Entrevista a Manuel Carvalho da Silva 2007-08-23 00:05
“Não há país onde seja tão fácil despedir”
Carvalho da Silva fala de flexigurança, da necessidade de êxito das reformas e das perspectivas para o próximo ano.
Helena Garrido e Paula Nunes (fotografia)
As reformas pode redundar “em fracassos grandes, provocando no país uma situação de ruptura e paralisia por muitos anos”, alerta Carvalho da Silva confessando que até tem medo de falar destas coisas porque nada está seguro nas mudanças que se estão a fazer na saúde. Por isso 2008 vai ser um ano decisivo. Numa longa entrevista o secretário geral da CGTP considera que a rigidez do mercado de trabalho “é uma mentira total” que tem prejudicado o País e à qual se agarram “empresários com sentido parasitário”. E dá o exemplo do bom funcionamento das multinacionais em Portugal. Quanto ao desemprego afirma que há o risco de chegar uma nova avalanche de pequenos comerciantes e industriais. Sobre a flexisegurança mostra-se céptico.
Na sua tese de doutoramento, ‘A centralidade do trabalho e a acção colectiva’ afirma que caso desapareça a centralidade e o valor do trabalho perde-se a estabilidade do Estado social. Existe esse risco?
A centralidade do trabalho não se perde, é um facto. O problema é o seu reconhecimento ou não. Negar a centralidade do trabalho é negar a essência da estruturação da sociedade actual, a vida concreta de cada cidadão. Há alguns estudiosos que dizem que, face à disponibilidade de riqueza e àquilo que são as necessidades da humanidade – a questão ambiental, energética e outras – era possível criar hoje postos de trabalho que correspondessem à dimensão da sociedade. O problema é que se nega muitas vezes a centralidade do trabalho para intensificar a exploração de quem trabalha. Durante muito tempo houve teorias sobre o fim do trabalho. Gosto muito de uma expressão de um director geral da OIT que há quatro anos num debate no Fórum Social disse que não era exactamente do fim do trabalho que se falava, era do fim do trabalho com direitos, digno.
Quando fala do fim do trabalho refere-se às teses de que as pessoas iam trabalhar cada vez menos e ter cada vez mais lazer?
Isso são deambulações, uma mescla de conservadorismo e pós-modernismo esquisito. As teorias mais profundas sobre o fim do trabalho são as que atentam contra o valor do trabalho e a sua centralidade na sociedade. Quando viajamos, no nosso país – mas já vi situações extremas em África – vemos que os cursos de água não estão limpos, o lixo que se acumula… Era possível criar milhares e milhares de postos de trabalho num novo campo de trabalho social, qualificado.
Quem é que criava esses postos de trabalho? A sociedade está apoiada em empresas que só criam postos de trabalho se reconhecerem a criação de valor…
Não é só criação de valor…
É mais lucro que valor?
Hoje, a acumulação de riqueza faz-se muito mais pela especulação do que por actividade produtivas.
Nem todos. A maioria das economias ainda se apoia na criação de valor.
Sim, das economias tem toda a razão. A economia real, se quisermos usar esta expressão, continua a sustentar a sociedade e a garantir os compromissos de a fazer funcionar. Mas a circulação de riqueza é muitíssimo superior à da circulação de bens e serviços. A dimensão do dinheiro que hoje, ficticiamente, cria dinheiro tem uma dimensão muito grande. Mas o problema de fundo é que o capital financeiro – fonte de acumulação de riqueza no mundo e uma das causas das desigualdades a que estamos a assistir - auto-dispensou-se de contribuir para o colectivo. Não paga impostos…
Pagam alguns impostos…
Um montante minúsculo em comparação com o contributo do capital produtivo. E isso é um problema porque o capital produtivo quer depois seguir a peugada do capital financeiro.
Nessa sua classificação não se gera um circulo? Criam-se mais valias com o capital financeiro que se aplicam no capital produtivo
Veja todos os sectores que convocam mais investimentos. O caso do sector automóvel, por exemplo. Exige investimentos volumosos e os accionistas, face aos montantes envolvidos, perspectivam ter enormes lucros. Tomam como comparação outros campos onde esse investimento volumoso podia estar a render mais, em áreas especulativas ou semi-especulativas. E começaram a descarregar responsabilidades para as sub-contratadas. O que gera isso? Pressões sobre os direitos dos trabalhadores e sociais e as empresas a quererem pagar menos ou nada para a segurança social.
Mas não é porque os trabalhadores criam menos valor?
A remuneração dos trabalhadores tem de estar ligada ao que se produz. Nunca a produção do trabalho foi tão elevada. As tecnologias e a evolução na organização do trabalho permitem rentabilizações que não eram imagináveis há uns anos atrás.
Mas a remuneração também é mais elevada que há uns anos atrás.
Sim mas a remuneração do trabalho em geral pesa muito pouco nas empresas. O peso relativo dos salários nos custos das empresas tem vindo a diminuir em todos os sectores, em termos médios. Quantas vezes se fala em reduzir custos salariais quando pesam 6 ou 7% dos custos totais. E os restantes 83 a 84% continuam na mesma, com tudo calado, porque têm a ver com outros interesses. Os custos da energia, de estrutura, de organização, de funcionamento da administração pública, de transportes, de acessibilidades são mais elevados sendo possível com pequenas medidas aumentar a rentabilidade de forma extraordinária sem estar ali a pressionar os trabalhadores. E porquê os trabalhadores? Porque são o elo mais fraco. Ainda há pouco tempo visitei uma empresa do sector automóvel com êxito, na zona do Tramagal. Os custos daquela empresa poderiam ser reduzidos cumprindo uma promessa feita há muitos anos que é uma ponte sobre o Tejo que evitasse que os camiões fizessem mais 30 quilómetros. Isto está prometido há 30 anos e teria um efeito mais positivo sobre a empresa do que cortar 2 ou 3% nos salários.
Considera que existe um risco para o estado social com essa negação da centralidade do trabalho?
Actualmente … Se é rompido ou fragilizado o compromisso entre o capital e o trabalho - em relação à distribuição da riqueza produzida, aos equilíbrios entre a disponibilidade para prestar o trabalho e as condições de vida e sociais - , toda a relação de trabalho é posta em causa assim como as bases do Estado social. Hoje os trabalhadores descontam x, a entidade patronal desconta y que contabiliza nos custos do trabalho. Quando isto passasse para uma responsabilidade distante do Estado, com a empresa a não ter de se comprometer aqui, nunca mais se apanha um contributo do capital. Por outro lado, a evolução dos direitos no trabalho partiu deste compromisso que ajudou a estruturar os direitos sociais. Não era possível termos chegado a conceitos de cidadania na Europa e nos países mais desenvolvidos se esta centralidade do trabalho não fosse ela própria suporte e indutor de outros compromissos sociais. Quando hoje se discute a flexisegurança, subdividindo o conceito em dois, quando falamos de segurança estamos a falar disto. Se fragilizarmos estes compromissos não haverá esse mecanismo de segurança. Mais ainda na em sociedades como a portuguesa onde assistimos a todas as fugas por todas as vias aos compromissos assumidos. E com um poder financeiro a ter uma força mais incisiva que qualquer outro poder.
O rompimento do Estado social não é o fim do mundo, podemos aproximar-nos de um modelo de tipo norte-americano.
Não podemos ver uma sociedade fechada nas suas fronteiras. A riqueza que circula dentro da fronteira dos Estados Unidos não tem a ver apenas com os americanos, mas também com as condições concretas de um país com uma determinada força económica, política, cultural, militar e de influência que fazem entrar dentro dos EUA muita riqueza. Se olharmos para a situação interna, a sua dívida pública, os equilíbrios na sociedade americana, verificamos que se não tivessem esta força, se fossem um país como Portugal, a situação seria de desastre absoluto. Se Portugal tivesse desigualdades tão profundas como existem nos Estados Unidos era um desastre. Obviamente que a sociedade americana também tem aspectos positivos. Mas isto não é transportável. Por vezes vejo com certa ironia como é que especialistas em economia fazem discussões comparadas sobre o PIB dos países e o que devíamos fazer para sermos como os outros.
Dentro do próprio capital não existe também uma reacção à tirania de resultados trimestrais, com a saída de empresas da bolsa adquiridas pelas ‘private equity’ a tentarem seguir uma estratégia económica e não apenas financeira?
Há muitos sinais de esperança, há muitas pessoas incomodadas com o que se está a passar e que procuram soluções. Mesmo entre os maiores defensores do capitalismo. Alguns dos teóricos do neoliberalismo em várias áreas já começaram a meter travões. O desequilíbrio e a irracionalidade estão a ir longe de mais. Mas há sinais positivos.
Como por exemplo?
Dou o exemplo de uma reunião que tive com trabalhadores e a administração de uma empresa no distrito do Porto. No final fiquei a conversar um bocado com o administrador. A empresa é uma multinacional e tem à frente um gestor experimentado que tem feito um trabalho interessante. Disse-me ele: ‘Como havemos de reagir a isto, quando vejo a referência de empresário no nosso país o Sr Berardo isto é um problema, o que é que ele contribuiu até hoje para o país’. E contou-me uma situação recente. Estavam a discutir o futuro de um conjunto de empresas quando alguém diz: ‘Isto não vale a pena, as pessoas dão mais atenção ao Berardo que a toda a actividade da Agência Portuguesa de Investimentos’. E ainda numa reunião na Alemanha um dos seus colegas de lá perguntou-lhe: “Então como vai o país da especulação ?’ Esta é a imagem.
Mas isso não se passa só em Portugal.
Sim mas em Portugal desbaratam-se muitos recursos Uma das coisas que mais me impressiona é a ligeireza e leviandade com que se assiste à destruição de empresas. Tudo em nome da modernidade. Não se dá atenção ao sector produtivo, aquilo que é a eficiência da actividade económica. E depois esses fenómenos, que não sou só em Portugal como diz, têm um efeito destruidor muito grande. Há falta de sinais…
Há falta de sinais de quem? Os decisores políticos dão também atenção a Berardo como a comunicação social?
Neste caso que estamos a falar o poder político deu um contributo significativo para a projecção da pessoas em causa. A forma como foi desenvolvido o negócio para o Centro Cultural de Belém foi uma grande ajuda. E não estou a dizer se o negócio foi ou não correcto. Não dou palpites sobre um assunto que não conheço.
Na sua opinião há da parte do Governo uma promoção da especulação?
Dos governos. O que contrasta com uma atitude de ligeireza em relação à economia. Qualquer processo de encerramento de uma empresa é colocado como natural, não apenas para a opinião pública mas também pela abordagem dos governantes. Não existe um sentido de responsabilização, de acompanhamento, de exigência. Cito muito o caso recente da Delphi. Assisti ao caso em Espanha. Aí vimos a sociedade mobilizar-se. O alcaide e o presidente da região deslocaram-se a Bruxelas, Durão Barroso disse que o caso ia ser analisado pela Comissão em conjunto com eles e seriam tiradas ilações para o futuro, o primeiro-ministro espanhol recebeu os trabalhadores, falou com eles e afirmou que levariam o processo judicial até ao fim e acompanharia os sindicatos nisso. Ao mesmo tempo em Portugal, onde a empresa tinha um volume de emprego superior, assistimos ao ministro [da Economia] a fazer promessas que não eram exequíveis, não vimos a mesma mobilização junto da União Europeia. E alguma vez o primeiro ministro, este ou outro anterior, ia receber os trabalhadores e dizer ‘força, vamos combater’ ou oferecer palavra de mobilização à população? Não. Há uma retracção, há um considerar inevitável, atacando os trabalhadores, dizendo que são eles que não percebem…
Mas não é inevitável? A reestruturação que se vive hoje no mundo…
Há coisas que são inevitáveis. A desindustrialização da Europa é um facto. Mas hoje um dos debates sérios na Europa é no sentido de que se recomponha e encontre mecanismos para se defender como região industrializada. Isso hoje é assumido, considerando-se que houve ligeireza, que não se tomaram precauções. Na Alemanha este debate é importantíssimo. É um dos países europeus que colocou mais travões e por isso é também uma economia que está mais segura.
Mas que tipo de travões?
Procuraram não desactivar tudo. A indústria naval, as indústrias tradicionais da Alemanha tomaram precauções, estão a fazer reformulações e a debater estratégias. Há uma grande atenção à economia real. Não é por acaso que a Alemanha é o primeiro exportador do mundo.
Portugal poderá reestruturar-se para ser uma economia mais de serviços.
Economia mais de serviços com base em quê? Qual é o projecto, que debate existe, que visão estratégica foi apresentada ao país dizendo que Portugal está no caminho de ser um país de serviços com sucesso? Nada de concreto. Pelo contrário assiste-se ao encerramento de empresas com uma ligeireza enorme. Enquanto em Portugal se arrancavam oliveiras com uns subsidiozitos os espanhóis plantavam. Os espanhóis a desenvolverem a agricultura e nós a definharmos. Nas pescas a mesma versão. Aliás com as pescas até se passa uma situação caricata. O número de portugueses com a profissão de pescadores não diminuiu muito com a nossa entrada na EU. O que deixaram foi de ser pescadores em Portugal e passaram a ser na Galiza, no Golfo de Biscaya.
Mas nada disso depende do Governo, depende da iniciativa empresarial.
Não podemos andar à procura de justificações e a assistir ao desaparecimento das coisas. Veja-se quem são os responsáveis. Que houve políticas que facilitaram isto, isso é uma evidência. Se não tivesse havido esse facilitismo as coisas não se tinham desarmado. Tínhamos necessidade de toda a nossa metalomecânica desaparecer? Não é preciso hoje metalomecânica na Europa?
É mais barato produzir noutros países.
Se fossemos por essa teoria a Europa desenvolvida iria desaparecer. O que eu não acredito.
Não é desaparecer mas sim uma alteração do perfil da produção.
Claro que há. São caminhos possíveis encontrar novas fileiras de produtos, novas formas de produção e evoluções qualitativas nas empresas. Quando os estaleiros navais em Portugal foram profundamente reduzidos foi porque se perspectivava uma crise na reparação naval? Não é verdade. Ouvi aqui neste edifício José Manuel de Mello dar a explicação. Os assessores falavam da crise e de ser inevitável e ele dizia: Tenho agora a possibilidade de fazer aqui dinheiro e vou investir no sector da saúde porque esse me dá mais dinheiro.
A prazo é mais rentável, é a lógica do mercado. A Europa fará outras coisas, foi sempre assim, não?
Foi sempre assim mas não entremos absolutamente nessa onda se não vai tudo. Sabia-se que a reparação e a construção naval iam ter um boom de procura a prazo, com as alterações provocadas pelo desaparecimento da URSS e o crescimento da China.
O que se fazia até chegar esse boom?
Não havia prejuízos. Talvez o facilitismo em que se entrou no sector da saúde, com a privatização, tenha ajudado. Se não existisse essa porta aberta e houvesse aí um travão talvez não tivéssemos a destruição destas coisas.
… Ou talvez não tivéssemos a saúde no nível que temos hoje.
Neste momento? O que temos é a saúde num nível de desrticulação muito complicado. Quando acordarmos para os custos da saúde é capaz de ser um bocado tarde.
Neste momento a Saúde está a ser reestruturada.
Está, está… O problema é pegar nas palavras com os conceitos e discutir. Essa ideia de que hoje tudo muda e não há conservação, é uma tontaria. O conceito de conservação tem de ser tão valorizado como o de mudança. Há muita coisa que é preciso e possível manter. Há países que se mantiveram com siderurgias, com construção e reparação naval e que têm hoje ocupação e possibilidades de evoluir. Peguemos no sector tradicional têxtil. Temos empresas que se modernizam que são capazes que respondem aos desafios dos países emergentes e vemos outras que não.
É isso que não está a acontecer?
A responsabilização, a exigência de cumprimento de regras e o rigor podia ajudar a que muita coisa não se destruísse. Quantas empresas desapareceram no país nas últimas décadas por causa da especulação imobiliária? Já desafiei que se fizesse uma tese de doutoramento em torno de um caso concreto. Pegar por exemplo em Coimbra e ver porque desapareceram em torno da cidade uma série de indústrias. E íamos ver se teve ou não a ver com especulação imobiliária.
Se não houvesse especulação imobiliária se calhar desapareciam à mesma.
Há sempre possibilidade de outra hipótese. Mas o facto é esse: muitas daquelas empresas desapareceram porque havia negociatas por trás. Com desequilíbrio que isto provocou. Há um conhecido banqueiro deste país – não vou dizer o nome – afirma que nos últimos 25 anos a política de construção, obras públicas e rotundas permitiu algumas centenas de portugueses criarem fortunas colossais. E acrescenta, quando falo de fortunas falo de acumulações individuais de dinheiro de mais de cem milhões de contos. Isto foram opções, facilitou-se o caminho para que isto acontecesse.
Mas esse dinheiro pode ser investido, mesmo que seja em acções está a ser investido.
Sabe qual é o espaço onde o investimento do dinheiro é mais assegurado? É o da disponibilidade no comum dos cidadãos. Quando os cidadãos têm mais poder de compra, o seu anseio de viver melhor leva-os a provocar uma dinâmica de investimento incomparável a qualquer outra. Esta ideia de que vamos fazer crescer o país concentrando a riqueza…
…É a acumulação necessária de capital…
Claro… Acumulação de capital. E com o comum dos cidadãos a viver cada vez pior. É um conceito de desenvolvimento muito esquisito.
Não se trata de desenvolvimento mas de uma fase para o desenvolvimento.
É uma pressuposta fase, se essa acumulação viesse a ser colocada ao nível do comum dos cidadãos. Mas o que assistimos é que a uma acumulação se segue outra acumulação e outra e outra… E a redistribuição da riqueza está cada vez pior. Esse é o problema da sociedade.
Um dos aspectos que referiu é que o trabalhador é o elo mais fraco. Porque é que o sindicalismo em Portugal é tão frágil? Não tem também ele contribuído para que o trabalhador seja o elo mais fraco?
O que é o sindicalismo? Não há sindicalismo sem trabalhadores.
Mas temos trabalhadores.
Os trabalhadores têm o sindicalismo que são capazes de construir. Não há uma entidade exterior que constrói o sindicalismo. Os sindicatos são, em primeiro lugar, movimentos sociais, Por vezes há pessoas que se perturbam com isso. Claro que criaram uma dimensão institucional ao longo da sua história, têm esse reconhecimento e estruturam-se. Mas o sindicato é, na sua essência, a expressão dos interesses individuais e colectivos dos trabalhadores colectivamente afirmados.
E porque não são mais fortes em Portugal.
Os portugueses têm os sindicatos que são capazes de ter, os partidos políticos que são capazes de ter, os órgãos de comunicação social que são capazes de ter…
Não diz que têm o que merecem…
Para não ser ostensivo em relação mim próprio. Temos o que somos capazes de construir em função das condições concretas da sociedade. Se a sociedade está mal…
…Não parece estar assim tão mal. O seu diagnóstico é muito negativo, na distribuição de rendimento, na perda de direitos… Mas as pessoas não reagem. A sociedade tem mecanismos, como os sindicatos, para se reagir.
