Universidade Independente sugere existência de certificados forjados
15.04.2007, Isabel Leiria
Documento que aceita transferência de Sócrates não foi assinado pelo reitor, ao contrário do que estabelecia a lei
A existência de dois certificados de habilitação com seis notas divergentes e distintas datas de conclusão da licenciatura (8 de Agosto de 1996 e 8 de Setembro de 1996, sendo que este último é o que consta do dossier do aluno José Sócrates emitido em 2003) levou a direcção da UnI a divulgar um comunicado no qual admite que alguns desses documentos "poderão ser forjados". E, "em prole da verdade e transparência", a direcção da universidade diz que vai apurar responsabilidades, lembrando que o processo de Sócrates, bem como o de outros antigos alunos com responsabilidades e notoriedade pública, se encontra depositado em cofre blindado, insusceptível de poder ser consultado sem a anuência de quem tutela esse resguardo.
Ontem, outros elementos relacionados com a licenciatura do primeiro-ministro vieram à luz do dia. O certificado de habilitações de José Sócrates, emitido pelos serviços da Universidade Independente (UnI) em Agosto de 1996 e enviado pelo próprio à Câmara da Covilhã em 2000, foi apresentado numa folha com um rodapé que identifica a instituição com números de telefone, fax e código postal inexistentes à data e que só vieram a ser adoptados em 1998 e 1999.
Estes dados constam na primeira de quatro folhas onde estão registadas as notas de José Sócrates durante a licenciatura em Engenharia Civil. Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete do primeiro-ministro esclarece que o certificado que atesta a conclusão do curso e que foi enviado à Câmara da Covilhã (à qual Sócrates se mantém vinculado) foi requerido pelo primeiro-ministro à UnI em 2000.
Nessa data já estavam em vigor os novos indicativos telefónicos e códigos postais. O gabinete do primeiro-ministro admite, por isso, que o certificado original possa ter sido copiado para uma folha timbrada da universidade na qual constariam já os endereços e contactos actualizados.
Carlos Pinto, presidente da Câmara da Covilhã, confirmou em declarações à Lusa o envio do certificado em Setembro de 2000, sublinhou que se tratava de uma segunda via que substituía um primeiro documento que acusava um erro ("em vez de ter "08/08/96" tinha como data de conclusão do curso "8/8/9"") e sustentou que se está perante "um falso problema".
Arouca não era reitor
Durante a entrevista à RTP, na passada quarta-feira, José Sócrates referiu--se por diversas vezes a Luiz Arouca como reitor na UnI e seu professor de Inglês Técnico. Mas no ano lectivo de 1995/1996 Luiz Arouca não era o reitor da instituição, mas sim Ernesto Jorge Fernandes Costa, actualmente professor catedrático do Universidade de Coimbra. É essa a informação que consta do seu currículo oficial e onde se lê que exerceu esse cargo "desde Junho de 1993 a Junho de 1996". A actual direcção da UnI também refere o dia de 3 de Junho de 1996 como a data em que Arouca tomou posse.
Mas foi Luiz Arouca quem assinou o documento, datado de 12 de Setembro de 1995 e dirigido a José Sócrates, em que se comunicava as cadeiras que o actual primeiro-ministro devia completar para obter a licenciatura. O ofício da UnI diz que "deliberou a Comissão Científica da Faculdade de Tecnologia propor-lhe a frequência e conclusão" de um conjunto de disciplinas, ficando a instituição a aguardar "um contacto e matrícula". Em baixo surge a assinatura de Luiz Arouca, mas sem referência a qualquer título.
O pedido de transferência para a UnI havia sido feito por Sócrates, através de uma carta não-datada, dirigida ao "Senhor Reitor da Universidade Independente". Em declarações ao Expresso, o gabinete do primeiro-ministro sublinha que o pedido de Sócrates foi dirigido ao reitor "sem referência à identidade do titular do cargo" e a resposta "transmitida por ofício em nome da Independente".
