez... 15..." Dos sete jovens que ontem começaram a ser julgados por terem praxado uma colega há mais de cinco anos apenas um, José Vaz, decidiu não responder às perguntas relacionadas com o que se passou naquela tarde de Outubro numa quinta do estabelecimento de ensino superior onde todos estudavam na altura.
Os restantes recusaram as acusações de que são alvo. Ao juiz Galvão Duarte Silva, do Tribunal Judicial de Santarém, explicaram que houve "brincadeiras" com excrementos como é da "tradição" das praxes na escola, mas garantiram que não castigaram, nem forçaram Ana Santos, a caloira que apresentou queixa contra eles.
À primeira sessão daquele que é um julgamento inédito - pela primeira vez alguém é julgado por ter praxado - compareceram muitos jornalistas. Ana Santos fez questão de explicar que só tardou em apresentar queixa - cinco meses depois de as praxes terem acontecido - porque temia que isso significasse criar um ambiente tal que a obrigasse a abandonar a escola. Acabou por fazê-lo.
A cabeça no penico
Seis jovens que eram na altura membros da comissão de praxes respondem agora por ofensa à integridade física. Um sétimo, um veterano que não fazia parte da comissão, é acusado de coacção. Têm entre 27 e 32 anos.
Numa carta enviada em Março de 2003 ao então ministro do Ensino Superior, Ana Santos explicou que no dia 8 de Outubro de 2002, na Quinta do Bonito, atendeu um telefonema da mãe - algo que, garante, estava proibido aos caloiros - e foi castigada pelos alunos da comissão de praxes. Diz que foi obrigada a colocar-se de joelhos e que foi barrada com excrementos de porco ("cara, pescoço, peito, costas, barriga, cabelo") por um grupo de caloiros que agiram sob as ordens dos seis arguidos.
Diz ainda que chorou, sentiu náuseas, foi humilhada, que se declarou antipraxe. Mas que, regressada à escola, outro aluno ordenou que a agarrassem pelas pernas e lhe mergulhassem a cabeça num bacio com excrementos.
Ontem, perante o juiz, os arguidos levantaram-se um a um para dizer que "é mentira". Asseguraram que ninguém estava proibido de atender telefonemas - "era uma combinação entre a comissão de praxes e os caloiros", referiu Rui Coutinho, ex-aluno, hoje engenheiro alimentar. Negou também ter havido qualquer combinação entre os membros da comissão para "impor castigos físicos" aos que recusassem obedecer às ordens. E diz que Ana só se declarou antipraxe no dia seguinte.
À jovem que se seguiu, Lisbete Pereira, o juiz perguntou se subscrevia estas palavras. E a arguida subscreveu sem precisar de repetir.
Os arguidos sustentaram ainda que naquela tarde Ana "ajoelhou-se voluntariamente" depois de ter atendido o telefonema e que foi um grupo de caloiros que "se voluntariou" para ir buscar excrementos sem que ninguém lhes tenha dado ordens. Esses mesmos caloiros - arrolados como testemunhas - "puseram os excrementos nas zonas [do corpo da aluna] onde ela não tinha roupa", explicou Sandra Silva, hoje secretária. Ou seja, "nos braços, face e pescoço".
Quanto a Ana, permitiu tudo e não chorou, disse Armando Simões, técnico de vendas. Nem mostrou que tinha dores ou náuseas, garantiu Tiago Vieira, engenheiro de produção animal. O sétimo arguido, Tiago Figueiredo, acusado de coacção, afirmou que nesse dia, na escola, perguntou a Ana se ela podia fazer o pino e pôr a cabeça num penico. E que ela concordou em fazê-lo com ajuda. "Foi para ela não cair" que dois caloiros lhe "seguraram as pernas".
Tiago Figueiredo assegurou ainda que ela não mergulhou a cabeça no bacio com bosta. Que só pôs o topo da cabeça. O procurador da República não estava satisfeito com as respostas e insistia. Mas a assistente mergulhou a cabeça? O penico era de que tamanho? O juiz pôs termo à sucessão de perguntas: a cabeça "só entrou um bocadinho" dentro do bacio, rematou.
A próxima sessão está marcada para segunda-feira.