E vão reagir. Os sindicatos reagem, fazem acção, fazem movimentação. E temos estado cultural e uma situação de poder muito concretas que fazem uma interpretação dessa reacção. Há relações de força na sociedade que dizem: o protesto não vale, continuem a protestar.
Está a referir-se à greve geral?
E não só. Neste ano de 2007 já fizemos uma manifestação com uma expressão de descontentamento muito grande. Mas os poderes não a interpretam. E as pessoas estão limitadas na sua capacidade de acção por razões diversas. Quando vemos portugueses que emigram e se sujeitam às explorações que vemos noutros países, isso é sinónimo de um estado de desesperança muito grande no plano interno. E isto não me surpreende. Tivemos o fascismo, as pessoas viviam mal e sujeitavam-se. Muitas vezes é preciso insistir até que as coisas mexam.
Considera que os poderes estão a desvalorizar o descontentamento das pessoas?
Não tenho dúvidas que não existindo respostas graduais nem a preocupação de executar uma perspectiva reformista se vão acumulando descontentamentos.
Essa perspectiva reformista não existe? Estão a corrigir-se os desequilíbrios fundamentais da economia portuguesa…
Mas está a falar de quê? Das contas públicas? À custa de quê?
Com racionalização dos recursos.
Racionalização com pouca racionalidade ou nenhuma racionalidade. O que é a racionalidade?
Com menos recursos prestar melhores serviços.
Dê-me um exemplo significativo em algum sector.
Dou-lhe o exemplo da simplificação administrativa, redução da burocracia.
Devia ser a reforma da administração pública, da estrutura, da organização e do funcionamento.
E isso está a ser feito?
Não. O que aconteceu na administração pública foi a desvalorização dos trabalhadores, considerando-os como malandros. O que está a induzir uma perda de qualidade significativa e pode ter reflexos no futuro dolorosos e muito complexos. Além disso há a perspectiva de menos emprego e perda das condições de trabalho: Os funcionários públicos têm hoje salários reais que são menos 10% que há oito anos. Outro exemplo é o da reestruturação na justiça. Pois bem, se se impede a maioria dos portugueses de terem acesso à justiça, o problema está resolvido.
Mas é isso que está a acontecer?
Não somos nós que dizemos, são estudos muito concretos. Demonstram que hoje a maioria dos portugueses, se tiver de recorrer à justiça, não tem condições para o fazer.
As medidas que estão a ser tomadas pretendem que isso mude.
Não sou ingénuo. Como é que vai ser a mudança? Há dois problemas que são absolutamente cruciais na sociedade portuguesa e sobre os quais deveria existir reflexão. E já transmitimos isso ao primeiro ministro [antes do início de Agosto]. Um é a observação de que Portugal é um país cada vez menos coeso – ao nível social, territorial e outros – e está perigos a quebrar perigosamente dimensões de solidariedade que davam coesão ao país. E isto é um problema grave. E o outro é o da desvalorização do trabalho. Há inúmeras profissões que foram profundamente desvalorizadas e isso vai ter reflexos. Um amigo meu médico experimentado e de referência sempre trabalhou e gostou do Serviço Nacional de Saúde (SNS) No outro disse-me que a saúde parece um mercado de jogadores de futebol, com a contratação de profissionais mais destacados, nas diversas especialidades, para o sector privado. E as pessoas não resistem.. E diz-me ele, ‘estou saturado, sou maltratado no SNS, não vou abandonar o hospital mas pus de lado vínculos de obrigação e também vou para os contratos milionários’.
Mas isso pode melhorar a saúde.
Há sempre o pode. Mas observemos o concreto. O que é que vai acontecer com o SNS despido de qualidade? Quem vai pagar serão sempre os portugueses.
Pensa que os custos vão disparar?
Já estão a disparar.
Mas não tem acontecido, o Estado regula os preços e sendo o grande ‘pagador’ dos serviços de saúde pode pressionar os preços para baixo.
As pessoas começam a pagar taxas moderadoras.
Tem de haver uma comparticipação maior das pessoas nos custos da saúde.
Mas não só. Há um aumento da esperança de vida, uma conquista extraordinária. Além disso há perspectivas de conhecimento humano que levam a que se possa viver com saúde muito mais tempo. Os seres humanos como são todos inteligentes, o que vão fazer inevitavelmente é um investimento maior na sua saúde. E essa é a descoberta que o capital fez.
Mas isso pode contribuir para as pessoas melhorarem a sua saúde.
Pois pode. Mas como isto mobiliza muito dinheiro o capital privado vê aí uma fonte para ir buscar dinheiro.
Não tem nada de negativo.
Não, não tem! Os custos vão ser muito mais elevados. Os americanos são dos povos que mais pagam pela saúde no mundo. Não pagam as pessoas através dos seus impostos, pagam individualmente sem controlo.
É um esquema ineficiente o dos EUA. Mas, por exemplo, o SNS inglês melhorou.
Mas quem é que diz que melhorou? Há estudos a dizer que melhorou e há outros que dizem que está no desastre. Há trabalhos que consideram que a destruição do SNS no Reino Unido é um dos factores de maior desequilíbrio da coesão da sociedade inglesa. O que está em marcha, como diz, são mudanças profundas, o papel do Estado, o Estado social… tudo isso. Mas a evidência é que este desarmar do Estado social está a ser feito a favor de interesses privados.
Uma das críticas que se faz ao sindicalismo…
… Em todos os cantos do mundo se criticam os sindicatos. Um dos mais violentas ataques que vi aos sindicatos foi antes das últimas eleições na Alemanha. Alcunhavam de tudo os sindicalistas. Elogiavam-se os sindicalistas que aceitavam as mudanças nas grandes empresas. Passado uns tempos descobriu-se que esses casos exemplares estavam corrompidos.
Quer dizer que dizer mal dos sindicatos é bom sinal, é sinal de que não foram corrompidos?
Não podemos fazer essas leitura directa. Mas há alguma dose de verdade.
Não há uma excessiva colagem dos sindicatos aos partidos?
A fragilidade dos sindicatos não é muito maior que a dos partidos ou das instituições. Estamos inquestionavelmente em fase de grandes mudança, em que é preciso analisar e ver o que é preciso estabilizar para não existirem grandes desequilíbrios. Como as alterações mais aceleradas são na organização da economia e do trabalho, é natural que os sindicatos estejam perante problemas muito complexos.
E como é que se pode fortalecer os sindicatos?
Isso é a luta de todos os dias. Há desafios simples de definir mas difíceis de executar. Primeiro é preciso que o trabalhador perceba a sua condição concreta e seja capaz de agir a partir daí. O tipo de relação que existe hoje e a possibilidade de o trabalhador reagir perante a entidade patronal, privada ou pública, alterou-se muito. As multinacionais, como se diz, determinam não apenas o funcionamento mas também a própria definição das instituições no mundo. É preciso lembrar que 65 mil empresas a nível mundial dominam directamente dois terços da economia e determinam o funcionamento do resto. Tem de se continuar no debate do dia a dia, perceber em que mundo e situação se está. Tem de se agir também no equilíbrio entre a afirmação do interesse individual e colectivo. Depois perceber os poderes a que nos podemos dirigir, onde estão e como é que se podem identificar.
As pessoas consideram talvez que se defendem melhor individualmente que colectivamente.
O individualismo está institucionalizado. Não são as novas gerações que se tornaram individualistas. A estrutura da sociedade está organizada para explorar esse individualismo. Criaram a ilusão de que as pessoas se defendem melhor individual.
Considera que é uma ilusão?
No momento em que a sociedade humana caminhar, de forma definitiva, par o individualismo institucionalizado é o seu futuro que está em causa. Não tenho dúvidas quanto a isso. A luta pela clarificação entre o individual e o colectivo é a de sempre na sobrevivência da organização da sociedade.
A flexisegurança é uma solução para Portugal?
Ninguém sabe o que isso é.
É o modelo dinamarquês. Podemos usá-lo como referência.
Se tirarem daqui os portugueses, trouxerem para aqui os dinamarqueses e passarem a chamar-lhes portugueses, com as suas realidades culturais, os seus compromissos sociais com a sua opção económica e estruturação da sociedade… Nesse caso podemos ter o modelo de flexisegurança.
Uma das dificuldades que se aponta para a aplicação do modelo é a falta de cultura dialogante dos sindicatos portugueses.
Os sindicatos são bombos da festa. Desde o século XIX, quando se começou a equilibrar, nunca o desequilíbrio entre o capital e o trabalho foi tão forte a favor do capital. Não é surpresa que se ponham em causa os direitos colectivos e os sindicatos. Não é nova a ideia de que o patrão e o trabalhador são dois cidadãos em pé de igualdade e como tal devem. Não é preciso estudar muito para se perceber que a evolução no direito do trabalho e do sindicalismo são componentes decisivas do progresso das sociedades, em particular das europeias.
Na fase industrial, mas hoje estamos noutra fase…
Pois estamos, estamos numa fase em que alguns querem transformar na fase do neoliberalismo. Estamos de facto numa outra fase de organização do trabalho. Nessa altura, para o trabalhador, fazer greve ou não, ter trabalho ou não, significava escolher ter ou não pão para os seus filhos e por vezes até a morte. A conquista dos direitos do trabalho foi muito violenta e por vezes esquecemo-nos disso.
Essa dicotomia entre Trabalho e Capital faz sentido quando os trabalhadores também são accionistas das empresas?
A maioria das pessoas dependem de duas coisas que conjugadas têm um conteúdo explosivo muito complicado: por um lado o individualismo e por outro a dependência do consumo. Mas repare-se que se defende o individualismo mas com a pessoa a perguntar ‘que direitos tenho’, esquecendo-se que foram conquistados colectivamente. A maior parte dos indivíduos que defendem o fim das indemnizações em caso de desemprego tem na rescisão a cláusula mais importante do seu contrato de trabalho.
As indemnizações reflectem a capacidade de as negociar…
Claro, a operadora de caixa do Modelo tem uma capacidade espantosa de negociar essa cláusula com Belmiro de Azevedo. Apropriaram-se desses direitos e agora querem acabar com eles para os outros.
Mas ainda faz sentido esta dicotomia?
Claro que faz. Têm hoje possibilidades que não tinham [de ser accionistas], mas a essência da relação é entre capital e trabalho. Como não há dúvida que, apesar de mais complexas e diversificadas, as classes sociais continuam a existir. A globalização induziu um problema muito profundo. A divisão social do trabalho foi sempre estruturada com base no Estados. E hoje continua a ser fundamental. Mas como o capital está estruturado de forma vertical – o exemplo das multinacionais e não só –, há uma pressão imensa para se criar também uma divisão social do trabalho verticalizada. Em nome de ser possível fazer isto e aquilo na China ou no Paquistão, argumenta-se que não podem existir regras por países, que é preciso levar em conta o todo.
E tem lógica, há mais progresso económico com essa divisão.
Há um progresso profundamente desequilibrado.
Concorda que o proteccionismo é sempre pior que o livre comércio, a liberdade de circulação de capital, trabalho…
A liberdade de circulação é uma ficção. Teoricamente, e as experiências de organização das sociedades também nos confirmam isso, é preciso cuidado com o proteccionismo e com a interpretação daquilo que é o colectivo. Pode transforma-se num proteccionismo subvertido. Mas o que vemos hoje é uma perigosíssima desprotecção. Em nome do livre mercado e da livre concorrência vemos deturpações de muitas regras. A livre circulação das pessoas é uma ficção. Há pressões para que exista, os movimentos migratórios vão reforçar-se.
Como seria um modelo de flexisegurança à portuguesa? Os governos têm sublinhado que não há um fato para igual para todos, cada um tem de criar o seu fato.
Essa expressão de que cada país é uma realidade sendo um princípio verdadeiro pode ter duas interpretações diametralmente opostas. Uma é se estamos a ver a sociedade na perspectiva de harmonização no progresso. Outra é se estamos a ver na perspectiva da inevitabilidade da harmonização no retrocesso. Na perspectiva do que está inscrito nos tratados europeus, de harmonização no progresso, temos de reestruturar salvaguardando os direitos essenciais no trabalho e sociais e tendo em conta a realidade da Europa e dos países emergentes do mundo inteiro onde milhões de pessoas, embora explorados, estão a ter trabalho pela primeira vez. Ou entramos numa prática de flexisegurança em que hoje corta-se aqui por causa da Roménia e amanhã corta-se ali porque no Paquistão é possível explorar mais… e vamos por aí abaixo. A segurança de que estamos a falar transforma-se em protecção mínima, em que as pessoas ficam individualizadas e entregues a si. E a coesão vai por aí abaixo. Já tenho visto invocar que cada país é uma realidade para defender opções diametralmente opostas.
E no caso português, vamos para harmonização no progresso ou no retrocesso?
Não teremos Estado social se o capital se recusar a dar o seu contributo.
Mas isso está relacionado com a flexisegurança?
Um das teorias dos patrões é que é preciso descarregar as responsabilidades de tudo o que são encargos. O documento dos patrões [portugueses] sobre legislação laboral abrange tudo o que possa diminuir os custos do trabalho, por eliminação de horas extraordinárias, de remunerações acrescidas em caso de fim de semana…E, ao mesmo tempo, reclama que seja o Estado a tratar da segurança, que se o trabalhador ficou desempregado não têm nada a ver com isso. Chegam ao ponto – e já ouvi o mesmo em França – de questionar o pagamento de 14 meses de trabalho. Como se quem negociou isso, do lado do trabalho e do capital não soubesse na altura que o ano tinha 12 meses.
As empresas podiam distribuir esses dois meses pelos 12 e tinham menos pressão sobre a sua tesouraria…
Qual quê. Isso podia ter acontecido no passado que era muito mais difícil fazer jogos de distribuição financeira que fizessem essa diluição. Hoje é muito mais simples. E esses compromissos existiram porque era uma forma de retribuir uma parte que era produzida pelo trabalho.
É possível ou não a flexisegurança em Portugal?
Neste momento os salários dos trabalhadores crescem menos que a economia. Há um distanciamento crescente em relação à média europeia. No salário mínimo nacional, há dez anos, a nossa diferença face a Espanha era diminuta. Neste momento caminhamos para uma diferença de 300 euros, face a um valor que em Espanha se aproxima dos 700.
Mas Espanha cresceu mais que Portugal. Também nos distanciámos em termos de rendimento per capita...
Distanciámo-nos em termos de rendimento per capita mas se analisarmos o crescimento da economia portuguesa e dos salários, a nossa perda é maior que nos outros países. Nos direitos dos trabalhadores a tendência também é para a sua diminuição. Analisemos agora a parte da segurança. O ensino está a ficar mais seguro? E a saúde? O emprego em geral está a ficar mais ou menos seguro? E na segurança social, temos perspectivas de ter melhores ou piores pensões? Por aqui se vê a componente segurança.
Este modelo de flexisegurança corresponde a passar do apoio ao emprego para o apoio às pessoas, não?
Começou com o triângulo dourado. Agora estamos no quadrilátero prateado. Concluiu-se que não bastavam política activas de emprego e protecção de desemprego. Que era preciso uma quarta componente, um compromisso entre as partes. Mas nós vemos o que se passa em Portugal. Quais são os compromissos que se cumprem? Então com os trabalhadores é espantoso. Este Governo, em relação à administração pública, em campanha eleitoral não disse nada quanto à diminuição de direitos. Começou a governar, chamou os sindicatos e disse que ia reestruturar, para nós aguentarmos porque em 2007 já ia haver um novo sistema de avaliação e de carreiras. Em 2006 não negociou e em 2007 não aplicou. E chegou a 2007 e queria fazer outro acordo dizendo que se ia negociar para funcionar 2008. E os sindicatos disseram que isso já tinha sido prometido em 2007. Depois ainda chega um secretário de estado que diz não, agora vamos negociar em 2008 e talvez em 2009 tenhamos carreiras…
… e chegou o primeiro-ministro e disse que seria 2008.
Sim, o primeiro-ministro diz 2008 mas não diz como. O ano de 2008 é o mais sensível desta legislatura. Voltando aos compromissos, temos um acordo de formação profissional e outro de higiene e segurança no trabalho de 1991 e não se cumpriu. Estamos agora com este plano todo de formação. Até dei a cara pelas Novas Oportunidades. Mas se não houver mudança no perfil do emprego, isto não vai dar em nada. Haverá é uma frustração acrescida. Por isso digo que 2008 é muito importante. A CGTP apresentou a Cavaco Silva, no primeiro Quadro Comunitário de Apoio, uma proposta de formação com programas muito idênticos ao que vemos agora nas Novas Oportunidades. Mas, nessa altura, o poder económico quis os dinheiros da formação. E isto atrasou-se 20 anos. Depois como não há pressão em termos de modelo de desenvolvimento, encontramos muita gente que se questiona sobre a utilidade da formação. Nós andamos numa batalha a convencer as pessoas que é importante.
Mas está a ser um sucesso.
É verdade. Durante um ano a CGTP fez uma campanha em várias empresas, que culminou com uma conferência, para convencer as pessoas a fazer formação. Estes sinais são essenciais e positivos. Mas não é suficiente.
O ano de 2008 vai ser o da prova das reformas que se estão a fazer?
Vai. Estamos aproximar-nos de um ano muito importante. Foram iniciadas mudanças em muitas áreas. Toda a gente sabe na saúde era necessária uma gestão mais eficaz, mas não está provado que se tenha caminhado para isso. Nas escolas, estamos de acordo que o caminho é o alargamento dos horários. Mas não se muda de modelo de um dia para o outro e pondo em causa as instituições e práticas criadas. Nada disto está assegurado. Até tenho medo de falar de algumas desta coisas porque nada disto está seguro. Tudo isto pode desestabilizar-se e as reformas redundarem, na sua essência, em fracassos grandes, provocando no país uma situação de ruptura e paralisia por muitos anos. Esse é o problema.
Conhece bem o país das empresas. Existe o risco de o desemprego aumentar em Portugal?
Esperemos que não. Os sinais são contraditórios. Há nichos da economia que estão equilibrados mas a maioria continua numa situação complicada. Andando pelo país continuo a ver que as ameaças de desemprego são muito grandes. Há múltiplos problemas no desemprego. Se persistirem as precarizações, o desemprego vai aumentar e vai agravar-se como problema social.
Se a legislação laboral for no sentido de maior flexibilização nos despedimentos abre a porta a mais desemprego?
Abre. No contexto português é inevitável.
Mas se não o fizer abre a porta a falência de empresas, face à rigidez ...
Não. Mas qual rigidez? Essa palavra choca-me tanto. É uma mentira total que o mercado de trabalho em Portugal seja rígido. E a insistência nessa mentira…
O despedimento exige que se paguem indemnizações…
Mas não há nenhum país onde o despedimento por causa de reestruturações seja tão fácil como em Portugal. E as reestruturações não requerem despedimento individual mas sim colectivo. Uma empresa que tenha até 50 trabalhadores, é enquadrável no despedimento colectivo três trabalhadores num período de três meses. E os trabalhadores portugueses não são nada rígidos, são dos mais maleáveis no trabalho, o que é reconhecido por gestores estrangeiros em Portugal. São poucos os povos que têm a disponibilidade dos portugueses. Basta até olhar para os nossos emigrantes.