Questionado pelo Expresso sobre se tinha dado autorização para a transferência de Sócrates, Ernesto Costa não quis comentar. De acordo com a legislação em vigor, a decisão sobre a aceitação da transferência de um aluno competia ao reitor.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) admitiu, entretant,o alargar o leque de audições ao primeiro-ministro e a mais pessoas e instituições, com vista a averiguar a existência de alegadas pressões sobre os jornalistas por parte do Governo. com Margarida Gomes
Pequeno destaque em caixa com fundo que tambem pode servir de legenda para a fotografia do lado esquerdo
sábado, abril 14
Certificados de Sócrates com notas e datas diferentes
14.04.2007, Ricardo Dias Felner
Notas enviadas por Luís Arouca
para Câmara da Covilhã são divergentes das que constam no certificado mostrado na RTP
Um certificado de habilitações de José Sócrates, cujo original está na posse da Câmara Municipal da Covilhã, não coincide com o certificado que consta do seu dossier de aluno na Universidade Independente (UnI) e que foi revelado na RTP, na quarta-feira, pelo próprio primeiro--ministro.
Esse documento, a que o PÚBLICO teve acesso, apresenta seis notas divergentes com as que surgem no certificado que José Sócrates mostrou na Grande Entrevista, e que é igual ao que o PÚBLICO consultou na UnI.
Acresce que também as datas não coincidem. No certificado da Covilhã - emitido a 26 de Agosto de 1996 e que teve por objectivo a reclassificação de José Sócrates enquanto funcionário do quadro daquela autarquia - é referido que o então secretário de Estado adjunto do Ambiente "concluiu" a licenciatura a 8 de Agosto de 1996.
Por sua vez, no certificado da UnI, emitido a 17 de Junho de 2003, lê-se que a conclusão do curso ocorreu a 8 de Setembro de 1996 - ou seja, um mês depois da data indicada no outro documento.
Na entrevista concedida à RTP, o primeiro-ministro validou esta data como sendo a correcta. Contactado pela TVI, o gabinete de José Sócrates admitiu, contudo, que o primeiro-
-ministro possa ter sido induzido em erro, tendo por base o último certificado da Independente. E que a data correcta para o termo da licenciatura é mesmo a do certificado que foi enviado para a Covilhã.
Há, contudo, neste documento outros dados que não estão de acordo com os certificados dos três estabelecimentos de ensino por onde Sócrates passou: o Instituto Superior de Engenharia de Coimbra (ISEC), o Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL) e a UnI.
Comparando os três documentos, resulta que o certificado da Covilhã dá como tendo sido feitas na UnI duas cadeiras - Computação Numérica, do 2.º ano, e Investigação Operacional, do 3.º - que foram sim concluídas no ISEC e no ISEL.
A cadeira de Computação Numérica tem ainda outro problema: ao contrário do que lá está registado, a nota final não foi de 14 valores mas sim de 15 (valor que se mantém correcto no certificado final da licenciatura, inserido no dossier de aluno de Sócrates na UnI).
A discrepância de notas repete-se em mais cinco cadeiras: a Mecânica dos Fluidos surge a nota 13, quando no certificado da UnI a avaliação é de 11; a Análise de Estruturas a nota é 18, sobe um ponto; a Betão Armado e Pré-Esforçado registam-se 17 valores, menos um ponto do que no certificado da UnI; a Geologia Aplicada a nota é 16, mais um ponto; e a Projecto e Dissertação a avaliação é de 17, menos um ponto.
As notas agora reveladas pelo certificado enviado para a Câmara Municipal da Covilhã correspondem às notas inscritas numa folha, apresentada como pauta ao PÚBLICO, que faz parte do dossier de aluno de José Sócrates. Na primeira investigação publicada sobre o caso no PÚBLICO, no dia 22 de Março, já se dava conta das divergências de notas registadas nessa pauta e no certificado de habilitações que também constava do processo.
14.04.2007, Ricardo Dias Felner
Notas enviadas por Luís Arouca
para Câmara da Covilhã são divergentes das que constam no certificado mostrado na RTP
Um certificado de habilitações de José Sócrates, cujo original está na posse da Câmara Municipal da Covilhã, não coincide com o certificado que consta do seu dossier de aluno na Universidade Independente (UnI) e que foi revelado na RTP, na quarta-feira, pelo próprio primeiro--ministro.
