quinta-feira, janeiro 11

O pior vem aí
Ana Sá Lopes
ana.s.lopes@dn.pt

A campanha do aborto está na rua e todos os dias, lamentavelmente, os
adeptos do "sim" irão perder votos. A experiência que temos de 1998 é
que o debate à volta da questão, o ruído e o confronto afastam os
eleitores e transferem votos do sim ou dos indecisos para o não e a
abstenção (as sondagens já estão a reflectir essa realidade).

Há várias possibilidades de explicação: é difícil, numa campanha,
conseguir passar a mensagem de que uma pessoa que seja contra o aborto
pode ser favorável à despenalização. Encontraremos certamente mulheres
que abortaram clandestinamente, a defenderem o voto "não", por serem
contra o aborto e, inclusivamente, o serem no momento em que abortaram,
ou por estarem arrependidas de ter abortado, numa esquizofrenia jurídica
mas absolutamente humana.

A questão não vai ser simples e mexe com muitos sentimentos, pavores e
culpas, educação e cultura religiosa. Os adeptos do "sim" sabem que não
vai ser fácil explicar aos indecisos que não têm de passar a ser
defensores do aborto para serem defensores da despenalização. E também
vai ser difícil explicar aos que são contra o aborto mas contra a
condenação das mulheres que, para conseguirem evitar que as mulheres
sejam condenadas, precisam mesmo de votar "sim". Aos defensores do "sim"
este discurso parece incongruente, mas não o é para os defensores do
"não" que conseguem - tantos e quantas vezes - ser contra a condenação
das mulheres que abortam e defender o "não", ou seja, que essa
condenação se mantenha na lei. É um absurdo jurídico, mas é partilhado
por eminentes figuras.

O debate público e o extremar dos argumentos são prejudiciais ao "sim",
o ruído e a discussão inflamada afastam os indecisos. Estas são as
condições objectivas. O "sim" tem um caminho de grande delicadeza a
percorrer e mesmo o mais justo dos discursos pode fazer perder votos. É
uma luta dura, onde do outro lado estão convicções religiosas.

Quando Teixeira Lopes, amável dirigente do Bloco de Esquerda, em vez de
agradecer a Rui Rio a sua bem-vinda participação na campanha do "sim",
se preocupa com o "branquear da imagem" que poderá resultar da sua
adesão a um movimento, mostra que não percebeu nada do que está em jogo.
Ou pior: deu a entender que, acima da causa da despenalização, para o
Bloco estará a sua coutada de causas exclusivas e rentáveis. O que é
péssimo, para as causas todas.