O caso da Autoeuropa, por exemplo.
A Autoeuropa e muitos outros casos. Há experiências muito melhores de capacidade de adaptação. A Continetal Mabor, por exemplo. É um prejuízo para o país esta insistência de que Portugal tem um mercado de trabalho rígido, quando isso não é verdade. Há é alguns empresários com um sentido parasitário que se agarram a isso.
E a flexibilização dos horários de trabalho?
Hoje não se fixam as oito horas. Para onde caminhamos na organização da sociedade se as pessoas passarem a não ter horário definido? Quando se fala de instabilidade familiar, ainda por cima com a estrutura de serviços sociais e de transporte que temos. Esta ideia de que os horários de trabalho têm de se submeter a paradigmas da gestão e da economia é uma tontaria. Agora adaptabilidade de horários de trabalho, há imenso.
Considera que não é necessário rever a legislação laboral?
Com a actual legislação há gestores que fazem adaptabilidade de horários de trabalho, que criam climas de relações de trabalho excelentes. A Continental Mabor trabalha 24 horas. Criaram-se turnos, trabalhadores que são compensados para terem colmatar um pico de produção mas são remunerado. E a empresa teve 2,8% de absentismo, o melhor a nível mundial, assim como o melhor ao nível da produtividade. E isto é feito com as leis portuguesas em vigor. Mais flexibilização é facilitismo para quem não se quer esforçar a fundamentar as opções que toma e pretende cilindrar as coisas com facilidade na gestão dos trabalhadores. E por outro lado aumenta o desemprego.
Se não aumentar o desemprego as empresas vão à falência.
Mas vão à falência porquê? Quantas vezes a empresa despede para no lugar do trabalhador colocar lá outro completamente precário? Temos muitas situações de empresas que apostaram tanto na precariedade que não têm futuro, os produtos começam a perder qualidade. A precariazição excessiva leva à quebra da qualidade dos produtos, à falta de competitividade, um debate que se está a ter na Europa. É um desastre se aprofundarem a precariedade do trabalho por legislação ou por incapacidade dos empresários ou bloqueios de outro tipo. É preciso também olhar para a situação do emprego. Justifica-se que Portugal tenha o maior número de metros quadrados por habitante de grandes superfícies, com uma relação que é o triplo de países desenvolvidos? Alguma coisa está mal. Pode estar a chegar uma avalanche de desempregados, que eram pequenos comerciantes e pequenos industriais e que vão gerar na sociedade outro tipo de problemas. E também de quadros, pois se não há evolução no modelo de desenvolvimento vamos assistir a uma perda relativa de trabalhadores qualificados.
Gostaria de se manter à frente da CGTP?
Não é uma questão de gostar ou não. Estou empenhado neste projecto, vou dar o meu contributo e logo se vê qual a avaliação que se faz. Não sou um sindicalistas em início de carreira.
“Nestas férias, queria ler o ‘Equador’, com atenção”
As férias dividem-se entre praia e família. O filme da sua vida é ‘África Minha’ e o continente africano uma paixão.
Como vão ser as suas férias?
Ainda não sei bem. Vou tentar gozar três semanas. Uma na costa alentejana, numa habitação de família. Vou ver se vou à zona de Sagres uns cinco dias. E depois visitar a família quatro dias.
Quais foram as férias da sua vida.
Não tenho uma referência especial. A não ser quando estava na guerra colonial e vim cá de férias. Eram as férias da liberdade.
A guerra colonial marcou-o especialmente?
Bastante.
Que livros está a ler?
Neste momento não estou a ler livro nenhum. Andei a consultar muitos livros para a tese [de doutoramento]. Neste momento estou a ler um texto para fazer um prefácio para o livro de um amigo. Dei uma vista de olhos mas ainda não li o ‘Equador’ de Miguel Sousa Tavares e quero ler. Tenho ouvido tantos comentários. Queria lê-lo com atenção. E estas férias quero ler um ou dois romances com calma. Já o disse à minha mulher. Ainda não decidi quais. Ou até reler.
Tem algum livro que seja o da sua vida.
Há um livro que cito na minha tese, de Ferreira de Castro, a ‘Lã e a Neve’, porque me marcou. Há um outro muito controverso, que na altura me foi significativo, o ‘Pavilhão de Cancerosos’ de Alexandre Soljenitzine.
Televisão, vê?
Por vezes. Não vejo muito.
Gosta mais de ler?
Gosto de ler. E às vezes ao fim do dia, quando fico livre, tento ver o noticiário.
Não vê as séries?
Uma ou outra. Mas se me perguntarem o nome não sei.
E ao cinema, vai?
Quando posso. Vou amanhã… Mas não sei qual o nome. Não ligo aos títulos. Leio um livro e se me perguntarem o título não sei.
Tem algum filme que o tenha marcado especialmente?
Gostei muito do ‘África minha’.
Esteve em África na guerra colonial mas fala muito de África.
É. Talvez seja o berço da humanidade. Acho que ali se sente uma força muito especial, aquela terra, aquele cheiro, o ambiente…
Mas conhece bem?
Viajei bastante para Angola, conheço a Guiné, Cabo Verde, alguns outros países africanos, como a África do Sul, onde vivi uma aventura interessante.
E música?
Gosto muito de música mas tenho o mesmo comportamento, não fixo nomes. Viajo muito de carro e oscilo entre a Antena 2 [música clássica], para me concentrar se estou muito cansado, e os noticiários da TSF e a RFM, que é talvez a rádio que oiço mais por causa da variedade da música.
Jornais, lê?
Obrigatoriamente mas também por gosto.
Também lê em férias?
Um ou dois.
Tem um jornal preferido?
Não.
Desliga-se da realidade quando vai para férias, desliga o telemóvel…
Não uso exageradamente o telemóvel. A minha agenda de telefone é muito reduzida, não criei esse hábito.
Não manda sms?
Só em situações especiais.
Não é um viciado da rede.
Não, não sou um viciado da rede nem dos contactos. Ao longo da vida já me cruzei com tanta gente… Não encontra na minha agenda números de telefone de governantes, nem actuais nem passados. Há um ou outro. Neste governo tenho um amigo pessoal de há muitos anos e sempre que vai para o Governo deixo de o tratar por tu e trato-o por sr. Ministro o que o aborrece.
Quem é?
Não digo. Ministro é ministro.
É muito formal?
Não. Mas é preciso manter a identidade dos espaços de cada um.
E Internet, usa?
Como toda a gente. Uso um portátil. O mail e para fazer pesquisa. Mas não muito, porque uma pessoa acaba por se perder.
Como fez as suas pesquisas, para a tese? Foi às bibliotecas…
Devo ter consultado umas 40 mil páginas de documentos, sem contar com os livros. Tive amigos que me ajudaram. É indispensável a documentação.
Ainda é preciso ir aos papéis…
Aos papéis e às pessoas. A Net permite-nos circular por muita coisa. Tenho amigos viciados. Tenho um amigo que às três, quatro da manhã me envia textos para eu ler. Estes meios de comunicação são extraordinários, mas há ali muito lixo também.
Usa a Internet para ler jornais?
Às vezes, mas gosto mais do papel. Ao fim de semana principalmente vou ver os títulos.
É sindicalizado?
Naturalmente… seria um absurdo.
Qual é o seu sindicato?
Sou sindicalizado desde há muitos anos no Sindicato das Indústrias Eléctricas do Norte. Fui sócio do sindicato a partir de 66. Foi aí que comecei a trabalhar por conta de outrém. Depois fui sócio do Sindicato dos Metalúrgicos de Braga em 72 e 73 e voltei para o das indústrias eléctricas. Desde que pertenço aos órgãos sociais sou presidente da assembleia geral.
Tem muitos patrões seus amigos?
Há companheiros de juventude que se tornaram grandes empresários.
O que pensou quando viu sindicalistas da CGTP abraçarem Joe Berardo na assembleia geral da PT?
Da CGTP e outros. Também foram mencionados alguns com conotações erradas, não houve muita honestidade nisso. Foi um acto emocional. Eu conhecia bem o processo e o que significava para as pessoas aquele desfecho. Compreendo essa expressão.
Vê-se a fazer outra coisa que não seja a actividade sindical?
Obrigatoriamente. Não tenho heranças e como nunca fui bem remunerado não deu para fazer um pé de meia. Tenho uma filha pequena. Fiz uma opção de vida que só me deu uma alternativa: trabalhar para sobreviver.
E o que gostava de fazer?
Não sei. Independentemente de continuar na CGTP, ou não, - vamos ver, já são muitos anos -, quero fazer outras coisas. Há 12 anos decidi fazer o [antigo] exame ‘Ad- Hoc’ e ir para universidade. Ocupei muito do meu tempo com coisas que me exigiram muito trabalho. Fiz um curso com frequência efectiva de aulas, fui dos cinco alunos mais assíduos. Optei por uma escola [ o ISCTE] com aulas à noite e que começavam mais tarde. Por vezes acabava uma reunião às seis da tarde no Porto e tinha de estar em Lisboa às oito. Depois preparar e desenvolver a tese…Fiz esse esforço significativo.
Vai publicar a tese em livro?
Sim.
O próximo ano vai ser de nova vida?
Sim, pode ser. A única coisa que aceitei até agora foi fazer parte do corpo de investigadores de uma universidade, como associado.
Em situação de stress é a pessoa mais calma da sala?
Nem sempre mas em geral não sou dos que se irrita mais nem dos mais calmos.
Nas reuniões da concertação social?
Não, até dizem que uso muito é a ironia, quando estou sem situações de significativa tensão. Era muito calmo em criança, os meus irmão são todos muito calmos. Desequilibrei-me um pouco com a guerra colonial.
Alterou a sua personalidade.
Não a personalidade mas aspectos do comportamento, do ponto de vista emotivo
PERFIL: Manuel Carvalho da Silva
Manuel Carvalho da Silva, 58 anos, é desde Dezembro de 1999 secretário geral da CGTP-In depois de assumir desde 1986 o cargo de coordenador da central sindical. Nascido numa família de pequenos agricultores em Viatodos, Barcelos, tem três filhos, dois rapazes já adultos e uma menina de quatro anos.
A sua vida académica começa na Escola Industrial de Braga, onde fez o curso de montador electricista. Ainda entrou para o Instituto Industrial mas, diz, a vida não propiciou que prosseguisse por esse caminho. Começou a trabalhar como electricista. Entre 1970 e 1972 cumpre o serviço militar na guerra colonial em Cabinda. Faz depois formação em organização do trabalho e enveredou por essa área.
Há 12 anos, já na CGTP, resolve entrar para a Universidade fazendo o então designado exame ‘Ad-hoc’. Entra no ISCTE onde se doutourou em Julho com uma tese intitulada ‘A Centralidade do Trabalho e a Acção Colectiva’ que vai ser editada em livro. O que quer fazer com este doutoramento? “Não sei, não sei o que quero ser quando for grande, não imagino’. Irónico na resposta a muitas questões como revela a entrevista, Carvalho da Silva revela ter convicções inabaláveis mas pragmáticas. Não se sabe se vai manter a liderança da CGTP.
terça-feira, julho 31
Visão, 25 de Julho de 2007
ANTÓNIO ARNAUT, fundador do PS, ex-ministro dos Assuntos Sociais, maçon, 71 anos
«A geração que está no poder aprendeu com Maquiavel»
Voz escutada, militante socialista número 4, o «pai» do Serviço Nacional de Saúde arrasa PS e Governo. «O partido desviou-se tanto para a direita que, porventura, até estarei quase a sair», desabafa
Magoado, desiludido, afastou-se da política em meados da década de 1980. Advogado, antigo ministro dos Assuntos Sociais de Mário Soares, deixou marcas na Saúde. Combateu a ditadura, fundou o PS e liderou, até há pouco, a loja maçónica Grande Oriente Lusitano (GOL). Em Setembro, sairá o seu romance autobiográfico Rio de Sombras (Coimbra Editora), o qual poderá prestar-se a polémicas e revelações. Nesta entrevista, concedida no seu velho escritório de Coimbra, rodeado de símbolos da maçonaria, as palavras de António Arnaut não pedem licença...
Como olha para o PS, hoje?
O PS tem a alma a definhar. Ainda tem força interior, mas está disseminada por uns milhares de militantes sem voz. O partido está a perder alma e identidade. A continuar assim não pode chamar-se socialista, tem de mudar de nome.
A ideologia ainda conta?
Ainda faz sentido falar-se em socialismo! E de forma mais acutilante, embora o meu seja mais ético do que ideológico. Há novas formas de opressão, a própria União Europeia é uma congregação de multinacionais que têm no Conselho e na Comissão os seus representantes. O que resta da utopia socialista é o Estado Social. Por isso, é importante defendê-lo. O socialismo é encurtar diferenças sociais e reduzir desigualdades. No fundo, mudar a vida.
Não é o que tem sido feito, portanto?
Mesmo havendo circunstâncias atenuantes, a prática do PS não está à altura da sua responsabilidade. Ao reclamar-se socialista, assume um legado histórico e deve ser fiel a ele.
O PS trocou os cravos pela rosa. É mais do que uma metáfora?
Nada em política é por acaso. O vermelho é a cor histórica da esquerda, dos que querem transformar o mundo. E o PS até a bandeira vermelha trocou, agora usa brancas e amarelas! Já não há mercado para o vermelho [risos]...
Fala assim quem era um moderad...
Sempre fui moderado no PS. Hoje estou na extrema-esquerda e sou o mesmo! O partido desviou-se tanto para a direita que, porventura, até estarei quase a sair [risos]...
Ainda faz sentido estar no PS?
Diga-me lá para onde é que hei-de ir...
Não se sente uma espécie de tralha ideológica?
Pelo contrário! Procuro não falar muito, porque me dói, mas sou escutado. Tenho passado. E acredito que o PS ainda possa mudar.
O que diz esse passado à geração que manda no PS?
A renovação é uma lei da vida, mas muitos dos que mandam nos partidos não viveram nem estudaram o passado. Mesmo Sócrates – que aprecio em algumas facetas – não tem a vivência socialista que se exigiria a um líder do PS.
Como descreve a geração que está no poder?
É um produto das circunstâncias. Noto falta de cultura cívica. É gente sem reflexão sobre os comportamentos, a arte, a literatura e a história do nosso povo. A cultura é uma sabedoria que se recolhe da experiência vivida. Muitos deles não têm uma ideia para Portugal, não conhecem o País. Vivem do imediatismo, da conquista do poder. Conquistado, vivem para aguentá-lo. Esta geração vale-se mais da astúcia do que da seriedade. E aprendeu os ensinamentos de Maquiavel.
O que sente quando uma governante diz que só se pode dizer mal do PS em casa, na esquina do café e nos locais apropriados?
Até a senhora secretária de Estado da Saúde dizer isso ninguém sabia que ela existia. É um impropério! Ela não quis dizer aquilo, mas as palavras têm um significado. E o que ela disse está mal. Só mostra que muitos políticos são meros tecnocratas.
Não há um novo Portugal amordaçado?
Algumas pessoas acomodam-se, querem manter os seus lugares e tendem a bajular o chefe. Sem culpa do chefe. Nos casos que vieram a público há diferenças. A ser verdade o que é imputado ao professor Charrua, ele procedeu de forma eticamente censurável. Já em Vieira do Minho, eu teria feito o mesmo, só não punha o comentário na fotocópia. Aquilo teve piada! [risos] Um país sem humor não tem futuro. Um tipo com cultura tem humor! Basta ter lido o Eça. Deviam seguir o exemplo de Mário Soares, que tem humor e capacidade de encaixe. Quando o Soares era primeiro-ministro contava-se uma história engraçada. Ele tinha sido recebido pelo Papa – isto é verdade – e quando o Papa lhe perguntou se professava alguma religião, o Soares disse: «Sou socialista, mas não praticante»!
[Risos]...
Mas o Mário era o que mais se ria disto, sabia? No tempo em que meteu o socialismo na gaveta!
Continuando... Está ou não instalado um clima de bufaria? Não está! E mesmo que estivesse, o que é que o Sócrates tem a ver com isso?!
Diga-me...
Para esta comédia se transformar numa tragédia era preciso que os bufos fossem compensados como antigamente. Espero que não sejam!
Não há tiques de autoritarismo?
Houve uma coincidência de situações deprimentes. Não existe um clima de medo. A precariedade no trabalho é que tornou as pessoas subservientes.
E no poder, há mais papistas que o Papa?
Os bajuladores existem. Você habitua um cão e ele está-lhe sempre à perna. Mesmo que lhe bata! O cacique, por outro lado, já tem de ser alimentado de outra maneira. Precisa de umas iguarias e quer manter a máquina e o aparelho a funcionar. Conheço o caso de um sujeito que comprou o lugar. Deu dinheiro ao partido para ser deputado. E o PS aceitou, pô-lo na lista! A condição era estar lá seis meses para satisfazer a vaidade.
Quando foi isso?
Há anos. Eu ainda estava na política.
E isso agravou-se?
Sim, sim. Hoje está pior.
O que sente quando olha para o Parlamento?
Uma grande preocupação pelo futuro da democracia. Aquilo deveria ser o lugar de uma elite moral e intelectual. Mas para isso era preciso que as pessoas do povo fossem as «pedras vivas» de que falava António Sérgio. No meu romance autobiográfico, que sairá em Setembro, chamado Rio de Sombras, há um tipo que tem uma filosofia chamada Pantrampismo...
Pantrampismo?
Pantrampismo, tudo é trampa! Temos de viver com a trampa, mas escolher os espaços livres e limpos. Mesmo a Justiça já está contaminada pela corrupção e influências. E meto nisto a PJ, Ministério Público, juízes e advogados. A Justiça foi permeável aos ventos dominantes.
Ainda leva com um processo...
Só fui processado uma vez, pelo Salazar, por assinar uma carta de católicos. Agora, se tiver um processo também não há problema. Tenho razão e não pode haver processos contra a razão. Apesar dos desencantos, facadas e caneladas na política – tenho muitas cicatrizes na alma – acredito que uma pessoa séria ainda possa manter a integridade moral.
O PS do seu tempo está muito calado...
Alguns estão afastados, mas o Alegre, às vezes, levanta a sua voz. Eu ando por aí, na rua, no autocarro, falo com as pessoas. E elas tratam-me à maneira antiga, chamam-me camarada... Você sabe que às vezes ligo para o partido e me tratam por senhor doutor e professor?! Há tempos, irritei-me e disse: «Mas ouça lá, eu não estou a ligar para o PS?! Estou? Então trate-me por camarada!» A telefonista até rejubilou, mas disse-me: «Sabe, eles agora querem ser todos tratados por doutor e professor...»
Isso é que conta?
Não se pode só dar valor aos títulos académicos. A maioria dos políticos assumiu hoje um ar professoral e, não sendo eles professores, são tratados como tal. O tratamento por camarada tinha uma conotação romântica, fraterna, indicava um vínculo forte. Não se devia ser dirigente do PS sem conhecer o significado destes laços.
Que causas tem o PS?
O partido, mesmo governando em circunstâncias difíceis, ainda tem alma para impedir que alguns dirigentes tentem resvalar mais para a direita.