Esse documento, a que o PÚBLICO teve acesso, apresenta seis notas divergentes com as que surgem no certificado que José Sócrates mostrou na Grande Entrevista, e que é igual ao que o PÚBLICO consultou na UnI.
Acresce que também as datas não coincidem. No certificado da Covilhã - emitido a 26 de Agosto de 1996 e que teve por objectivo a reclassificação de José Sócrates enquanto funcionário do quadro daquela autarquia - é referido que o então secretário de Estado adjunto do Ambiente "concluiu" a licenciatura a 8 de Agosto de 1996.
Por sua vez, no certificado da UnI, emitido a 17 de Junho de 2003, lê-se que a conclusão do curso ocorreu a 8 de Setembro de 1996 - ou seja, um mês depois da data indicada no outro documento.
Na entrevista concedida à RTP, o primeiro-ministro validou esta data como sendo a correcta. Contactado pela TVI, o gabinete de José Sócrates admitiu, contudo, que o primeiro-
-ministro possa ter sido induzido em erro, tendo por base o último certificado da Independente. E que a data correcta para o termo da licenciatura é mesmo a do certificado que foi enviado para a Covilhã.
Há, contudo, neste documento outros dados que não estão de acordo com os certificados dos três estabelecimentos de ensino por onde Sócrates passou: o Instituto Superior de Engenharia de Coimbra (ISEC), o Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL) e a UnI.
Comparando os três documentos, resulta que o certificado da Covilhã dá como tendo sido feitas na UnI duas cadeiras - Computação Numérica, do 2.º ano, e Investigação Operacional, do 3.º - que foram sim concluídas no ISEC e no ISEL.
A cadeira de Computação Numérica tem ainda outro problema: ao contrário do que lá está registado, a nota final não foi de 14 valores mas sim de 15 (valor que se mantém correcto no certificado final da licenciatura, inserido no dossier de aluno de Sócrates na UnI).
A discrepância de notas repete-se em mais cinco cadeiras: a Mecânica dos Fluidos surge a nota 13, quando no certificado da UnI a avaliação é de 11; a Análise de Estruturas a nota é 18, sobe um ponto; a Betão Armado e Pré-Esforçado registam-se 17 valores, menos um ponto do que no certificado da UnI; a Geologia Aplicada a nota é 16, mais um ponto; e a Projecto e Dissertação a avaliação é de 17, menos um ponto.
As notas agora reveladas pelo certificado enviado para a Câmara Municipal da Covilhã correspondem às notas inscritas numa folha, apresentada como pauta ao PÚBLICO, que faz parte do dossier de aluno de José Sócrates. Na primeira investigação publicada sobre o caso no PÚBLICO, no dia 22 de Março, já se dava conta das divergências de notas registadas nessa pauta e no certificado de habilitações que também constava do processo.
Sócrates esteve inscrito na Lusíada durante quatro anos mas não fez nenhuma cadeira
14.04.2007
Sócrates desistiu logo após o início das aulas e, em Outubro de 1989, pediu reingresso e manteve-se inscrito até ao final do ano
a O primeiro-ministro, José Sócrates, estudou Direito na Universidade Lusíada, em Lisboa, entre 1987 e 1993, ainda que não tenha concluído nenhuma cadeira do primeiro ano, revelou ontem a TVI. Esta informação nunca tinha sido tornada pública pelo primeiro-ministro.
Segundo a estação de televisão, José Sócrates, então deputado do PS, entregou a sua candidatura ao curso de Direito da Universidade Lusíada em 28 de Outubro de 1987, tendo-se matriculado no dia 6 de Novembro do mesmo ano. Foi-lhe atribuído o número de aluno 1289/87.
No ano lectivo seguinte, Sócrates desistiu logo após o início das aulas e, em Outubro de 1989, pediu reingresso e manteve-se inscrito até ao final do ano. Nos anos lectivos seguintes - 1990/91 e 1991/92 -, José Sócrates não se matriculou, tendo voltado à Lusíada em 10 de Setembro de 1992, quando pediu reingresso.
O gabinete do primeiro-ministro já confirmou esta informação à TVI e também ao Sol, adiantando apenas a este semanário que Sócrates desistiu daquele curso por razões pessoais, não tendo nunca chegado a fazer qualquer exame.