quarta-feira, fevereiro 13

Outros casos

13.02.2008

Novembro de 2007
Jovem paraplégico
Numa recepção ao caloiro, um estudante de 20 anos de Engenharia do Ambiente, da Escola Superior Agrária de Coimbra, sofre um traumatismo vertebro-medular, que lhe provoca diversas fracturas na região cervical. Fica paraplégico. Tudo acontece quando o jovem se lança de cabeça, através de um escorrega, para um pequeno lago em forma de banheira com palha e água. Na Escola Superior Agrária de Elvas um aluno alcoolizado cai de uma altura de 20 metros depois do "rali das tascas" - parte da recepção ao caloiro. Foi-lhe diagnosticada uma fractura da coluna cervical e múltiplas lesões graves a nível pulmonar.

Maio de 2007
Ferido nos genitais
Um estudante da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra foi ferido nos órgãos genitais, na sequência de um ritual da praxe académica designado como "o julgamento". Neste ritual, os caloiros são confrontados pelos estudantes mais velhos com "acusações" e submetidos às mais variadas penas. Neste caso, os estudantes mais velhos decidiram rapar os pêlos púbicos do caloiro.

Novembro de 2005
Aluna coagida
Uma estudante do 1.º ano da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Bragança envia uma carta ao ministro do Ensino Superior, Mariano Gago. Diz que se sentiu "coagida" e "ameaçada" pelos colegas mais velhos depois de se ter declarado antipraxe.

Outubro de 2003
Brincadeiras repugnantes
O pai de um aluno do Instituto Superior de Engenharia de Coimbra envia uma carta à então ministra do Ensino Superior, Maria Graça Carvalho: "Os praxados foram obrigados a atar o próprio sexo com um cordel, ficando ao dispor dos praxantes para vários e repugnantes actos de brincadeiras."

Outubro de 2001
Morte por explicar
Diogo Macedo, aluno da Universidade Lusíada de Vila Nova de Famalicão, morreu na sequência de lesões traumáticas "crânio-encefálicas e cervicais", atribuíveis a "traumatismos com origem violenta", resultado de "uma ou várias pancadas fortes", não sendo de excluir a "possibilidade de pontapés desferidos na cabeça", lê-se na certidão de óbito. Dois elementos da tuna à qual pertencia foram constituídos arguidos. O processo foi arquivado pelo Ministério Público por ser "impossível imputar à acção de qualquer pessoa concreta a produção das lesões" que ditaram a morte de Diogo.
Agressores de praxe vão amanhã a julgamento

13.02.2008, Andreia Sanches

Sete jovens sentam-se no banco dos réus por terem praxado uma colega há mais de cinco anos na Escola Superior Agrária de Santarém