Não há marcas de esquerda neste Governo. Essas deviam estar no terreno social mas, como já vimos, os direitos sociais estão um pouco proscritos. Por exemplo: não considero uma marca de esquerda ter promovido o referendo ao aborto, apesar de ter votado sim. Marca de esquerda era cumprir a democracia política, social, económica e cultural. Dentro do Estado Social o direito à Saúde é fundamental. E aí as marcas não são de esquerda...
São de quê, então?
Até a direita critica pela esquerda a política de Saúde do PS! É absurdo, uma contradição, um escândalo! Não sei como se há-de chamar a isto!
O PS faz no Governo o que a direita teria vergonha?
O PS faz reformas que não devia. Se a direita fosse poder, não teria coragem de atacar o Serviço Nacional de Saúde [SNS] como o PS. E o PS, na oposição, não deixava!
Mas o que se passa, afinal?
Correia de Campos, camarada e amigo, foi meu conselheiro quando fui ministro dos Assuntos Sociais. Já nessa altura, era um grande técnico, de categoria internacional e...
Já tinha estas ideias?
Não! Estava muito à minha esquerda, eu é que tinha de o travar! Hoje tem ideias das quais discordo.
Quais?
O SNS é património insubstituível do povo e é dos melhores do mundo. Quanto melhor, maior a procura e a despesa. Mas a direita é que, normalmente, quer acabar com o Estado Social, para fazer da Saúde um negócio. Curioso é ser um ministro do PS a adoptar os mesmos métodos.
Ele é considerado um dos melhores especialistas na área da Saúde...
Isso é a sua maior virtude e defeito: resolve os problemas sem sensatez e sensibilidade social. Ele deveria saber que a existência de um médico, mesmo numa região isolada, dá uma segurança psicológica às pessoas. É caro? É! Mas isso conta. Um socialista não pode decidir apenas por razões economicistas. Sou utente do SNS e quero continuar a ser.
Utente ou... cliente?
Pois aí é que está! Você sabe que fui a um congresso de administradores hospitalares e a maioria dos oradores falava em clientes?! Disse-lhes logo: «Não estou a perceber esta linguagem. São cidadãos, utentes!» Na Saúde, com o peso cada vez maior dos privados e a continuar assim, o SNS ficará para pobres e o resto para ricos. Uma das formas de atacar o SNS é acabar com as carreiras médicas e transformar os funcionários públicos em assalariados por contrato individual. Flexigurança, está a ver? Entretanto, há centenas de médicos a sair do sector público e anunciam-se grandes investimentos nos privados. Esses grupos só investem por uma razão: sabem que a política actual conduz ao definhamento do SNS. Voltamos ao tempo de Salazar, com uma diferença: já não é preciso o atestado de indigência para ter atendimento gratuito.
Como se salva o SNS?
Segundo o Tribunal de Contas, há 25% de desperdício, dinheiro mal gasto. Reduzindo para metade temos mais uns anos de sustentabilidade. Depois, obrigar os profissionais da saúde a cumprir horários. Disciplinar horas extraordinárias, coisa que o ministro já está a fazer e bem. Mas entretanto dá-se um cheque para as pessoas serem operadas nos privados quando os blocos operatórios estão desertos, trabalham três ou quatro horas por dia. Afrontem interesses instalados, responsabilizem hierarquias e os trabalhadores da área da saúde.
No social, há sinais graves: nos supermercados pedem-se aparas de frango e as marmitas regressaram às empresas...
E aqui em Coimbra há muita gente a ir à sopa dos pobres! Tenho amigos no Banco Alimentar e como maçon sei a que carências a maçonaria tem acudido. Já não é só um problema de pobres, chegou ao empregado de escritório. É uma depressão económica e psíquica que abala os alicerces do País. Sobretudo quando, da parte de quem governa não há palavras de conforto nem um comportamento à medida do que o País precisa. Mesmo assim, há gastos sumptuários, grandes festas e inaugurações.
As pessoas também se endividam em nome de outros «valores»...
A banca tem grande responsabilidade no endividamento. O Governo que assuma a soberania! A banca tem uma função social importante, mas não pode ter lucros fabulosos, quase não pagar impostos, esfolar vivas as pessoas e ainda ir ver se há alguma coisa depois de mortas! No fundo, o capitalismo selvagem gerou novas formas de escravatura. Um país sozinho não pode defender-se disso, mas não me conformo: há uma verdadeira ditadura do capital sobre o trabalho. Nem Salazar permitiu o domínio do Estado pelos capitalistas.
ANTÓNIO ARNAUT, fundador do PS, ex-ministro dos Assuntos Sociais, maçon, 71 anos
«A geração que está no poder aprendeu com Maquiavel»
Voz escutada, militante socialista número 4, o «pai» do Serviço Nacional de Saúde arrasa PS e Governo. «O partido desviou-se tanto para a direita que, porventura, até estarei quase a sair», desabafa
Magoado, desiludido, afastou-se da política em meados da década de 1980. Advogado, antigo ministro dos Assuntos Sociais de Mário Soares, deixou marcas na Saúde. Combateu a ditadura, fundou o PS e liderou, até há pouco, a loja maçónica Grande Oriente Lusitano (GOL). Em Setembro, sairá o seu romance autobiográfico Rio de Sombras (Coimbra Editora), o qual poderá prestar-se a polémicas e revelações. Nesta entrevista, concedida no seu velho escritório de Coimbra, rodeado de símbolos da maçonaria, as palavras de António Arnaut não pedem licença...
Como olha para o PS, hoje?
O PS tem a alma a definhar. Ainda tem força interior, mas está disseminada por uns milhares de militantes sem voz. O partido está a perder alma e identidade. A continuar assim não pode chamar-se socialista, tem de mudar de nome.
A ideologia ainda conta?
Ainda faz sentido falar-se em socialismo! E de forma mais acutilante, embora o meu seja mais ético do que ideológico. Há novas formas de opressão, a própria União Europeia é uma congregação de multinacionais que têm no Conselho e na Comissão os seus representantes. O que resta da utopia socialista é o Estado Social. Por isso, é importante defendê-lo. O socialismo é encurtar diferenças sociais e reduzir desigualdades. No fundo, mudar a vida.
Não é o que tem sido feito, portanto?
Mesmo havendo circunstâncias atenuantes, a prática do PS não está à altura da sua responsabilidade. Ao reclamar-se socialista, assume um legado histórico e deve ser fiel a ele.
O PS trocou os cravos pela rosa. É mais do que uma metáfora?
Nada em política é por acaso. O vermelho é a cor histórica da esquerda, dos que querem transformar o mundo. E o PS até a bandeira vermelha trocou, agora usa brancas e amarelas! Já não há mercado para o vermelho [risos]...
Fala assim quem era um moderad...
Sempre fui moderado no PS. Hoje estou na extrema-esquerda e sou o mesmo! O partido desviou-se tanto para a direita que, porventura, até estarei quase a sair [risos]...
Ainda faz sentido estar no PS?
Diga-me lá para onde é que hei-de ir...
Não se sente uma espécie de tralha ideológica?
Pelo contrário! Procuro não falar muito, porque me dói, mas sou escutado. Tenho passado. E acredito que o PS ainda possa mudar.
O que diz esse passado à geração que manda no PS?
A renovação é uma lei da vida, mas muitos dos que mandam nos partidos não viveram nem estudaram o passado. Mesmo Sócrates – que aprecio em algumas facetas – não tem a vivência socialista que se exigiria a um líder do PS.
Como descreve a geração que está no poder?
É um produto das circunstâncias. Noto falta de cultura cívica. É gente sem reflexão sobre os comportamentos, a arte, a literatura e a história do nosso povo. A cultura é uma sabedoria que se recolhe da experiência vivida. Muitos deles não têm uma ideia para Portugal, não conhecem o País. Vivem do imediatismo, da conquista do poder. Conquistado, vivem para aguentá-lo. Esta geração vale-se mais da astúcia do que da seriedade. E aprendeu os ensinamentos de Maquiavel.
O que sente quando uma governante diz que só se pode dizer mal do PS em casa, na esquina do café e nos locais apropriados?
Até a senhora secretária de Estado da Saúde dizer isso ninguém sabia que ela existia. É um impropério! Ela não quis dizer aquilo, mas as palavras têm um significado. E o que ela disse está mal. Só mostra que muitos políticos são meros tecnocratas.
Não há um novo Portugal amordaçado?
Algumas pessoas acomodam-se, querem manter os seus lugares e tendem a bajular o chefe. Sem culpa do chefe. Nos casos que vieram a público há diferenças. A ser verdade o que é imputado ao professor Charrua, ele procedeu de forma eticamente censurável. Já em Vieira do Minho, eu teria feito o mesmo, só não punha o comentário na fotocópia. Aquilo teve piada! [risos] Um país sem humor não tem futuro. Um tipo com cultura tem humor! Basta ter lido o Eça. Deviam seguir o exemplo de Mário Soares, que tem humor e capacidade de encaixe. Quando o Soares era primeiro-ministro contava-se uma história engraçada. Ele tinha sido recebido pelo Papa – isto é verdade – e quando o Papa lhe perguntou se professava alguma religião, o Soares disse: «Sou socialista, mas não praticante»!
[Risos]...
Mas o Mário era o que mais se ria disto, sabia? No tempo em que meteu o socialismo na gaveta!
Continuando... Está ou não instalado um clima de bufaria? Não está! E mesmo que estivesse, o que é que o Sócrates tem a ver com isso?!
Diga-me...
Para esta comédia se transformar numa tragédia era preciso que os bufos fossem compensados como antigamente. Espero que não sejam!
Não há tiques de autoritarismo?
Houve uma coincidência de situações deprimentes. Não existe um clima de medo. A precariedade no trabalho é que tornou as pessoas subservientes.
E no poder, há mais papistas que o Papa?
Os bajuladores existem. Você habitua um cão e ele está-lhe sempre à perna. Mesmo que lhe bata! O cacique, por outro lado, já tem de ser alimentado de outra maneira. Precisa de umas iguarias e quer manter a máquina e o aparelho a funcionar. Conheço o caso de um sujeito que comprou o lugar. Deu dinheiro ao partido para ser deputado. E o PS aceitou, pô-lo na lista! A condição era estar lá seis meses para satisfazer a vaidade.
Quando foi isso?
Há anos. Eu ainda estava na política.
E isso agravou-se?
Sim, sim. Hoje está pior.
O que sente quando olha para o Parlamento?
Uma grande preocupação pelo futuro da democracia. Aquilo deveria ser o lugar de uma elite moral e intelectual. Mas para isso era preciso que as pessoas do povo fossem as «pedras vivas» de que falava António Sérgio. No meu romance autobiográfico, que sairá em Setembro, chamado Rio de Sombras, há um tipo que tem uma filosofia chamada Pantrampismo...
Pantrampismo?
Pantrampismo, tudo é trampa! Temos de viver com a trampa, mas escolher os espaços livres e limpos. Mesmo a Justiça já está contaminada pela corrupção e influências. E meto nisto a PJ, Ministério Público, juízes e advogados. A Justiça foi permeável aos ventos dominantes.
Ainda leva com um processo...
Só fui processado uma vez, pelo Salazar, por assinar uma carta de católicos. Agora, se tiver um processo também não há problema. Tenho razão e não pode haver processos contra a razão. Apesar dos desencantos, facadas e caneladas na política – tenho muitas cicatrizes na alma – acredito que uma pessoa séria ainda possa manter a integridade moral.
O PS do seu tempo está muito calado...
Alguns estão afastados, mas o Alegre, às vezes, levanta a sua voz. Eu ando por aí, na rua, no autocarro, falo com as pessoas. E elas tratam-me à maneira antiga, chamam-me camarada... Você sabe que às vezes ligo para o partido e me tratam por senhor doutor e professor?! Há tempos, irritei-me e disse: «Mas ouça lá, eu não estou a ligar para o PS?! Estou? Então trate-me por camarada!» A telefonista até rejubilou, mas disse-me: «Sabe, eles agora querem ser todos tratados por doutor e professor...»
Isso é que conta?
Não se pode só dar valor aos títulos académicos. A maioria dos políticos assumiu hoje um ar professoral e, não sendo eles professores, são tratados como tal. O tratamento por camarada tinha uma conotação romântica, fraterna, indicava um vínculo forte. Não se devia ser dirigente do PS sem conhecer o significado destes laços.
Que causas tem o PS?
O partido, mesmo governando em circunstâncias difíceis, ainda tem alma para impedir que alguns dirigentes tentem resvalar mais para a direita.
Não há marcas de esquerda neste Governo. Essas deviam estar no terreno social mas, como já vimos, os direitos sociais estão um pouco proscritos. Por exemplo: não considero uma marca de esquerda ter promovido o referendo ao aborto, apesar de ter votado sim. Marca de esquerda era cumprir a democracia política, social, económica e cultural. Dentro do Estado Social o direito à Saúde é fundamental. E aí as marcas não são de esquerda...
São de quê, então?
Até a direita critica pela esquerda a política de Saúde do PS! É absurdo, uma contradição, um escândalo! Não sei como se há-de chamar a isto!
O PS faz no Governo o que a direita teria vergonha?
O PS faz reformas que não devia. Se a direita fosse poder, não teria coragem de atacar o Serviço Nacional de Saúde [SNS] como o PS. E o PS, na oposição, não deixava!
Mas o que se passa, afinal?
Correia de Campos, camarada e amigo, foi meu conselheiro quando fui ministro dos Assuntos Sociais. Já nessa altura, era um grande técnico, de categoria internacional e...
Já tinha estas ideias?
Não! Estava muito à minha esquerda, eu é que tinha de o travar! Hoje tem ideias das quais discordo.
Quais?
O SNS é património insubstituível do povo e é dos melhores do mundo. Quanto melhor, maior a procura e a despesa. Mas a direita é que, normalmente, quer acabar com o Estado Social, para fazer da Saúde um negócio. Curioso é ser um ministro do PS a adoptar os mesmos métodos.
Ele é considerado um dos melhores especialistas na área da Saúde...
Isso é a sua maior virtude e defeito: resolve os problemas sem sensatez e sensibilidade social. Ele deveria saber que a existência de um médico, mesmo numa região isolada, dá uma segurança psicológica às pessoas. É caro? É! Mas isso conta. Um socialista não pode decidir apenas por razões economicistas. Sou utente do SNS e quero continuar a ser.
Utente ou... cliente?
Pois aí é que está! Você sabe que fui a um congresso de administradores hospitalares e a maioria dos oradores falava em clientes?! Disse-lhes logo: «Não estou a perceber esta linguagem. São cidadãos, utentes!» Na Saúde, com o peso cada vez maior dos privados e a continuar assim, o SNS ficará para pobres e o resto para ricos. Uma das formas de atacar o SNS é acabar com as carreiras médicas e transformar os funcionários públicos em assalariados por contrato individual. Flexigurança, está a ver? Entretanto, há centenas de médicos a sair do sector público e anunciam-se grandes investimentos nos privados. Esses grupos só investem por uma razão: sabem que a política actual conduz ao definhamento do SNS. Voltamos ao tempo de Salazar, com uma diferença: já não é preciso o atestado de indigência para ter atendimento gratuito.
Como se salva o SNS?
Segundo o Tribunal de Contas, há 25% de desperdício, dinheiro mal gasto. Reduzindo para metade temos mais uns anos de sustentabilidade. Depois, obrigar os profissionais da saúde a cumprir horários. Disciplinar horas extraordinárias, coisa que o ministro já está a fazer e bem. Mas entretanto dá-se um cheque para as pessoas serem operadas nos privados quando os blocos operatórios estão desertos, trabalham três ou quatro horas por dia. Afrontem interesses instalados, responsabilizem hierarquias e os trabalhadores da área da saúde.
No social, há sinais graves: nos supermercados pedem-se aparas de frango e as marmitas regressaram às empresas...
E aqui em Coimbra há muita gente a ir à sopa dos pobres! Tenho amigos no Banco Alimentar e como maçon sei a que carências a maçonaria tem acudido. Já não é só um problema de pobres, chegou ao empregado de escritório. É uma depressão económica e psíquica que abala os alicerces do País. Sobretudo quando, da parte de quem governa não há palavras de conforto nem um comportamento à medida do que o País precisa. Mesmo assim, há gastos sumptuários, grandes festas e inaugurações.
As pessoas também se endividam em nome de outros «valores»...
A banca tem grande responsabilidade no endividamento. O Governo que assuma a soberania! A banca tem uma função social importante, mas não pode ter lucros fabulosos, quase não pagar impostos, esfolar vivas as pessoas e ainda ir ver se há alguma coisa depois de mortas! No fundo, o capitalismo selvagem gerou novas formas de escravatura. Um país sozinho não pode defender-se disso, mas não me conformo: há uma verdadeira ditadura do capital sobre o trabalho. Nem Salazar permitiu o domínio do Estado pelos capitalistas.
domingo, abril 15
Universidade Independente sugere existência de certificados forjados
15.04.2007, Isabel Leiria
Documento que aceita transferência de Sócrates não foi assinado pelo reitor, ao contrário do que estabelecia a lei
A existência de dois certificados de habilitação com seis notas divergentes e distintas datas de conclusão da licenciatura (8 de Agosto de 1996 e 8 de Setembro de 1996, sendo que este último é o que consta do dossier do aluno José Sócrates emitido em 2003) levou a direcção da UnI a divulgar um comunicado no qual admite que alguns desses documentos "poderão ser forjados". E, "em prole da verdade e transparência", a direcção da universidade diz que vai apurar responsabilidades, lembrando que o processo de Sócrates, bem como o de outros antigos alunos com responsabilidades e notoriedade pública, se encontra depositado em cofre blindado, insusceptível de poder ser consultado sem a anuência de quem tutela esse resguardo.
Ontem, outros elementos relacionados com a licenciatura do primeiro-ministro vieram à luz do dia. O certificado de habilitações de José Sócrates, emitido pelos serviços da Universidade Independente (UnI) em Agosto de 1996 e enviado pelo próprio à Câmara da Covilhã em 2000, foi apresentado numa folha com um rodapé que identifica a instituição com números de telefone, fax e código postal inexistentes à data e que só vieram a ser adoptados em 1998 e 1999.
Estes dados constam na primeira de quatro folhas onde estão registadas as notas de José Sócrates durante a licenciatura em Engenharia Civil. Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete do primeiro-ministro esclarece que o certificado que atesta a conclusão do curso e que foi enviado à Câmara da Covilhã (à qual Sócrates se mantém vinculado) foi requerido pelo primeiro-ministro à UnI em 2000.
Nessa data já estavam em vigor os novos indicativos telefónicos e códigos postais. O gabinete do primeiro-ministro admite, por isso, que o certificado original possa ter sido copiado para uma folha timbrada da universidade na qual constariam já os endereços e contactos actualizados.
Carlos Pinto, presidente da Câmara da Covilhã, confirmou em declarações à Lusa o envio do certificado em Setembro de 2000, sublinhou que se tratava de uma segunda via que substituía um primeiro documento que acusava um erro ("em vez de ter "08/08/96" tinha como data de conclusão do curso "8/8/9"") e sustentou que se está perante "um falso problema".