Na entrevista desta semana à RTP, em que prestou esclarecimentos sobre o seu percurso académico, o primeiro-ministro não fez qualquer referência à sua passagem pela Universidade Lusíada.
Sócrates foi eleito, pela primeira vez, deputado em 1987. Na altura, o socialista tinha como habilitações académicas o bacharelato em Engenharia Civil pelo Instituto Superior de Engenharia de Coimbra.
Depois da passagem pela Lusíada, Sócrates viria anos mais tarde a inscrever-se no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, que frequentou durante um ano lectivo. Em 1995/1996 pediu transferência para a Universidade Independente para concluir a licenciatura em Engenharia Civil.
14.04.2007
Sócrates desistiu logo após o início das aulas e, em Outubro de 1989, pediu reingresso e manteve-se inscrito até ao final do ano
a O primeiro-ministro, José Sócrates, estudou Direito na Universidade Lusíada, em Lisboa, entre 1987 e 1993, ainda que não tenha concluído nenhuma cadeira do primeiro ano, revelou ontem a TVI. Esta informação nunca tinha sido tornada pública pelo primeiro-ministro.
Segundo a estação de televisão, José Sócrates, então deputado do PS, entregou a sua candidatura ao curso de Direito da Universidade Lusíada em 28 de Outubro de 1987, tendo-se matriculado no dia 6 de Novembro do mesmo ano. Foi-lhe atribuído o número de aluno 1289/87.
No ano lectivo seguinte, Sócrates desistiu logo após o início das aulas e, em Outubro de 1989, pediu reingresso e manteve-se inscrito até ao final do ano. Nos anos lectivos seguintes - 1990/91 e 1991/92 -, José Sócrates não se matriculou, tendo voltado à Lusíada em 10 de Setembro de 1992, quando pediu reingresso.
O gabinete do primeiro-ministro já confirmou esta informação à TVI e também ao Sol, adiantando apenas a este semanário que Sócrates desistiu daquele curso por razões pessoais, não tendo nunca chegado a fazer qualquer exame.
Na entrevista desta semana à RTP, em que prestou esclarecimentos sobre o seu percurso académico, o primeiro-ministro não fez qualquer referência à sua passagem pela Universidade Lusíada.
Sócrates foi eleito, pela primeira vez, deputado em 1987. Na altura, o socialista tinha como habilitações académicas o bacharelato em Engenharia Civil pelo Instituto Superior de Engenharia de Coimbra.
Depois da passagem pela Lusíada, Sócrates viria anos mais tarde a inscrever-se no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, que frequentou durante um ano lectivo. Em 1995/1996 pediu transferência para a Universidade Independente para concluir a licenciatura em Engenharia Civil.
segunda-feira, abril 9
Este homem cortou a cabeça a George Bush
05.04.2007, Kathleen Gomes (texto) e Rui Gaudêncio (foto)
Um dos mais prestigiados fotojornalistas de guerra, Christopher Morris, explica como ultrapassou a sua irritação com Bush (enfim, não completamente) e aprendeu a gostar do Presidente americano.
Kathleen Gomes (texto) e Rui Gaudêncio (foto)
"Tenho que ter cuidado com o que digo", afirma Christopher Morris, para, logo a seguir, não ter cuidado nenhum com o que diz. Sobre George W. Bush - "o assunto favorito dele", diz a mulher, Vesna, que também está à escuta - e a sua política.
O Presidente americano é a pessoa que Morris mais vê ao longo do ano: pouco antes do 11 de Setembro de 2001 foi contratado pela Time para ser um dos fotógrafos-correspondentes da revista na Casa Branca.
Subitamente, depois de quase 20 anos a fotografar a guerra onde quer que ela estivesse - Afeganistão, Panamá, Haiti, Koweit, ex-Jugoslávia, Tchechénia, Coreia do Norte, Somália, Iraque, etc. -, Christopher Morris tinha pela frente a perspectiva de seguir o mesmo homem de fato durante anos e anos. Ele estava lá quando Bush era Deus na América (e diabo no resto do mundo) e viu que isso podia dar um livro (o seu primeiro).