Tem sido descrito como um julgamento inédito: será a primeira vez que alguém se senta no banco dos réus por ter praxado alguém. Cinco homens e duas mulheres, com idades compreendidas entre os 27 e os 32 anos, respondem, a partir de amanhã, pelas praxes académicas em que participaram há mais de cinco anos, quando eram alunos da Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Santarém.
Ana Francisco Santos, hoje com 27 anos, era, naquele ano lectivo de 2002/03, uma das caloiras recém--chegadas ao curso de Engenharia Agro-Alimentar. Em Março de 2003, numa carta ao ministro do Ensino Superior, denunciou aquilo que classificou como os "castigos" a que foi sujeita durante os rituais académicos que considerou uma "tortura". E fez queixa à polícia.
"Seis dos arguidos são acusados em co-autoria e na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física qualificada e um outro foi pronunciado por um crime de coacção", disse ao PÚBLICO Manuela Miranda, advogada que representa Ana Santos.
O juiz afecto à Instrução Criminal do Círculo de Santarém lembra, no despacho de pronúncia de seis dos sete jovens, que, como consequência das praxes a que foi sujeita, Ana Santos deixou de frequentar a Escola Superior Agrária de Santarém.
Já Lúcia Mata, advogada dos sete arguidos, diz que é convicção dos mesmos "que não praticaram nenhum ilícito penal". E garante que "eles nunca quiseram, de maneira alguma, ofender quem quer que fosse".
Todos eles, acrescenta, são hoje pessoas que "vivem a sua vida profissional e estão perfeitamente integrados".
Um carta que chocou o país
Na carta que Ana Santos escreveu ao então ministro Pedro Lynce, e que foi divulgada pelo PÚBLICO em Março de 2003, a então caloira contava que os primeiros nove dias de praxes a que foi sujeita na escola foram duros - "21 horas diárias a sermos vítimas de praxes consecutivas".
Depois de uma sessão de dezenas de flexões, algumas correntes de ar, duas otites, vários trabalhos - "a fazer parecer trabalhos forçados" -, Ana teve que receber tratamento no Centro de Saúde de Santarém no dia 2 de Outubro de 2002. Mas não foi isso que a levou a apresentar queixa.
No dia 8 de Outubro desse ano foi conduzida com outros caloiros ("bestas", como eram chamados os alunos do 1.º ano, segundo explicava Ana Santos na carta ao ministro) para a Quinta do Bonito, propriedade da escola, a 30 quilómetros de Santarém, para apanhar nozes. Todos os alunos do 1.º ano estavam proibidos de atender chamadas de telemóvel. Mas Ana atendeu a mãe. E, de acordo com o que relatou, foi castigada por isso.
"Obrigaram-me a colocar na posição de "Elefante Pensador" (de joelhos, cabeça no chão e as mãos debaixo dos joelhos com as palmas viradas para cima), fui insultada por tempo que não consigo quantificar. Depois um veterano foi buscar dois sacos de esterco de porco", escreveu.
A seguir, foi esfregada com esterco - "camada sobre camada, esfregaram-me a cara, pescoço, peito, costas, barriga, cabelo". A tarefa foi levada a cabo também por alunos mais novos, sob as ordens de seis membros da comissão de praxes, contou: "Fiquei muito assustada, sem possibilidade de pedir apoio, perdi a noção do tempo, tive momentos em que já nem sabia onde estava".
Penas vão de multa a prisão
Ana Santos contou também que lhe foi ordenado para "ficar em pé a secar ao sol" e que foi pressionada a participar na praxe "pudim danone" - "as raparigas colocaram-se de gatas todas lado a lado, enquanto os rapazes tinham de simular o acto sexual com elas".
No mesmo dia, continuava Ana na exposição a Pedro Lynce, já na escola, um outro aluno veterano, que não era da comissão de praxes, decidiu praxá-la mais e pediu a dois caloiros que mergulhassem a cabeça dela num bacio com excrementos de vaca.
A carta divulgada teve grande impacto mediático até porque pouco tempo antes tinha sido tornado público nos media outra queixa de uma aluna do Instituto Piaget de Macedo de Cavaleiros.
Os sete alunos chegaram a ser alvo de processo disciplinar. E o Instituto Politécnico de Santarém decidiu suspendê-los por 15 dias.
Na sua defesa, os seis alunos que estiveram na Quinta do Bonito alegaram que nada de ilícito tinham feito e também que "a posição de "Elefante Pensador" é diversas vezes prática durante a praxe, de forma a acalmar os caloiros, pois é uma posição que favorece o relaxamento dos músculos". Uma caloira ouvida no âmbito do processo garantiu, contudo, que é uma posição "bastante dolorosa".
Em Novembro de 2005, o Tribunal de Santarém pronunciou apenas os seis jovens da comissão de praxes pelo crime de ofensa à integridade física qualificada. Ana Santos recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, que, em Março de 2007, decidiu pronunciar também o sétimo aluno, pelo crime de coacção.
Manuela Miranda lembra que "o que a Ana mais queria era que lhe tivessem apresentado um pedido de desculpas". Já Lúcia Mata diz que os sete jovens não fizeram nada de mal e "consideram que actuaram no sentido do respeito pela tradição".
De acordo com o Código Penal em vigor à data dos factos, o crime de coacção pode ser punido com pena de multa ou pena de prisão de até três anos. O de ofensa à integridade física qualificada pode ser punido com pena de multa ou de prisão de até quatro anos. A primeira audiência do julgamento está marcada para as 10h15 de amanhã no 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santarém.
Para o Movimento Antitradição Académica, é um dia histórico: "Os crimes devem ser julgados e pela primeira vez reconheceu-se que nas praxes acontecem crimes", diz a dirigente Ana Feijão.