Arouca não era reitor
Durante a entrevista à RTP, na passada quarta-feira, José Sócrates referiu--se por diversas vezes a Luiz Arouca como reitor na UnI e seu professor de Inglês Técnico. Mas no ano lectivo de 1995/1996 Luiz Arouca não era o reitor da instituição, mas sim Ernesto Jorge Fernandes Costa, actualmente professor catedrático do Universidade de Coimbra. É essa a informação que consta do seu currículo oficial e onde se lê que exerceu esse cargo "desde Junho de 1993 a Junho de 1996". A actual direcção da UnI também refere o dia de 3 de Junho de 1996 como a data em que Arouca tomou posse.
Mas foi Luiz Arouca quem assinou o documento, datado de 12 de Setembro de 1995 e dirigido a José Sócrates, em que se comunicava as cadeiras que o actual primeiro-ministro devia completar para obter a licenciatura. O ofício da UnI diz que "deliberou a Comissão Científica da Faculdade de Tecnologia propor-lhe a frequência e conclusão" de um conjunto de disciplinas, ficando a instituição a aguardar "um contacto e matrícula". Em baixo surge a assinatura de Luiz Arouca, mas sem referência a qualquer título.
O pedido de transferência para a UnI havia sido feito por Sócrates, através de uma carta não-datada, dirigida ao "Senhor Reitor da Universidade Independente". Em declarações ao Expresso, o gabinete do primeiro-ministro sublinha que o pedido de Sócrates foi dirigido ao reitor "sem referência à identidade do titular do cargo" e a resposta "transmitida por ofício em nome da Independente".
Questionado pelo Expresso sobre se tinha dado autorização para a transferência de Sócrates, Ernesto Costa não quis comentar. De acordo com a legislação em vigor, a decisão sobre a aceitação da transferência de um aluno competia ao reitor.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) admitiu, entretant,o alargar o leque de audições ao primeiro-ministro e a mais pessoas e instituições, com vista a averiguar a existência de alegadas pressões sobre os jornalistas por parte do Governo. com Margarida Gomes
Pequeno destaque em caixa com fundo que tambem pode servir de legenda para a fotografia do lado esquerdo
15.04.2007, Isabel Leiria
Documento que aceita transferência de Sócrates não foi assinado pelo reitor, ao contrário do que estabelecia a lei
A existência de dois certificados de habilitação com seis notas divergentes e distintas datas de conclusão da licenciatura (8 de Agosto de 1996 e 8 de Setembro de 1996, sendo que este último é o que consta do dossier do aluno José Sócrates emitido em 2003) levou a direcção da UnI a divulgar um comunicado no qual admite que alguns desses documentos "poderão ser forjados". E, "em prole da verdade e transparência", a direcção da universidade diz que vai apurar responsabilidades, lembrando que o processo de Sócrates, bem como o de outros antigos alunos com responsabilidades e notoriedade pública, se encontra depositado em cofre blindado, insusceptível de poder ser consultado sem a anuência de quem tutela esse resguardo.
Ontem, outros elementos relacionados com a licenciatura do primeiro-ministro vieram à luz do dia. O certificado de habilitações de José Sócrates, emitido pelos serviços da Universidade Independente (UnI) em Agosto de 1996 e enviado pelo próprio à Câmara da Covilhã em 2000, foi apresentado numa folha com um rodapé que identifica a instituição com números de telefone, fax e código postal inexistentes à data e que só vieram a ser adoptados em 1998 e 1999.
Estes dados constam na primeira de quatro folhas onde estão registadas as notas de José Sócrates durante a licenciatura em Engenharia Civil. Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete do primeiro-ministro esclarece que o certificado que atesta a conclusão do curso e que foi enviado à Câmara da Covilhã (à qual Sócrates se mantém vinculado) foi requerido pelo primeiro-ministro à UnI em 2000.
Nessa data já estavam em vigor os novos indicativos telefónicos e códigos postais. O gabinete do primeiro-ministro admite, por isso, que o certificado original possa ter sido copiado para uma folha timbrada da universidade na qual constariam já os endereços e contactos actualizados.
Carlos Pinto, presidente da Câmara da Covilhã, confirmou em declarações à Lusa o envio do certificado em Setembro de 2000, sublinhou que se tratava de uma segunda via que substituía um primeiro documento que acusava um erro ("em vez de ter "08/08/96" tinha como data de conclusão do curso "8/8/9"") e sustentou que se está perante "um falso problema".
Arouca não era reitor
Durante a entrevista à RTP, na passada quarta-feira, José Sócrates referiu--se por diversas vezes a Luiz Arouca como reitor na UnI e seu professor de Inglês Técnico. Mas no ano lectivo de 1995/1996 Luiz Arouca não era o reitor da instituição, mas sim Ernesto Jorge Fernandes Costa, actualmente professor catedrático do Universidade de Coimbra. É essa a informação que consta do seu currículo oficial e onde se lê que exerceu esse cargo "desde Junho de 1993 a Junho de 1996". A actual direcção da UnI também refere o dia de 3 de Junho de 1996 como a data em que Arouca tomou posse.
Mas foi Luiz Arouca quem assinou o documento, datado de 12 de Setembro de 1995 e dirigido a José Sócrates, em que se comunicava as cadeiras que o actual primeiro-ministro devia completar para obter a licenciatura. O ofício da UnI diz que "deliberou a Comissão Científica da Faculdade de Tecnologia propor-lhe a frequência e conclusão" de um conjunto de disciplinas, ficando a instituição a aguardar "um contacto e matrícula". Em baixo surge a assinatura de Luiz Arouca, mas sem referência a qualquer título.
O pedido de transferência para a UnI havia sido feito por Sócrates, através de uma carta não-datada, dirigida ao "Senhor Reitor da Universidade Independente". Em declarações ao Expresso, o gabinete do primeiro-ministro sublinha que o pedido de Sócrates foi dirigido ao reitor "sem referência à identidade do titular do cargo" e a resposta "transmitida por ofício em nome da Independente".
Questionado pelo Expresso sobre se tinha dado autorização para a transferência de Sócrates, Ernesto Costa não quis comentar. De acordo com a legislação em vigor, a decisão sobre a aceitação da transferência de um aluno competia ao reitor.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) admitiu, entretant,o alargar o leque de audições ao primeiro-ministro e a mais pessoas e instituições, com vista a averiguar a existência de alegadas pressões sobre os jornalistas por parte do Governo. com Margarida Gomes
Pequeno destaque em caixa com fundo que tambem pode servir de legenda para a fotografia do lado esquerdo
sábado, abril 14
Certificados de Sócrates com notas e datas diferentes
14.04.2007, Ricardo Dias Felner
Notas enviadas por Luís Arouca
para Câmara da Covilhã são divergentes das que constam no certificado mostrado na RTP
Um certificado de habilitações de José Sócrates, cujo original está na posse da Câmara Municipal da Covilhã, não coincide com o certificado que consta do seu dossier de aluno na Universidade Independente (UnI) e que foi revelado na RTP, na quarta-feira, pelo próprio primeiro--ministro.
Esse documento, a que o PÚBLICO teve acesso, apresenta seis notas divergentes com as que surgem no certificado que José Sócrates mostrou na Grande Entrevista, e que é igual ao que o PÚBLICO consultou na UnI.
Acresce que também as datas não coincidem. No certificado da Covilhã - emitido a 26 de Agosto de 1996 e que teve por objectivo a reclassificação de José Sócrates enquanto funcionário do quadro daquela autarquia - é referido que o então secretário de Estado adjunto do Ambiente "concluiu" a licenciatura a 8 de Agosto de 1996.
Por sua vez, no certificado da UnI, emitido a 17 de Junho de 2003, lê-se que a conclusão do curso ocorreu a 8 de Setembro de 1996 - ou seja, um mês depois da data indicada no outro documento.
Na entrevista concedida à RTP, o primeiro-ministro validou esta data como sendo a correcta. Contactado pela TVI, o gabinete de José Sócrates admitiu, contudo, que o primeiro-
-ministro possa ter sido induzido em erro, tendo por base o último certificado da Independente. E que a data correcta para o termo da licenciatura é mesmo a do certificado que foi enviado para a Covilhã.
Há, contudo, neste documento outros dados que não estão de acordo com os certificados dos três estabelecimentos de ensino por onde Sócrates passou: o Instituto Superior de Engenharia de Coimbra (ISEC), o Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL) e a UnI.
Comparando os três documentos, resulta que o certificado da Covilhã dá como tendo sido feitas na UnI duas cadeiras - Computação Numérica, do 2.º ano, e Investigação Operacional, do 3.º - que foram sim concluídas no ISEC e no ISEL.
A cadeira de Computação Numérica tem ainda outro problema: ao contrário do que lá está registado, a nota final não foi de 14 valores mas sim de 15 (valor que se mantém correcto no certificado final da licenciatura, inserido no dossier de aluno de Sócrates na UnI).
A discrepância de notas repete-se em mais cinco cadeiras: a Mecânica dos Fluidos surge a nota 13, quando no certificado da UnI a avaliação é de 11; a Análise de Estruturas a nota é 18, sobe um ponto; a Betão Armado e Pré-Esforçado registam-se 17 valores, menos um ponto do que no certificado da UnI; a Geologia Aplicada a nota é 16, mais um ponto; e a Projecto e Dissertação a avaliação é de 17, menos um ponto.
As notas agora reveladas pelo certificado enviado para a Câmara Municipal da Covilhã correspondem às notas inscritas numa folha, apresentada como pauta ao PÚBLICO, que faz parte do dossier de aluno de José Sócrates. Na primeira investigação publicada sobre o caso no PÚBLICO, no dia 22 de Março, já se dava conta das divergências de notas registadas nessa pauta e no certificado de habilitações que também constava do processo.
14.04.2007, Ricardo Dias Felner
Notas enviadas por Luís Arouca
para Câmara da Covilhã são divergentes das que constam no certificado mostrado na RTP
Um certificado de habilitações de José Sócrates, cujo original está na posse da Câmara Municipal da Covilhã, não coincide com o certificado que consta do seu dossier de aluno na Universidade Independente (UnI) e que foi revelado na RTP, na quarta-feira, pelo próprio primeiro--ministro.
Esse documento, a que o PÚBLICO teve acesso, apresenta seis notas divergentes com as que surgem no certificado que José Sócrates mostrou na Grande Entrevista, e que é igual ao que o PÚBLICO consultou na UnI.
Acresce que também as datas não coincidem. No certificado da Covilhã - emitido a 26 de Agosto de 1996 e que teve por objectivo a reclassificação de José Sócrates enquanto funcionário do quadro daquela autarquia - é referido que o então secretário de Estado adjunto do Ambiente "concluiu" a licenciatura a 8 de Agosto de 1996.
Por sua vez, no certificado da UnI, emitido a 17 de Junho de 2003, lê-se que a conclusão do curso ocorreu a 8 de Setembro de 1996 - ou seja, um mês depois da data indicada no outro documento.
Na entrevista concedida à RTP, o primeiro-ministro validou esta data como sendo a correcta. Contactado pela TVI, o gabinete de José Sócrates admitiu, contudo, que o primeiro-
-ministro possa ter sido induzido em erro, tendo por base o último certificado da Independente. E que a data correcta para o termo da licenciatura é mesmo a do certificado que foi enviado para a Covilhã.
Há, contudo, neste documento outros dados que não estão de acordo com os certificados dos três estabelecimentos de ensino por onde Sócrates passou: o Instituto Superior de Engenharia de Coimbra (ISEC), o Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL) e a UnI.
Comparando os três documentos, resulta que o certificado da Covilhã dá como tendo sido feitas na UnI duas cadeiras - Computação Numérica, do 2.º ano, e Investigação Operacional, do 3.º - que foram sim concluídas no ISEC e no ISEL.
A cadeira de Computação Numérica tem ainda outro problema: ao contrário do que lá está registado, a nota final não foi de 14 valores mas sim de 15 (valor que se mantém correcto no certificado final da licenciatura, inserido no dossier de aluno de Sócrates na UnI).
A discrepância de notas repete-se em mais cinco cadeiras: a Mecânica dos Fluidos surge a nota 13, quando no certificado da UnI a avaliação é de 11; a Análise de Estruturas a nota é 18, sobe um ponto; a Betão Armado e Pré-Esforçado registam-se 17 valores, menos um ponto do que no certificado da UnI; a Geologia Aplicada a nota é 16, mais um ponto; e a Projecto e Dissertação a avaliação é de 17, menos um ponto.
As notas agora reveladas pelo certificado enviado para a Câmara Municipal da Covilhã correspondem às notas inscritas numa folha, apresentada como pauta ao PÚBLICO, que faz parte do dossier de aluno de José Sócrates. Na primeira investigação publicada sobre o caso no PÚBLICO, no dia 22 de Março, já se dava conta das divergências de notas registadas nessa pauta e no certificado de habilitações que também constava do processo.
Sócrates esteve inscrito na Lusíada durante quatro anos mas não fez nenhuma cadeira
14.04.2007
Sócrates desistiu logo após o início das aulas e, em Outubro de 1989, pediu reingresso e manteve-se inscrito até ao final do ano
a O primeiro-ministro, José Sócrates, estudou Direito na Universidade Lusíada, em Lisboa, entre 1987 e 1993, ainda que não tenha concluído nenhuma cadeira do primeiro ano, revelou ontem a TVI. Esta informação nunca tinha sido tornada pública pelo primeiro-ministro.
Segundo a estação de televisão, José Sócrates, então deputado do PS, entregou a sua candidatura ao curso de Direito da Universidade Lusíada em 28 de Outubro de 1987, tendo-se matriculado no dia 6 de Novembro do mesmo ano. Foi-lhe atribuído o número de aluno 1289/87.
No ano lectivo seguinte, Sócrates desistiu logo após o início das aulas e, em Outubro de 1989, pediu reingresso e manteve-se inscrito até ao final do ano. Nos anos lectivos seguintes - 1990/91 e 1991/92 -, José Sócrates não se matriculou, tendo voltado à Lusíada em 10 de Setembro de 1992, quando pediu reingresso.
O gabinete do primeiro-ministro já confirmou esta informação à TVI e também ao Sol, adiantando apenas a este semanário que Sócrates desistiu daquele curso por razões pessoais, não tendo nunca chegado a fazer qualquer exame.
Na entrevista desta semana à RTP, em que prestou esclarecimentos sobre o seu percurso académico, o primeiro-ministro não fez qualquer referência à sua passagem pela Universidade Lusíada.
Sócrates foi eleito, pela primeira vez, deputado em 1987. Na altura, o socialista tinha como habilitações académicas o bacharelato em Engenharia Civil pelo Instituto Superior de Engenharia de Coimbra.
Depois da passagem pela Lusíada, Sócrates viria anos mais tarde a inscrever-se no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, que frequentou durante um ano lectivo. Em 1995/1996 pediu transferência para a Universidade Independente para concluir a licenciatura em Engenharia Civil.
14.04.2007
Sócrates desistiu logo após o início das aulas e, em Outubro de 1989, pediu reingresso e manteve-se inscrito até ao final do ano
a O primeiro-ministro, José Sócrates, estudou Direito na Universidade Lusíada, em Lisboa, entre 1987 e 1993, ainda que não tenha concluído nenhuma cadeira do primeiro ano, revelou ontem a TVI. Esta informação nunca tinha sido tornada pública pelo primeiro-ministro.
Segundo a estação de televisão, José Sócrates, então deputado do PS, entregou a sua candidatura ao curso de Direito da Universidade Lusíada em 28 de Outubro de 1987, tendo-se matriculado no dia 6 de Novembro do mesmo ano. Foi-lhe atribuído o número de aluno 1289/87.
No ano lectivo seguinte, Sócrates desistiu logo após o início das aulas e, em Outubro de 1989, pediu reingresso e manteve-se inscrito até ao final do ano. Nos anos lectivos seguintes - 1990/91 e 1991/92 -, José Sócrates não se matriculou, tendo voltado à Lusíada em 10 de Setembro de 1992, quando pediu reingresso.
O gabinete do primeiro-ministro já confirmou esta informação à TVI e também ao Sol, adiantando apenas a este semanário que Sócrates desistiu daquele curso por razões pessoais, não tendo nunca chegado a fazer qualquer exame.
Na entrevista desta semana à RTP, em que prestou esclarecimentos sobre o seu percurso académico, o primeiro-ministro não fez qualquer referência à sua passagem pela Universidade Lusíada.
Sócrates foi eleito, pela primeira vez, deputado em 1987. Na altura, o socialista tinha como habilitações académicas o bacharelato em Engenharia Civil pelo Instituto Superior de Engenharia de Coimbra.
Depois da passagem pela Lusíada, Sócrates viria anos mais tarde a inscrever-se no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, que frequentou durante um ano lectivo. Em 1995/1996 pediu transferência para a Universidade Independente para concluir a licenciatura em Engenharia Civil.
segunda-feira, abril 9
Este homem cortou a cabeça a George Bush
05.04.2007, Kathleen Gomes (texto) e Rui Gaudêncio (foto)
Um dos mais prestigiados fotojornalistas de guerra, Christopher Morris, explica como ultrapassou a sua irritação com Bush (enfim, não completamente) e aprendeu a gostar do Presidente americano.
Kathleen Gomes (texto) e Rui Gaudêncio (foto)
"Tenho que ter cuidado com o que digo", afirma Christopher Morris, para, logo a seguir, não ter cuidado nenhum com o que diz. Sobre George W. Bush - "o assunto favorito dele", diz a mulher, Vesna, que também está à escuta - e a sua política.
O Presidente americano é a pessoa que Morris mais vê ao longo do ano: pouco antes do 11 de Setembro de 2001 foi contratado pela Time para ser um dos fotógrafos-correspondentes da revista na Casa Branca.
Subitamente, depois de quase 20 anos a fotografar a guerra onde quer que ela estivesse - Afeganistão, Panamá, Haiti, Koweit, ex-Jugoslávia, Tchechénia, Coreia do Norte, Somália, Iraque, etc. -, Christopher Morris tinha pela frente a perspectiva de seguir o mesmo homem de fato durante anos e anos. Ele estava lá quando Bush era Deus na América (e diabo no resto do mundo) e viu que isso podia dar um livro (o seu primeiro).
My America, não se assustem, é versão republicana e estilizada dos travelogues de Stephen Shore nos anos 70 pela paisagem norte-americana (o lado estático, inquietante, das suas figuras humanas, e uma certa qualidade cinemática também evocam Gregory Crewdson).
Morris esteve há dias em Lisboa, para falar do seu trabalho num ciclo de fotojornalismo que decorreu na ETIC (Escola Técnica de Imagem e Comunicação). Numa esplanada à beira do Tejo, o homem que cortou a cabeça a George W. Bush falou com o P2.
PÚBLICO - Como é que um clássico fotojornalista de guerra acaba a fotografar o Presidente americano?
CHRISTOPHER MORRIS - No meu caso, foi por causa da família. Em 2000, quando a minha filha mais velha fez dois anos, percebi que não era justo para ela nem para a minha mulher eu continuar a fazer fotografia de guerra. Além disso, os dois fotógrafos da Time que tinham coberto a Casa Branca nos últimos 30 anos iam reformar-se e perguntaram-me se eu estaria interessado em fazer esse trabalho. Até aí eu não tinha fotografado nada na América. No início estava um pouco apreensivo em aceitar porque, basicamente, tudo o que há para fotografar são homens de fato, políticos. Mas depois do 11 de Setembro tornou-se muito interessante.