My America, não se assustem, é versão republicana e estilizada dos travelogues de Stephen Shore nos anos 70 pela paisagem norte-americana (o lado estático, inquietante, das suas figuras humanas, e uma certa qualidade cinemática também evocam Gregory Crewdson).
Morris esteve há dias em Lisboa, para falar do seu trabalho num ciclo de fotojornalismo que decorreu na ETIC (Escola Técnica de Imagem e Comunicação). Numa esplanada à beira do Tejo, o homem que cortou a cabeça a George W. Bush falou com o P2.
PÚBLICO - Como é que um clássico fotojornalista de guerra acaba a fotografar o Presidente americano?
CHRISTOPHER MORRIS - No meu caso, foi por causa da família. Em 2000, quando a minha filha mais velha fez dois anos, percebi que não era justo para ela nem para a minha mulher eu continuar a fazer fotografia de guerra. Além disso, os dois fotógrafos da Time que tinham coberto a Casa Branca nos últimos 30 anos iam reformar-se e perguntaram-me se eu estaria interessado em fazer esse trabalho. Até aí eu não tinha fotografado nada na América. No início estava um pouco apreensivo em aceitar porque, basicamente, tudo o que há para fotografar são homens de fato, políticos. Mas depois do 11 de Setembro tornou-se muito interessante.
Porquê?
Porque vi uma nação a ficar absorvida em si mesma. E o ambiente de medo e paranóia: era como uma nação zombie a ser seduzida por um governo. Julgo que não teria gostado de cobrir Al Gore se ele tivesse ganho [as eleições], ou John Kerry - eles teriam sido presidentes horríveis para eu documentar. Ao passo que George W. Bush é muito estimulante por ser tão apreciado em todo o mundo [risos].
Ser fotógrafo na Casa Branca não é o oposto do fotojornalismo de guerra?
É. É tudo muito controlado e artificial. Dizem-nos onde devemos estar, quando sair.
E não deixa de ser fotojornalismo?
Não. Não sou eu que controlo ou enceno o acontecimento - são outros e eu limito-me a documentar a realidade deles. E depois, há muitas coisas a acontecer à volta do Presidente que não têm nada a ver com o Presidente. Quando se fotografa o mesmo homem seis meses por ano durante cinco ou seis anos, é preciso procurar mais alguma coisa. Acabei por ficar fascinado, acho que me tornou um melhor fotógrafo...
A sério?
Sim. A fotografia de guerra é muito simples: a imagem está lá; se nos pusermos no sítio certo, não temos de trabalhar muito por ela. Mas fazer o que eu faço em política é muito difícil. É mais difícil encontrar a fotografia, o desafio é maior. É fácil fazer com que um homem com uma arma apontada a alguém pareça interessante, mas é muito difícil que um homem num fato pareça interessante.
O facto de ter coberto a guerra do Iraque em 2003 influenciou de alguma maneira o seu olhar sobre o Presidente quando voltou?
Foi muito curioso estar em Washington e assistir ao crescendo que levou à guerra, ouvir os discursos de muito perto todos os dias e depois partir para a guerra, e depois regressar e ter de ouvir mais discursos sobre o Iraque. Por ter uma experiência profissional mais internacional e ter passado tanto tempo no estrangeiro, julgo ter uma perspectiva sobre a guerra diferente do americano médio ou dos políticos americanos. Os americanos estão muito isolados num certo sentido. O governo está muito isolado, Bush está muito isolado... Foi aí que tive a ideia de fazer o livro My America. Porque vi esta espécie de nação zombie, envolta na bandeira, no patriotismo, no nacionalismo... Vi Bush a falar na TV há dois dias e ele continua a classificar o Iraque como "guerra ao terrorismo" - até hoje. O Congresso queria diminuir o financiamento da guerra e trazer as nossas tropas para casa em 2008, e Bush a insistir que, ao fazê-lo, estão a cortar o financiamento da guerra ao terrorismo. E muitos americanos engolem isso. Menos agora do que antes, é certo: muitos começam a perceber que o Iraque não teve nada a ver com a guerra ao terrorismo. Talvez agora tenha a ver, mas fomos nós que criámos os terroristas com as nossas acções.