Porquê?
Porque vi uma nação a ficar absorvida em si mesma. E o ambiente de medo e paranóia: era como uma nação zombie a ser seduzida por um governo. Julgo que não teria gostado de cobrir Al Gore se ele tivesse ganho [as eleições], ou John Kerry - eles teriam sido presidentes horríveis para eu documentar. Ao passo que George W. Bush é muito estimulante por ser tão apreciado em todo o mundo [risos].
Ser fotógrafo na Casa Branca não é o oposto do fotojornalismo de guerra?
É. É tudo muito controlado e artificial. Dizem-nos onde devemos estar, quando sair.
E não deixa de ser fotojornalismo?
Não. Não sou eu que controlo ou enceno o acontecimento - são outros e eu limito-me a documentar a realidade deles. E depois, há muitas coisas a acontecer à volta do Presidente que não têm nada a ver com o Presidente. Quando se fotografa o mesmo homem seis meses por ano durante cinco ou seis anos, é preciso procurar mais alguma coisa. Acabei por ficar fascinado, acho que me tornou um melhor fotógrafo...
A sério?
Sim. A fotografia de guerra é muito simples: a imagem está lá; se nos pusermos no sítio certo, não temos de trabalhar muito por ela. Mas fazer o que eu faço em política é muito difícil. É mais difícil encontrar a fotografia, o desafio é maior. É fácil fazer com que um homem com uma arma apontada a alguém pareça interessante, mas é muito difícil que um homem num fato pareça interessante.
O facto de ter coberto a guerra do Iraque em 2003 influenciou de alguma maneira o seu olhar sobre o Presidente quando voltou?
Foi muito curioso estar em Washington e assistir ao crescendo que levou à guerra, ouvir os discursos de muito perto todos os dias e depois partir para a guerra, e depois regressar e ter de ouvir mais discursos sobre o Iraque. Por ter uma experiência profissional mais internacional e ter passado tanto tempo no estrangeiro, julgo ter uma perspectiva sobre a guerra diferente do americano médio ou dos políticos americanos. Os americanos estão muito isolados num certo sentido. O governo está muito isolado, Bush está muito isolado... Foi aí que tive a ideia de fazer o livro My America. Porque vi esta espécie de nação zombie, envolta na bandeira, no patriotismo, no nacionalismo... Vi Bush a falar na TV há dois dias e ele continua a classificar o Iraque como "guerra ao terrorismo" - até hoje. O Congresso queria diminuir o financiamento da guerra e trazer as nossas tropas para casa em 2008, e Bush a insistir que, ao fazê-lo, estão a cortar o financiamento da guerra ao terrorismo. E muitos americanos engolem isso. Menos agora do que antes, é certo: muitos começam a perceber que o Iraque não teve nada a ver com a guerra ao terrorismo. Talvez agora tenha a ver, mas fomos nós que criámos os terroristas com as nossas acções.
Passar tanto tempo com Bush e a sua comitiva não implica um acordo mútuo, explícito ou implícito, uma certa interdependência?
Completamente. Passamos tanto tempo com as pessoas que se encarregam de nós que, basicamente, nos tornamos amigos. Elas têm de confiar em nós, têm de estar seguras de que não lhes vamos passar uma rasteira. E nós temos de alinhar nisso para ganhar algum acesso. Mas isso não quer dizer que não fazemos fotografias pouco simpáticas. Por exemplo, se eu souber que a história da semana ou do mês é qualquer coisa muito grave relacionada com a guerra, vou procurar captar o Presidente com uma determinada expressão. Em vez de o ter de cabeça erguida, a sorrir, posso fotografá-lo cabisbaixo, com um ar pensativo, absorto. Quando se é fotógrafo, está-se sempre a editar para que a imagem coincida com a história ou o ambiente que dominou o dia. E ultimamente isso tem sido mais fácil porque a guerra está a correr muito mal. Antes só se publicavam fotografias muito patrióticas do Presidente, aquela imagem do cowboy. Agora é mais a imagem de alguém derrotado e infeliz.
O facto de ele ser uma figura controversa facilita ou dificulta o seu trabalho?
Facilita. Não estou a compará-lo com isso, mas se me perguntar que líderes mundiais é que eu gostaria de fotografar, documentar, se tivesse sido fotógrafo na década de 1940, dir-lhe-ia: os controversos.
Hitler?
Adoraria poder documentar Hitler. Se concordo com a política dele? Serei um fascista? Não, mas teria gostado de passar seis meses a viajar com ele. Não estou a tentar comparar Bush com o estadista alemão desse período, mas ele é bastante polémico. O que é singular é que ele é tão detestado no mundo inteiro e, ao mesmo tempo, era como um Deus na América. Em 2003-2005, tudo o que ele fizesse era inquestionável. As pessoas choravam quando ele pisava um palco. Testemunhar isso, ver a adoração, o culto à volta deste homem sabendo que o resto do mundo pensa que ele é o mal em pessoa, pode ser muito fascinante. Eu ia aos comícios e ficava de cabelos em pé. Toda a gente a cantar o hino nacional, a rezar, "Deus abençoe o nosso Presidente e as nossas tropas"...
Portanto, quando toda a gente tinha dúvidas, você tinha a certeza de que ele seria reeleito em 2004?
Não. Mas sorri quando isso aconteceu. Não votei nele. Mas, de certa forma, fiquei feliz por ele ser reeleito.
Um realizador israelita, Avi Mograbi, fez um filme sobre o ex-primeiro-ministro Ariel Sharon, intitulado How I Learned to Overcome My Fear and Love Arik Sharon [Como Aprendi a Ultrapassar o Meu Medo e Amar Arik Sharon, numa tradução literal]. A ideia era estar "tão perto quanto possível" de Sharon "no momento em que o monstro dentro dele saísse cá para fora". Só que, em vez do monstro, encontrou uma figura com a qual se pode simpatizar. Isto soa-lhe familiar?
Sim. Quando comecei a fotografar George Bush em 2000, não gostava nada do homem. Eu via aquilo que toda a gente vê na TV e isso irritava-me. Mas agora as pessoas perguntam-me e eu digo: "Não, eu gosto do gajo". Acho que ele tem sido um Presidente terrível, mas ao nível pessoal gosto dele. E não é fácil admitir isso.
Sente uma certa ambiguidade em relação à figura.
Sim, porque tenho de estar ali sentado a ouvir aqueles discursos dele, aquela doutrinação da nação da qual discordo. Mas simpatizo com ele.
Ele comentou alguma vez as suas fotografias?
Se são fotografias de que gosta, ele espeta o polegar e diz: "Boa foto". Estou certo de que se ele não gosta de uma fotografia provavelmente faz uma careta qualquer [risos]. É muito fácil olhar para ele e perceber se está bem-disposto ou não.
Como fotógrafo da Casa Branca, há certas rotinas, certas obrigações que tem de cumprir? Quantas vezes por semana tem de estar na Casa Branca?
Vou lá todos os dias, é como um emprego. Eu trabalho para a revista Time, não trabalho para a Casa Branca, mas todos os dias tenho de lá ir. Um chefe de Estado estrangeiro pode visitar Bush, há um momento em que eles posam para as câmaras na Sala Oval, fazemos isso, talvez haja um discurso sobre o sistema de saúde, fazemos isso - é como um emprego diário. Quando se é um fotógrafo de guerra freelance, nunca se sabe quando é que há trabalho. Pagar as contas implica sempre partir em busca de uma guerra para fotografar. Isto é como um emprego a sério, seis dias por semana.
Alguma vez receou ser conotado como "fotógrafo de Bush", apesar do vasto trabalho que tem para trás como fotojornalista de guerra?
Não, porque conheço o meu trabalho. Não estou a vender o Presidente, estou a documentar este período na América. Historicamente, é uma presidência muito importante, que se vai destacar mais do que outras. Mais do que Clinton, mais do que o seu pai. Oito anos de George W. Bush afectaram realmente o mundo.
Acaba de publicar o seu primeiro livro, com fotografias que tirou ao cobrir Bush. Por que lhe chamou My America? É uma América tão republicana e nacionalista...
Passei os últimos cinco anos a ver uma América republicana, era tudo o que eu via. Na minha América não havia lixo, não havia pessoas sem-abrigo, não havia minorias, é como uma sociedade pura. E eu procuro mostrar que tudo está em ordem, tudo está limpo - é o perfeito e utópico mundo republicano. Digo que é "a minha América" porque foi o que vivi. Existe outra América, há toda uma parte do país que não votou [no Partido] Republicano, mas eu nunca a vi. Quando se viaja com o Presidente, está-se numa pequena bolha imaculada. Aonde quer que se vá, as ruas estão limpas, há bandeiras nas casas, as fábricas foram pintadas de fresco, tudo é perfeito.
Sim, mas ao dizer My America, "a minha América", está a sugerir que se identifica com ela, que se reconhece nela.
Sim, e eu queria isso, queria que as pessoas perguntassem: "O que é isto? É realmente a América dele?" Esses três anos que estão no livro são o que a América foi para mim. Quase não há texto no livro - originalmente, eu tinha um texto em que mostrava o meu jogo, explicava o que estava a fazer. Mas apercebi-me de que não podia publicá-lo porque não queria que fossem as palavras a formar as opiniões das pessoas. Queria que as fotografias falassem por si próprias, que provocassem emoções. Por exemplo, os europeus olham para elas e vêem uma América muito assustadora. Mas um republicano pode vê-las e achar que é tudo muito bonito e perfeito.
Pessoas como Lynne Cheney [mulher do vice-presidente americano Dick Cheney] ou Cherie Blair surgem fotografadas de uma forma nada lisonjeira. Pelo contrário: as suas cabeças estão cortadas e há nelas uma opulência que é retratada com acidez. Como é que conseguiu fazer isto sem ser preso [risos]?
Elas não podem fazer grande coisa, uma vez que são figuras públicas e eu faço parte de uma pool muito restrita [de jornalistas] que tem de estar muito perto. Não é como se elas pudessem dizer: "Não me tire fotografias". São como peixes num aquário. O meu plano [na fotografia de Cherie Blair] era fotografar os sapatos, eu estava muito interessado nos sapatos republicanos, que são muito caros. O passeio era em mármore e eu estava a tentar mostrar os sapatos no mármore, mesmo sem saber quem é que ia sair do carro. Eu esperava que fosse a primeira dama, mas acabou por ser Cherie Blair. Basicamente eu estava a focar os sapatos e não queria apanhar o rosto porque, se o fizesse, ninguém iria reparar nos sapatos. E ela como que transbordou do carro. Mas depois tive logo que recuar e fotografá-la de corpo inteiro, senão teria problemas com a minha revista...
A Casa Branca viu o seu livro?
Eles até o têm nos seus gabinetes...
Como um álbum de mesa de sala...
Como um álbum de mesa de sala. Acho que quando voltar, desta vez vou assinar um exemplar do livro e fazer com que o entreguem ao Presidente. Estou curioso para ver a reacção dele.
Ou seja, eles gostaram do livro.
Sim. Aquilo são eles. E eles estão muito confortáveis consigo mesmos. Se eu os tivesse fotografado de calções, T-shirt e boné de basebol, teriam detestado. Mas estão a usar um fato!
Qual foi a reacção do lado anti-Bush ao livro?
Quando mostrei o trabalho em Nova Iorque, por exemplo, que é bastante mais liberal, eles assustaram-se e ficaram muito aborrecidos por eu lhe ter chamado My America. "Porque não é a América, não é a minha América..."
George Bush vai deixar a Casa Branca em 2009. Já sabe o que vai fazer depois?
Não. Espero que Barack Obama ganhe. É o único, de todos os candidatos, que eu gostaria realmente de cobrir, com o mesmo entusiasmo que tive em relação a Bush. Mas se for Hillary ou Rudolph Giuliani... Não seria tão interessante.
O seu pai é republicano. Como é que ele se sente por ter um filho que fotografa o Presidente?
Muito orgulhoso. É a melhor coisa que me aconteceu na vida, segundo ele. Mas, quando viu o livro ficou, à beira das lágrimas. Para ele, era o pior trabalho de fotografia que eu alguma vez fizera na vida. "Onde está o Presidente? Porque é que lhe cortaste a cabeça?" São todos republicanos, à excepção da minha mãe. O meu pai, a minha irmã... Têm autocolantes do Bush no carro e um pequeno santuário em casa com parafernália do Bush...
Para saber mais
www.viiphoto.com/photographer.html
A agência de Morris, a reputada VII. Contém uma biografia e várias fotografias de Morris ao longo do seu percurso.
www.hastedhunt.com/photos.php?a=christopher_morris&i=56641
Inclui 22 fotografias de My America.
www.time.com/time/photoessays/iraq2003/morris/1.html
Portfolio da cobertura que Morris fez em Março e Abril de 2003, no início da ofensiva americana no Iraque.
www.time.com/time/personoftheyear/2004/photoessay
Portfolio para a revista Time sobre o quotidiano do Presidente Bush.
05.04.2007, Kathleen Gomes (texto) e Rui Gaudêncio (foto)
Um dos mais prestigiados fotojornalistas de guerra, Christopher Morris, explica como ultrapassou a sua irritação com Bush (enfim, não completamente) e aprendeu a gostar do Presidente americano.
Kathleen Gomes (texto) e Rui Gaudêncio (foto)
"Tenho que ter cuidado com o que digo", afirma Christopher Morris, para, logo a seguir, não ter cuidado nenhum com o que diz. Sobre George W. Bush - "o assunto favorito dele", diz a mulher, Vesna, que também está à escuta - e a sua política.
O Presidente americano é a pessoa que Morris mais vê ao longo do ano: pouco antes do 11 de Setembro de 2001 foi contratado pela Time para ser um dos fotógrafos-correspondentes da revista na Casa Branca.
Subitamente, depois de quase 20 anos a fotografar a guerra onde quer que ela estivesse - Afeganistão, Panamá, Haiti, Koweit, ex-Jugoslávia, Tchechénia, Coreia do Norte, Somália, Iraque, etc. -, Christopher Morris tinha pela frente a perspectiva de seguir o mesmo homem de fato durante anos e anos. Ele estava lá quando Bush era Deus na América (e diabo no resto do mundo) e viu que isso podia dar um livro (o seu primeiro).
My America, não se assustem, é versão republicana e estilizada dos travelogues de Stephen Shore nos anos 70 pela paisagem norte-americana (o lado estático, inquietante, das suas figuras humanas, e uma certa qualidade cinemática também evocam Gregory Crewdson).
Morris esteve há dias em Lisboa, para falar do seu trabalho num ciclo de fotojornalismo que decorreu na ETIC (Escola Técnica de Imagem e Comunicação). Numa esplanada à beira do Tejo, o homem que cortou a cabeça a George W. Bush falou com o P2.
PÚBLICO - Como é que um clássico fotojornalista de guerra acaba a fotografar o Presidente americano?
CHRISTOPHER MORRIS - No meu caso, foi por causa da família. Em 2000, quando a minha filha mais velha fez dois anos, percebi que não era justo para ela nem para a minha mulher eu continuar a fazer fotografia de guerra. Além disso, os dois fotógrafos da Time que tinham coberto a Casa Branca nos últimos 30 anos iam reformar-se e perguntaram-me se eu estaria interessado em fazer esse trabalho. Até aí eu não tinha fotografado nada na América. No início estava um pouco apreensivo em aceitar porque, basicamente, tudo o que há para fotografar são homens de fato, políticos. Mas depois do 11 de Setembro tornou-se muito interessante.
Porquê?
Porque vi uma nação a ficar absorvida em si mesma. E o ambiente de medo e paranóia: era como uma nação zombie a ser seduzida por um governo. Julgo que não teria gostado de cobrir Al Gore se ele tivesse ganho [as eleições], ou John Kerry - eles teriam sido presidentes horríveis para eu documentar. Ao passo que George W. Bush é muito estimulante por ser tão apreciado em todo o mundo [risos].
Ser fotógrafo na Casa Branca não é o oposto do fotojornalismo de guerra?
É. É tudo muito controlado e artificial. Dizem-nos onde devemos estar, quando sair.
E não deixa de ser fotojornalismo?
Não. Não sou eu que controlo ou enceno o acontecimento - são outros e eu limito-me a documentar a realidade deles. E depois, há muitas coisas a acontecer à volta do Presidente que não têm nada a ver com o Presidente. Quando se fotografa o mesmo homem seis meses por ano durante cinco ou seis anos, é preciso procurar mais alguma coisa. Acabei por ficar fascinado, acho que me tornou um melhor fotógrafo...
A sério?
Sim. A fotografia de guerra é muito simples: a imagem está lá; se nos pusermos no sítio certo, não temos de trabalhar muito por ela. Mas fazer o que eu faço em política é muito difícil. É mais difícil encontrar a fotografia, o desafio é maior. É fácil fazer com que um homem com uma arma apontada a alguém pareça interessante, mas é muito difícil que um homem num fato pareça interessante.
O facto de ter coberto a guerra do Iraque em 2003 influenciou de alguma maneira o seu olhar sobre o Presidente quando voltou?
Foi muito curioso estar em Washington e assistir ao crescendo que levou à guerra, ouvir os discursos de muito perto todos os dias e depois partir para a guerra, e depois regressar e ter de ouvir mais discursos sobre o Iraque. Por ter uma experiência profissional mais internacional e ter passado tanto tempo no estrangeiro, julgo ter uma perspectiva sobre a guerra diferente do americano médio ou dos políticos americanos. Os americanos estão muito isolados num certo sentido. O governo está muito isolado, Bush está muito isolado... Foi aí que tive a ideia de fazer o livro My America. Porque vi esta espécie de nação zombie, envolta na bandeira, no patriotismo, no nacionalismo... Vi Bush a falar na TV há dois dias e ele continua a classificar o Iraque como "guerra ao terrorismo" - até hoje. O Congresso queria diminuir o financiamento da guerra e trazer as nossas tropas para casa em 2008, e Bush a insistir que, ao fazê-lo, estão a cortar o financiamento da guerra ao terrorismo. E muitos americanos engolem isso. Menos agora do que antes, é certo: muitos começam a perceber que o Iraque não teve nada a ver com a guerra ao terrorismo. Talvez agora tenha a ver, mas fomos nós que criámos os terroristas com as nossas acções.
Passar tanto tempo com Bush e a sua comitiva não implica um acordo mútuo, explícito ou implícito, uma certa interdependência?
Completamente. Passamos tanto tempo com as pessoas que se encarregam de nós que, basicamente, nos tornamos amigos. Elas têm de confiar em nós, têm de estar seguras de que não lhes vamos passar uma rasteira. E nós temos de alinhar nisso para ganhar algum acesso. Mas isso não quer dizer que não fazemos fotografias pouco simpáticas. Por exemplo, se eu souber que a história da semana ou do mês é qualquer coisa muito grave relacionada com a guerra, vou procurar captar o Presidente com uma determinada expressão. Em vez de o ter de cabeça erguida, a sorrir, posso fotografá-lo cabisbaixo, com um ar pensativo, absorto. Quando se é fotógrafo, está-se sempre a editar para que a imagem coincida com a história ou o ambiente que dominou o dia. E ultimamente isso tem sido mais fácil porque a guerra está a correr muito mal. Antes só se publicavam fotografias muito patrióticas do Presidente, aquela imagem do cowboy. Agora é mais a imagem de alguém derrotado e infeliz.
O facto de ele ser uma figura controversa facilita ou dificulta o seu trabalho?
Facilita. Não estou a compará-lo com isso, mas se me perguntar que líderes mundiais é que eu gostaria de fotografar, documentar, se tivesse sido fotógrafo na década de 1940, dir-lhe-ia: os controversos.
Hitler?
Adoraria poder documentar Hitler. Se concordo com a política dele? Serei um fascista? Não, mas teria gostado de passar seis meses a viajar com ele. Não estou a tentar comparar Bush com o estadista alemão desse período, mas ele é bastante polémico. O que é singular é que ele é tão detestado no mundo inteiro e, ao mesmo tempo, era como um Deus na América. Em 2003-2005, tudo o que ele fizesse era inquestionável. As pessoas choravam quando ele pisava um palco. Testemunhar isso, ver a adoração, o culto à volta deste homem sabendo que o resto do mundo pensa que ele é o mal em pessoa, pode ser muito fascinante. Eu ia aos comícios e ficava de cabelos em pé. Toda a gente a cantar o hino nacional, a rezar, "Deus abençoe o nosso Presidente e as nossas tropas"...
Portanto, quando toda a gente tinha dúvidas, você tinha a certeza de que ele seria reeleito em 2004?
Não. Mas sorri quando isso aconteceu. Não votei nele. Mas, de certa forma, fiquei feliz por ele ser reeleito.
Um realizador israelita, Avi Mograbi, fez um filme sobre o ex-primeiro-ministro Ariel Sharon, intitulado How I Learned to Overcome My Fear and Love Arik Sharon [Como Aprendi a Ultrapassar o Meu Medo e Amar Arik Sharon, numa tradução literal]. A ideia era estar "tão perto quanto possível" de Sharon "no momento em que o monstro dentro dele saísse cá para fora". Só que, em vez do monstro, encontrou uma figura com a qual se pode simpatizar. Isto soa-lhe familiar?
Sim. Quando comecei a fotografar George Bush em 2000, não gostava nada do homem. Eu via aquilo que toda a gente vê na TV e isso irritava-me. Mas agora as pessoas perguntam-me e eu digo: "Não, eu gosto do gajo". Acho que ele tem sido um Presidente terrível, mas ao nível pessoal gosto dele. E não é fácil admitir isso.
Sente uma certa ambiguidade em relação à figura.
Sim, porque tenho de estar ali sentado a ouvir aqueles discursos dele, aquela doutrinação da nação da qual discordo. Mas simpatizo com ele.
Ele comentou alguma vez as suas fotografias?
Se são fotografias de que gosta, ele espeta o polegar e diz: "Boa foto". Estou certo de que se ele não gosta de uma fotografia provavelmente faz uma careta qualquer [risos]. É muito fácil olhar para ele e perceber se está bem-disposto ou não.
Como fotógrafo da Casa Branca, há certas rotinas, certas obrigações que tem de cumprir? Quantas vezes por semana tem de estar na Casa Branca?
Vou lá todos os dias, é como um emprego. Eu trabalho para a revista Time, não trabalho para a Casa Branca, mas todos os dias tenho de lá ir. Um chefe de Estado estrangeiro pode visitar Bush, há um momento em que eles posam para as câmaras na Sala Oval, fazemos isso, talvez haja um discurso sobre o sistema de saúde, fazemos isso - é como um emprego diário. Quando se é um fotógrafo de guerra freelance, nunca se sabe quando é que há trabalho. Pagar as contas implica sempre partir em busca de uma guerra para fotografar. Isto é como um emprego a sério, seis dias por semana.
Alguma vez receou ser conotado como "fotógrafo de Bush", apesar do vasto trabalho que tem para trás como fotojornalista de guerra?
Não, porque conheço o meu trabalho. Não estou a vender o Presidente, estou a documentar este período na América. Historicamente, é uma presidência muito importante, que se vai destacar mais do que outras. Mais do que Clinton, mais do que o seu pai. Oito anos de George W. Bush afectaram realmente o mundo.
Acaba de publicar o seu primeiro livro, com fotografias que tirou ao cobrir Bush. Por que lhe chamou My America? É uma América tão republicana e nacionalista...
Passei os últimos cinco anos a ver uma América republicana, era tudo o que eu via. Na minha América não havia lixo, não havia pessoas sem-abrigo, não havia minorias, é como uma sociedade pura. E eu procuro mostrar que tudo está em ordem, tudo está limpo - é o perfeito e utópico mundo republicano. Digo que é "a minha América" porque foi o que vivi. Existe outra América, há toda uma parte do país que não votou [no Partido] Republicano, mas eu nunca a vi. Quando se viaja com o Presidente, está-se numa pequena bolha imaculada. Aonde quer que se vá, as ruas estão limpas, há bandeiras nas casas, as fábricas foram pintadas de fresco, tudo é perfeito.
Sim, mas ao dizer My America, "a minha América", está a sugerir que se identifica com ela, que se reconhece nela.
Sim, e eu queria isso, queria que as pessoas perguntassem: "O que é isto? É realmente a América dele?" Esses três anos que estão no livro são o que a América foi para mim. Quase não há texto no livro - originalmente, eu tinha um texto em que mostrava o meu jogo, explicava o que estava a fazer. Mas apercebi-me de que não podia publicá-lo porque não queria que fossem as palavras a formar as opiniões das pessoas. Queria que as fotografias falassem por si próprias, que provocassem emoções. Por exemplo, os europeus olham para elas e vêem uma América muito assustadora. Mas um republicano pode vê-las e achar que é tudo muito bonito e perfeito.
Pessoas como Lynne Cheney [mulher do vice-presidente americano Dick Cheney] ou Cherie Blair surgem fotografadas de uma forma nada lisonjeira. Pelo contrário: as suas cabeças estão cortadas e há nelas uma opulência que é retratada com acidez. Como é que conseguiu fazer isto sem ser preso [risos]?
Elas não podem fazer grande coisa, uma vez que são figuras públicas e eu faço parte de uma pool muito restrita [de jornalistas] que tem de estar muito perto. Não é como se elas pudessem dizer: "Não me tire fotografias". São como peixes num aquário. O meu plano [na fotografia de Cherie Blair] era fotografar os sapatos, eu estava muito interessado nos sapatos republicanos, que são muito caros. O passeio era em mármore e eu estava a tentar mostrar os sapatos no mármore, mesmo sem saber quem é que ia sair do carro. Eu esperava que fosse a primeira dama, mas acabou por ser Cherie Blair. Basicamente eu estava a focar os sapatos e não queria apanhar o rosto porque, se o fizesse, ninguém iria reparar nos sapatos. E ela como que transbordou do carro. Mas depois tive logo que recuar e fotografá-la de corpo inteiro, senão teria problemas com a minha revista...
A Casa Branca viu o seu livro?
Eles até o têm nos seus gabinetes...
Como um álbum de mesa de sala...
Como um álbum de mesa de sala. Acho que quando voltar, desta vez vou assinar um exemplar do livro e fazer com que o entreguem ao Presidente. Estou curioso para ver a reacção dele.
Ou seja, eles gostaram do livro.
Sim. Aquilo são eles. E eles estão muito confortáveis consigo mesmos. Se eu os tivesse fotografado de calções, T-shirt e boné de basebol, teriam detestado. Mas estão a usar um fato!
Qual foi a reacção do lado anti-Bush ao livro?
Quando mostrei o trabalho em Nova Iorque, por exemplo, que é bastante mais liberal, eles assustaram-se e ficaram muito aborrecidos por eu lhe ter chamado My America. "Porque não é a América, não é a minha América..."
George Bush vai deixar a Casa Branca em 2009. Já sabe o que vai fazer depois?
Não. Espero que Barack Obama ganhe. É o único, de todos os candidatos, que eu gostaria realmente de cobrir, com o mesmo entusiasmo que tive em relação a Bush. Mas se for Hillary ou Rudolph Giuliani... Não seria tão interessante.
O seu pai é republicano. Como é que ele se sente por ter um filho que fotografa o Presidente?
Muito orgulhoso. É a melhor coisa que me aconteceu na vida, segundo ele. Mas, quando viu o livro ficou, à beira das lágrimas. Para ele, era o pior trabalho de fotografia que eu alguma vez fizera na vida. "Onde está o Presidente? Porque é que lhe cortaste a cabeça?" São todos republicanos, à excepção da minha mãe. O meu pai, a minha irmã... Têm autocolantes do Bush no carro e um pequeno santuário em casa com parafernália do Bush...
Para saber mais
www.viiphoto.com/photographer.html
A agência de Morris, a reputada VII. Contém uma biografia e várias fotografias de Morris ao longo do seu percurso.
www.hastedhunt.com/photos.php?a=christopher_morris&i=56641
Inclui 22 fotografias de My America.
www.time.com/time/photoessays/iraq2003/morris/1.html
Portfolio da cobertura que Morris fez em Março e Abril de 2003, no início da ofensiva americana no Iraque.
www.time.com/time/personoftheyear/2004/photoessay
Portfolio para a revista Time sobre o quotidiano do Presidente Bush.
quinta-feira, abril 5
António Morais foi punido por absentismo e está a ser alvo de processo disciplinar na Universidade Técnica
05.04.2007, José António Cerejo
O antigo director do curso de Engenharia da Universidade Independente, António José Morais, que leccionou quatro das cinco cadeiras feitas por José Sócrates naquela escola, está a ser alvo de um processo disciplinar aberto pela Inspecção-Geral do Ensino Superior. Motivo: violação das regras da dedicação exclusiva a que está sujeito como professor da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa (UTL).
Este não é, porém, o primeiro problema disciplinar do também antigo professor do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa - que ali leccionou duas cadeiras na mesma área (vias de comunicação) e no mesmo ano (1994) em que o primeiro-ministro lá retomou os estudos, antes de seguir para a Independente. Em 2004 foi-lhe levantado um processo de averiguações por faltar demasiado às aulas na UTL e em 2005 foi objecto de um processo disciplinar pelo mesmo motivo e não só.
Mas já anteriormente, em 2002, enquanto director do Gabinete de Estudos e Planeamento de Instalações (GEPI) do Ministério da Administração Interna, tinha sido visado num inquérito disciplinar motivado por irregularidades detectadas pela Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) na adjudicação de empreitadas. O inquérito acabou arquivado em 2003 por "não terem sido detectadas situações passíveis de integrar a prática de infracções", mas as conclusões da IGAI e de uma auditoria do Tribunal de Contas feitas na mesma altura são arrasadoras.
Na sua qualidade de professor da Faculdade de Arquitectura da UTL, António Morais defrontou-se com um primeiro processo por absentismo desencadeado em 2004. Os autos foram arquivados porque não foi possível ouvir os alunos estrangeiros queixosos, inscritos através do programa Erasmus e entretanto regressados aos seus países. Por outro lado, nesse mesmo ano, o docente Morais viu ser-lhe negada, por unanimidade do Conselho Científico, a concessão de uma licença sabática para 2004-2005, por não preencher os requisitos legais para o efeito.
Nomeado em Maio de 2005, por José Sócrates e pelo ministro Alberto Costa, presidente do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça - de onde viria a sair oito meses depois por via da polémica da contratação de uma cidadã brasileira -, António Morais voltou então a ver-se a braços com a falta de assiduidade às aulas que era suposto dar, para lá de numerosas queixas junto do Conselho Pedagógico. Face à acumulação de faltas e ao incumprimento de tarefas e obrigações várias, o Conselho Directivo pediu à Inspecção-Geral do Ensino Superior a realização de um processo de averiguações, que foi depois transformado em processo disciplinar. Provados os factos, o Senado da UTL castigou-o com uma multa de mil euros.
Meses depois, na sequência da sua saída dos serviços de gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, Morais tornou-se professor em regime de dedicação exclusiva e viu-se mais uma vez envolvido em problemas. Face à constatação de que a exclusividade estava a ser violada pelo ex-director do GEPI - e por mais três professores que com ele trabalham em estudos adjudicados pela SRU Ocidental (uma empresa da Câmara de Lisboa) a uma sociedade de que Morais é sócio gerente (Geasm) e a uma outra ligada a um dos seus colegas -, o conselho directivo pediu a intervenção do ministro da Ciência no ano passado. Mariano Gago encaminhou o assunto para a Inspecção-Geral do Ensino Superior e o processo de averiguações entretanto instaurado deu origem a um processo disciplinar ainda em curso.
Contactado pelo PÚBLICO, Morais negou, por escrito, que lhe tenha sido levantado um processo disciplinar por motivos de absentismo. "Foi-me instaurado um processo disciplinar por ter tido uma atitude para com o sr. presidente do conselho directivo considerada desrespeitosa", adiantou. Só que o então presidente do conselho directivo da Faculdade de Arquitectura, professor Fernando Caria, garantiu ontem o contrário: "O processo de 2005 foi motivado por absentismo e outros incumprimentos e levou o Senado da UTL a aplicar-lhe uma multa de mil euros."
António Morais nega outras evidências. "Não exerço qualquer actividade profissional na Geasm ou em qualquer outra empresa [...]; não é assim verdade que seja gerente da Geasm, pelo que não executei qualquer trabalho para a SRU." Mas os registos da Geasm, uma empresa de projectos por ele criada com a ex-mulher, em 1989, não deixam dúvidas: o professor é o único gerente desde 2003. E há mais. Morais é também gerente de outra empresa, a Lisparra, onde tem como sócio um arquitecto que desde 1994 colabora com a Geasm e a que o GEPI adjudicou a realização de mais de 20 estudos e projectos enquanto foi dirigido por Morais.
05.04.2007, José António Cerejo
O antigo director do curso de Engenharia da Universidade Independente, António José Morais, que leccionou quatro das cinco cadeiras feitas por José Sócrates naquela escola, está a ser alvo de um processo disciplinar aberto pela Inspecção-Geral do Ensino Superior. Motivo: violação das regras da dedicação exclusiva a que está sujeito como professor da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa (UTL).
Este não é, porém, o primeiro problema disciplinar do também antigo professor do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa - que ali leccionou duas cadeiras na mesma área (vias de comunicação) e no mesmo ano (1994) em que o primeiro-ministro lá retomou os estudos, antes de seguir para a Independente. Em 2004 foi-lhe levantado um processo de averiguações por faltar demasiado às aulas na UTL e em 2005 foi objecto de um processo disciplinar pelo mesmo motivo e não só.
Mas já anteriormente, em 2002, enquanto director do Gabinete de Estudos e Planeamento de Instalações (GEPI) do Ministério da Administração Interna, tinha sido visado num inquérito disciplinar motivado por irregularidades detectadas pela Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) na adjudicação de empreitadas. O inquérito acabou arquivado em 2003 por "não terem sido detectadas situações passíveis de integrar a prática de infracções", mas as conclusões da IGAI e de uma auditoria do Tribunal de Contas feitas na mesma altura são arrasadoras.
Na sua qualidade de professor da Faculdade de Arquitectura da UTL, António Morais defrontou-se com um primeiro processo por absentismo desencadeado em 2004. Os autos foram arquivados porque não foi possível ouvir os alunos estrangeiros queixosos, inscritos através do programa Erasmus e entretanto regressados aos seus países. Por outro lado, nesse mesmo ano, o docente Morais viu ser-lhe negada, por unanimidade do Conselho Científico, a concessão de uma licença sabática para 2004-2005, por não preencher os requisitos legais para o efeito.
Nomeado em Maio de 2005, por José Sócrates e pelo ministro Alberto Costa, presidente do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça - de onde viria a sair oito meses depois por via da polémica da contratação de uma cidadã brasileira -, António Morais voltou então a ver-se a braços com a falta de assiduidade às aulas que era suposto dar, para lá de numerosas queixas junto do Conselho Pedagógico. Face à acumulação de faltas e ao incumprimento de tarefas e obrigações várias, o Conselho Directivo pediu à Inspecção-Geral do Ensino Superior a realização de um processo de averiguações, que foi depois transformado em processo disciplinar. Provados os factos, o Senado da UTL castigou-o com uma multa de mil euros.
Meses depois, na sequência da sua saída dos serviços de gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, Morais tornou-se professor em regime de dedicação exclusiva e viu-se mais uma vez envolvido em problemas. Face à constatação de que a exclusividade estava a ser violada pelo ex-director do GEPI - e por mais três professores que com ele trabalham em estudos adjudicados pela SRU Ocidental (uma empresa da Câmara de Lisboa) a uma sociedade de que Morais é sócio gerente (Geasm) e a uma outra ligada a um dos seus colegas -, o conselho directivo pediu a intervenção do ministro da Ciência no ano passado. Mariano Gago encaminhou o assunto para a Inspecção-Geral do Ensino Superior e o processo de averiguações entretanto instaurado deu origem a um processo disciplinar ainda em curso.
Contactado pelo PÚBLICO, Morais negou, por escrito, que lhe tenha sido levantado um processo disciplinar por motivos de absentismo. "Foi-me instaurado um processo disciplinar por ter tido uma atitude para com o sr. presidente do conselho directivo considerada desrespeitosa", adiantou. Só que o então presidente do conselho directivo da Faculdade de Arquitectura, professor Fernando Caria, garantiu ontem o contrário: "O processo de 2005 foi motivado por absentismo e outros incumprimentos e levou o Senado da UTL a aplicar-lhe uma multa de mil euros."
António Morais nega outras evidências. "Não exerço qualquer actividade profissional na Geasm ou em qualquer outra empresa [...]; não é assim verdade que seja gerente da Geasm, pelo que não executei qualquer trabalho para a SRU." Mas os registos da Geasm, uma empresa de projectos por ele criada com a ex-mulher, em 1989, não deixam dúvidas: o professor é o único gerente desde 2003. E há mais. Morais é também gerente de outra empresa, a Lisparra, onde tem como sócio um arquitecto que desde 1994 colabora com a Geasm e a que o GEPI adjudicou a realização de mais de 20 estudos e projectos enquanto foi dirigido por Morais.
Documento oficial diz que não houve nenhum diplomado no curso de Sócrates em 1996
05.04.2007, Ricardo Dias Felner
Levantamento estatístico do Observatório do Ensino Superior acrescenta mais uma contradição ao dossier de licenciatura do primeiro-ministro.
São Bento remeteu explicações para a UnI
Um estudo do Ministério do Ensino Superior revela que em 1996 não houve nenhum aluno diplomado em Engenharia Civil, pela Universidade Independente (UnI). Este dado contraria os documentos, apresentados ao PÚBLICO como fazendo prova da licenciatura do primeiro-ministro, que indicavam que José Sócrates havia concluído o curso no dia 8 de Setembro de 1996.
Em declarações ao PÚBLICO, o assessor de imprensa do primeiro-ministro, Luís Bernardo, reafirmou que "o primeiro-ministro acabou a licenciatura em 1996", remetendo qualquer explicação sobre o resultado do estudo para a UnI. "Isso não é um problema do primeiro-ministro. A questão terá de ser colocada à UnI e ao Ministério do Ensino Superior."