Passar tanto tempo com Bush e a sua comitiva não implica um acordo mútuo, explícito ou implícito, uma certa interdependência?
Completamente. Passamos tanto tempo com as pessoas que se encarregam de nós que, basicamente, nos tornamos amigos. Elas têm de confiar em nós, têm de estar seguras de que não lhes vamos passar uma rasteira. E nós temos de alinhar nisso para ganhar algum acesso. Mas isso não quer dizer que não fazemos fotografias pouco simpáticas. Por exemplo, se eu souber que a história da semana ou do mês é qualquer coisa muito grave relacionada com a guerra, vou procurar captar o Presidente com uma determinada expressão. Em vez de o ter de cabeça erguida, a sorrir, posso fotografá-lo cabisbaixo, com um ar pensativo, absorto. Quando se é fotógrafo, está-se sempre a editar para que a imagem coincida com a história ou o ambiente que dominou o dia. E ultimamente isso tem sido mais fácil porque a guerra está a correr muito mal. Antes só se publicavam fotografias muito patrióticas do Presidente, aquela imagem do cowboy. Agora é mais a imagem de alguém derrotado e infeliz.
O facto de ele ser uma figura controversa facilita ou dificulta o seu trabalho?
Facilita. Não estou a compará-lo com isso, mas se me perguntar que líderes mundiais é que eu gostaria de fotografar, documentar, se tivesse sido fotógrafo na década de 1940, dir-lhe-ia: os controversos.
Hitler?
Adoraria poder documentar Hitler. Se concordo com a política dele? Serei um fascista? Não, mas teria gostado de passar seis meses a viajar com ele. Não estou a tentar comparar Bush com o estadista alemão desse período, mas ele é bastante polémico. O que é singular é que ele é tão detestado no mundo inteiro e, ao mesmo tempo, era como um Deus na América. Em 2003-2005, tudo o que ele fizesse era inquestionável. As pessoas choravam quando ele pisava um palco. Testemunhar isso, ver a adoração, o culto à volta deste homem sabendo que o resto do mundo pensa que ele é o mal em pessoa, pode ser muito fascinante. Eu ia aos comícios e ficava de cabelos em pé. Toda a gente a cantar o hino nacional, a rezar, "Deus abençoe o nosso Presidente e as nossas tropas"...
Portanto, quando toda a gente tinha dúvidas, você tinha a certeza de que ele seria reeleito em 2004?
Não. Mas sorri quando isso aconteceu. Não votei nele. Mas, de certa forma, fiquei feliz por ele ser reeleito.
Um realizador israelita, Avi Mograbi, fez um filme sobre o ex-primeiro-ministro Ariel Sharon, intitulado How I Learned to Overcome My Fear and Love Arik Sharon [Como Aprendi a Ultrapassar o Meu Medo e Amar Arik Sharon, numa tradução literal]. A ideia era estar "tão perto quanto possível" de Sharon "no momento em que o monstro dentro dele saísse cá para fora". Só que, em vez do monstro, encontrou uma figura com a qual se pode simpatizar. Isto soa-lhe familiar?
Sim. Quando comecei a fotografar George Bush em 2000, não gostava nada do homem. Eu via aquilo que toda a gente vê na TV e isso irritava-me. Mas agora as pessoas perguntam-me e eu digo: "Não, eu gosto do gajo". Acho que ele tem sido um Presidente terrível, mas ao nível pessoal gosto dele. E não é fácil admitir isso.
Sente uma certa ambiguidade em relação à figura.
Sim, porque tenho de estar ali sentado a ouvir aqueles discursos dele, aquela doutrinação da nação da qual discordo. Mas simpatizo com ele.
Ele comentou alguma vez as suas fotografias?
Se são fotografias de que gosta, ele espeta o polegar e diz: "Boa foto". Estou certo de que se ele não gosta de uma fotografia provavelmente faz uma careta qualquer [risos]. É muito fácil olhar para ele e perceber se está bem-disposto ou não.
Como fotógrafo da Casa Branca, há certas rotinas, certas obrigações que tem de cumprir? Quantas vezes por semana tem de estar na Casa Branca?