Contactado pelo PÚBLICO, o reitor da UnI à época, Luís Arouca, recusou-se a dar qualquer esclarecimento. "Estou em completo blackout relativamente a esse assunto", disse.
De acordo com o levantamento estatístico Diplomados (1993/2002), elaborado em 2004 pelo Observatório da Ciência e do Ensino Superior (OCES), só se licenciaram na UnI, no ano de 1996, alunos dos cursos de Ciências da Comunicação (67) e de Relações Internacionais (25).
A razão pela qual a maioria dos cursos ainda não tinha qualquer licenciado, nesse período, deve-se ao facto de a UnI ter começado a funcionar em 1994/95.
Na página 177 do documento do OCES pode ler-se que, para o curso de Engenharia Civil, os primeiros diplomados só surgem em 1997/98 - e são sete. Este número coincide com o valor apresentado num relatório de avaliação externa do curso de Engenharia Civil da UnI, elaborado por uma comissão independente.
A pista sobre este levantamento foi dada por um leitor anónimo do blogue Do Portugal Profundo, cujo autor, António Balbino Caldeira, tem levantado, desde 2005, dúvidas sobre o currículo académico de José Sócrates.
Os dados do documento (disponível no site do OCES) têm por base, como é escrito na introdução, "a resposta dos estabelecimentos de ensino superior ao inquérito estatístico anual realizado pelo OCES" - um organismo pertencente ao Ministério da Tecnologia, Ciência e Ensino Superior.
Em declarações ao PÚBLICO, há três semanas, o primeiro-ministro, o antigo reitor da instituição e o então director do departamento de Engenharia Civil garantiram que, logo em 1996, quando o curso tinha apenas dois anos, houve alunos, transferidos de outras instituições, a frequentar cadeiras dos terceiro e quinto anos da licenciatura em Engenharia Civil, entre os quais estava o próprio José Sócrates.
Esta versão foi contudo contrariada, na mesma altura, pelo director da Faculdade de Engenharia e vice-reitor, Eurico Calado. Este professor afirmou que em 1996 só funcionaram aulas dos primeiro e segundo anos do curso de Engenharia Civil.
Quem deu as aulas?
Esta não é, no entanto, a única contradição que subsiste relativamente à licenciatura de José Sócrates. Permanece pouco claro quem leccionou as cinco disciplinas que o actual primeiro-ministro terá concluído naquela instituição. O director à época do departamento de Engenharia Civil, António José Morais, afirmara ao PÚBLICO (ver edição de 22 de Março) que fora responsável por quatro dessas cadeiras, todas na área das estruturas. O ex-reitor Luís Arouca, por sua vez, acrescentara que Fernando Guterres dera algumas dessas aulas práticas. No Expresso da semana passada, por sua vez, António José Morais citou um outro docente, "o monitor Silvino Alves", que também terá leccionado essas cadeiras.
Sucede que num currículo exaustivo de António José Morais, o docente apenas refere ter leccionado, em 1996, na UnI, as disciplinas de Betão Armado e Pré-Esforçado e Teoria das Estruturas. A primeira cadeira terá sido concluída por José Sócrates, mas a segunda não aparece sequer no plano curricular do curso.
De fora ficam, assim, três cadeiras que António José Morais dissera ter ministrado a José Sócrates nesse período: Análise de Estruturas (3.º ano), Projecto e Dissertação (5.º ano) e Estruturas Especiais (5.º ano).
No mesmo currículo, com 43 páginas, António José Morais indica que só leccionou a cadeira de Projecto, em 1997, ou seja, quando José Sócrates já teria a licenciatura finalizada. Questionado por e-mail sobre estas contradições e sobre as aulas dadas pelo "monitor Silvino Alves", António José Morais manteve que leccionou as quatro disciplinas de estruturas e que, "em todas", teve "mais que um aluno", acabando por concluir: "Desconheço que versão de currículo viu." Acrescentaria depois que "Teoria é o mesmo que Análise".
05.04.2007, Ricardo Dias Felner
Levantamento estatístico do Observatório do Ensino Superior acrescenta mais uma contradição ao dossier de licenciatura do primeiro-ministro.
São Bento remeteu explicações para a UnI
Um estudo do Ministério do Ensino Superior revela que em 1996 não houve nenhum aluno diplomado em Engenharia Civil, pela Universidade Independente (UnI). Este dado contraria os documentos, apresentados ao PÚBLICO como fazendo prova da licenciatura do primeiro-ministro, que indicavam que José Sócrates havia concluído o curso no dia 8 de Setembro de 1996.
Em declarações ao PÚBLICO, o assessor de imprensa do primeiro-ministro, Luís Bernardo, reafirmou que "o primeiro-ministro acabou a licenciatura em 1996", remetendo qualquer explicação sobre o resultado do estudo para a UnI. "Isso não é um problema do primeiro-ministro. A questão terá de ser colocada à UnI e ao Ministério do Ensino Superior."
Contactado pelo PÚBLICO, o reitor da UnI à época, Luís Arouca, recusou-se a dar qualquer esclarecimento. "Estou em completo blackout relativamente a esse assunto", disse.
De acordo com o levantamento estatístico Diplomados (1993/2002), elaborado em 2004 pelo Observatório da Ciência e do Ensino Superior (OCES), só se licenciaram na UnI, no ano de 1996, alunos dos cursos de Ciências da Comunicação (67) e de Relações Internacionais (25).
A razão pela qual a maioria dos cursos ainda não tinha qualquer licenciado, nesse período, deve-se ao facto de a UnI ter começado a funcionar em 1994/95.
Na página 177 do documento do OCES pode ler-se que, para o curso de Engenharia Civil, os primeiros diplomados só surgem em 1997/98 - e são sete. Este número coincide com o valor apresentado num relatório de avaliação externa do curso de Engenharia Civil da UnI, elaborado por uma comissão independente.
A pista sobre este levantamento foi dada por um leitor anónimo do blogue Do Portugal Profundo, cujo autor, António Balbino Caldeira, tem levantado, desde 2005, dúvidas sobre o currículo académico de José Sócrates.
Os dados do documento (disponível no site do OCES) têm por base, como é escrito na introdução, "a resposta dos estabelecimentos de ensino superior ao inquérito estatístico anual realizado pelo OCES" - um organismo pertencente ao Ministério da Tecnologia, Ciência e Ensino Superior.
Em declarações ao PÚBLICO, há três semanas, o primeiro-ministro, o antigo reitor da instituição e o então director do departamento de Engenharia Civil garantiram que, logo em 1996, quando o curso tinha apenas dois anos, houve alunos, transferidos de outras instituições, a frequentar cadeiras dos terceiro e quinto anos da licenciatura em Engenharia Civil, entre os quais estava o próprio José Sócrates.
Esta versão foi contudo contrariada, na mesma altura, pelo director da Faculdade de Engenharia e vice-reitor, Eurico Calado. Este professor afirmou que em 1996 só funcionaram aulas dos primeiro e segundo anos do curso de Engenharia Civil.
Quem deu as aulas?
Esta não é, no entanto, a única contradição que subsiste relativamente à licenciatura de José Sócrates. Permanece pouco claro quem leccionou as cinco disciplinas que o actual primeiro-ministro terá concluído naquela instituição. O director à época do departamento de Engenharia Civil, António José Morais, afirmara ao PÚBLICO (ver edição de 22 de Março) que fora responsável por quatro dessas cadeiras, todas na área das estruturas. O ex-reitor Luís Arouca, por sua vez, acrescentara que Fernando Guterres dera algumas dessas aulas práticas. No Expresso da semana passada, por sua vez, António José Morais citou um outro docente, "o monitor Silvino Alves", que também terá leccionado essas cadeiras.
Sucede que num currículo exaustivo de António José Morais, o docente apenas refere ter leccionado, em 1996, na UnI, as disciplinas de Betão Armado e Pré-Esforçado e Teoria das Estruturas. A primeira cadeira terá sido concluída por José Sócrates, mas a segunda não aparece sequer no plano curricular do curso.
De fora ficam, assim, três cadeiras que António José Morais dissera ter ministrado a José Sócrates nesse período: Análise de Estruturas (3.º ano), Projecto e Dissertação (5.º ano) e Estruturas Especiais (5.º ano).
No mesmo currículo, com 43 páginas, António José Morais indica que só leccionou a cadeira de Projecto, em 1997, ou seja, quando José Sócrates já teria a licenciatura finalizada. Questionado por e-mail sobre estas contradições e sobre as aulas dadas pelo "monitor Silvino Alves", António José Morais manteve que leccionou as quatro disciplinas de estruturas e que, "em todas", teve "mais que um aluno", acabando por concluir: "Desconheço que versão de currículo viu." Acrescentaria depois que "Teoria é o mesmo que Análise".
quinta-feira, março 22
Os passos da investigação: uma semana de contactos com a Universidade Independente e o gabinete do primeiro-ministro
22.03.2007
13 de Março
O PÚBLICO requereu, de forma presencial, a consulta do dossier de Sócrates na UnI. Uma das funcionárias informou contudo que o ex-aluno havia assinado uma cláusula de confidencialidade. Para aceder a esses documentos, era obrigatório que desse autorização. De outra forma, afirmou a mesma funcionária, ressalvando estar "apenas a cumprir ordens", "ninguém, nem mesmo uma inspecção do Estado", poderia alguma vez ter acesso aos documentos. No mesmo dia da parte da tarde, o reitor Luís Arouca foi contactado por telefone. O PÚBLICO queria esclarecer aspectos sobre o processo curricular de José Sócrates. "Agradeço que não insista porque eu não respondo a nada." "Não tenho qualquer comentário a fazer, acabou a conversa", disse Arouca.
14 de Março
Foram enviadas perguntas ao gabinete do primeiro-ministro, por e-mail, sobre todo o seu percurso académico, com a indicação de que se tencionava publicar o artigo no dia seguinte. Ao final do dia, José Sócrates contactou pela primeira vez o PÚBLICO sobre o assunto. O primeiro-ministro alegou que estava a ser alvo de uma campanha e que não tinha nada a esconder, predispondo-se de imediato a que fossem consultados os dossiers da Universidade Independente e do ISEL. Disponibilizou-se então a fazer os contactos necessários para que isso acontecesse logo na quinta-feira.
15 de Março
O PÚBLICO telefonou ao assessor do primeiro-ministro, Luís Bernardo, perguntando se já poderia dirigir-se à UnI. Este retorquiu que só o poderia dizer ao final do dia. À noite, José Sócrates contactou novamente o PÚBLICO, comunicando que já estava tudo acertado com o reitor e que o dossier seria disponibilizado na sexta-feira de manhã. Contactado pelo PÚBLICO, Luís Arouca desmentiu: tinha estado a falar com Sócrates à tarde, mas este não tinha dado qualquer autorização. Este explicaria então que o reitor confundira o jornalista do PÚBLICO com um do jornal Crime. Disse que tudo estava resolvido. Sobre o processo do ISEL, o primeiro-ministro disse que, se houvesse ainda interesse na sua consulta, poderia tentar obter essa autorização, mas como não conhecia lá ninguém isso seria "constrangedor".
16 de Março
O PÚBLICO dirigiu-se à secretaria da UnI para consultar o dossier. O reitor chegou nessa altura e convidou o PÚBLICO para entrar no seu gabinete, onde decorreria a consulta. Os documentos expostos não eram os originais, mas sim fotocópias, boa parte sumidas. Luís Arouca disse que não era possível aceder aos originais por questões logísticas, garantindo que aquelas folhas representavam tudo o que havia na universidade sobre o ex-aluno. O reitor negou ainda que existisse qualquer listagem ou outro documento com os professores que haviam ministrado as aulas a José Sócrates. Dos documentos analisados não constava qualquer cláusula de confidencialidade.
Após a leitura dos documentos e de novos contactos surgiram outras dúvidas. Um responsável da instituição garantira que nunca o primeiro-ministro havia passado às cadeiras em causa: o curso tinha apenas dois anos de vida em 1995/96 e quatro das cadeiras não estavam a funcionar nesse período. O gabinete do primeiro-ministro voltou então a ser contactado e foi enviado novo e-mail perguntando a Sócrates quem haviam sido os professores dessas quatro cadeiras. O primeiro-ministro telefonou de novo para o PÚBLICO, garantindo que havia feito as cadeiras, tendo ido a algumas aulas; e que outros colegas finalizaram a licenciatura no mesmo ano. Não se lembrava de quem eram os professores. O PÚBLICO insistiu para que procurasse essa informação.
17 de Março
Numa conversa com o PÚBLICO à margem do Fórum Novas Fronteiras, Sócrates não disse o nome de nenhum dos seus antigos docentes, mas informou que Luís Arouca nos poderia elucidar. O reitor já fora por ele contactado e disponibilizaria o seu nome e telefone. Reforçou a ideia de que "queria esclarecer tudo", alertando para o perigo de estarmos a ser manobrados por guerras de poder na UnI. O PÚBLICO disse que desejava ter todos os esclarecimentos até 20 de Março.
19 de Março
Luís Arouca deu o contacto de António José Morais, director do departamento de Engenharia Civil da UnI naquele período. Este responsável começou por fazer referências genéricas, dizendo que José Sócrates havia sido seu aluno e que frequentara e passara às quatro cadeiras a que se inscrevera. Não conseguiu contudo precisar quem fora o docente de Inglês Técnico. Nesse mesmo dia, Luís Arouca telefonou ao PÚBLICO para dizer que o director em causa o informara que, para este jornal, continuavam a existir dúvidas sobre alguns assuntos. Arouca, preocupado, predispôs-se a novos esclarecimentos. O PÚBLICO lembrou-lhe que não havia respondido ao e-mail enviado na sexta-feira anterior. Revelando perplexidade, o reitor disse não ter recebido nenhum e-mail.
20 de Março
Depois do reenvio do e-mail, e quase uma semana depois de ter sido questionado sobre o nome dos professores, Arouca respondeu à pergunta inicial. Não deu explicação para o atraso.
22.03.2007
13 de Março
O PÚBLICO requereu, de forma presencial, a consulta do dossier de Sócrates na UnI. Uma das funcionárias informou contudo que o ex-aluno havia assinado uma cláusula de confidencialidade. Para aceder a esses documentos, era obrigatório que desse autorização. De outra forma, afirmou a mesma funcionária, ressalvando estar "apenas a cumprir ordens", "ninguém, nem mesmo uma inspecção do Estado", poderia alguma vez ter acesso aos documentos. No mesmo dia da parte da tarde, o reitor Luís Arouca foi contactado por telefone. O PÚBLICO queria esclarecer aspectos sobre o processo curricular de José Sócrates. "Agradeço que não insista porque eu não respondo a nada." "Não tenho qualquer comentário a fazer, acabou a conversa", disse Arouca.
14 de Março
Foram enviadas perguntas ao gabinete do primeiro-ministro, por e-mail, sobre todo o seu percurso académico, com a indicação de que se tencionava publicar o artigo no dia seguinte. Ao final do dia, José Sócrates contactou pela primeira vez o PÚBLICO sobre o assunto. O primeiro-ministro alegou que estava a ser alvo de uma campanha e que não tinha nada a esconder, predispondo-se de imediato a que fossem consultados os dossiers da Universidade Independente e do ISEL. Disponibilizou-se então a fazer os contactos necessários para que isso acontecesse logo na quinta-feira.
15 de Março
O PÚBLICO telefonou ao assessor do primeiro-ministro, Luís Bernardo, perguntando se já poderia dirigir-se à UnI. Este retorquiu que só o poderia dizer ao final do dia. À noite, José Sócrates contactou novamente o PÚBLICO, comunicando que já estava tudo acertado com o reitor e que o dossier seria disponibilizado na sexta-feira de manhã. Contactado pelo PÚBLICO, Luís Arouca desmentiu: tinha estado a falar com Sócrates à tarde, mas este não tinha dado qualquer autorização. Este explicaria então que o reitor confundira o jornalista do PÚBLICO com um do jornal Crime. Disse que tudo estava resolvido. Sobre o processo do ISEL, o primeiro-ministro disse que, se houvesse ainda interesse na sua consulta, poderia tentar obter essa autorização, mas como não conhecia lá ninguém isso seria "constrangedor".
16 de Março
O PÚBLICO dirigiu-se à secretaria da UnI para consultar o dossier. O reitor chegou nessa altura e convidou o PÚBLICO para entrar no seu gabinete, onde decorreria a consulta. Os documentos expostos não eram os originais, mas sim fotocópias, boa parte sumidas. Luís Arouca disse que não era possível aceder aos originais por questões logísticas, garantindo que aquelas folhas representavam tudo o que havia na universidade sobre o ex-aluno. O reitor negou ainda que existisse qualquer listagem ou outro documento com os professores que haviam ministrado as aulas a José Sócrates. Dos documentos analisados não constava qualquer cláusula de confidencialidade.
Após a leitura dos documentos e de novos contactos surgiram outras dúvidas. Um responsável da instituição garantira que nunca o primeiro-ministro havia passado às cadeiras em causa: o curso tinha apenas dois anos de vida em 1995/96 e quatro das cadeiras não estavam a funcionar nesse período. O gabinete do primeiro-ministro voltou então a ser contactado e foi enviado novo e-mail perguntando a Sócrates quem haviam sido os professores dessas quatro cadeiras. O primeiro-ministro telefonou de novo para o PÚBLICO, garantindo que havia feito as cadeiras, tendo ido a algumas aulas; e que outros colegas finalizaram a licenciatura no mesmo ano. Não se lembrava de quem eram os professores. O PÚBLICO insistiu para que procurasse essa informação.
17 de Março
Numa conversa com o PÚBLICO à margem do Fórum Novas Fronteiras, Sócrates não disse o nome de nenhum dos seus antigos docentes, mas informou que Luís Arouca nos poderia elucidar. O reitor já fora por ele contactado e disponibilizaria o seu nome e telefone. Reforçou a ideia de que "queria esclarecer tudo", alertando para o perigo de estarmos a ser manobrados por guerras de poder na UnI. O PÚBLICO disse que desejava ter todos os esclarecimentos até 20 de Março.
19 de Março
Luís Arouca deu o contacto de António José Morais, director do departamento de Engenharia Civil da UnI naquele período. Este responsável começou por fazer referências genéricas, dizendo que José Sócrates havia sido seu aluno e que frequentara e passara às quatro cadeiras a que se inscrevera. Não conseguiu contudo precisar quem fora o docente de Inglês Técnico. Nesse mesmo dia, Luís Arouca telefonou ao PÚBLICO para dizer que o director em causa o informara que, para este jornal, continuavam a existir dúvidas sobre alguns assuntos. Arouca, preocupado, predispôs-se a novos esclarecimentos. O PÚBLICO lembrou-lhe que não havia respondido ao e-mail enviado na sexta-feira anterior. Revelando perplexidade, o reitor disse não ter recebido nenhum e-mail.
20 de Março
Depois do reenvio do e-mail, e quase uma semana depois de ter sido questionado sobre o nome dos professores, Arouca respondeu à pergunta inicial. Não deu explicação para o atraso.
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