Vou lá todos os dias, é como um emprego. Eu trabalho para a revista Time, não trabalho para a Casa Branca, mas todos os dias tenho de lá ir. Um chefe de Estado estrangeiro pode visitar Bush, há um momento em que eles posam para as câmaras na Sala Oval, fazemos isso, talvez haja um discurso sobre o sistema de saúde, fazemos isso - é como um emprego diário. Quando se é um fotógrafo de guerra freelance, nunca se sabe quando é que há trabalho. Pagar as contas implica sempre partir em busca de uma guerra para fotografar. Isto é como um emprego a sério, seis dias por semana.
Alguma vez receou ser conotado como "fotógrafo de Bush", apesar do vasto trabalho que tem para trás como fotojornalista de guerra?
Não, porque conheço o meu trabalho. Não estou a vender o Presidente, estou a documentar este período na América. Historicamente, é uma presidência muito importante, que se vai destacar mais do que outras. Mais do que Clinton, mais do que o seu pai. Oito anos de George W. Bush afectaram realmente o mundo.
Acaba de publicar o seu primeiro livro, com fotografias que tirou ao cobrir Bush. Por que lhe chamou My America? É uma América tão republicana e nacionalista...
Passei os últimos cinco anos a ver uma América republicana, era tudo o que eu via. Na minha América não havia lixo, não havia pessoas sem-abrigo, não havia minorias, é como uma sociedade pura. E eu procuro mostrar que tudo está em ordem, tudo está limpo - é o perfeito e utópico mundo republicano. Digo que é "a minha América" porque foi o que vivi. Existe outra América, há toda uma parte do país que não votou [no Partido] Republicano, mas eu nunca a vi. Quando se viaja com o Presidente, está-se numa pequena bolha imaculada. Aonde quer que se vá, as ruas estão limpas, há bandeiras nas casas, as fábricas foram pintadas de fresco, tudo é perfeito.
Sim, mas ao dizer My America, "a minha América", está a sugerir que se identifica com ela, que se reconhece nela.
Sim, e eu queria isso, queria que as pessoas perguntassem: "O que é isto? É realmente a América dele?" Esses três anos que estão no livro são o que a América foi para mim. Quase não há texto no livro - originalmente, eu tinha um texto em que mostrava o meu jogo, explicava o que estava a fazer. Mas apercebi-me de que não podia publicá-lo porque não queria que fossem as palavras a formar as opiniões das pessoas. Queria que as fotografias falassem por si próprias, que provocassem emoções. Por exemplo, os europeus olham para elas e vêem uma América muito assustadora. Mas um republicano pode vê-las e achar que é tudo muito bonito e perfeito.
Pessoas como Lynne Cheney [mulher do vice-presidente americano Dick Cheney] ou Cherie Blair surgem fotografadas de uma forma nada lisonjeira. Pelo contrário: as suas cabeças estão cortadas e há nelas uma opulência que é retratada com acidez. Como é que conseguiu fazer isto sem ser preso [risos]?
Elas não podem fazer grande coisa, uma vez que são figuras públicas e eu faço parte de uma pool muito restrita [de jornalistas] que tem de estar muito perto. Não é como se elas pudessem dizer: "Não me tire fotografias". São como peixes num aquário. O meu plano [na fotografia de Cherie Blair] era fotografar os sapatos, eu estava muito interessado nos sapatos republicanos, que são muito caros. O passeio era em mármore e eu estava a tentar mostrar os sapatos no mármore, mesmo sem saber quem é que ia sair do carro. Eu esperava que fosse a primeira dama, mas acabou por ser Cherie Blair. Basicamente eu estava a focar os sapatos e não queria apanhar o rosto porque, se o fizesse, ninguém iria reparar nos sapatos. E ela como que transbordou do carro. Mas depois tive logo que recuar e fotografá-la de corpo inteiro, senão teria problemas com a minha revista...
A Casa Branca viu o seu livro?
Eles até o têm nos seus gabinetes...
Como um álbum de mesa de sala...
Como um álbum de mesa de sala. Acho que quando voltar, desta vez vou assinar um exemplar do livro e fazer com que o entreguem ao Presidente. Estou curioso para ver a reacção dele.
Ou seja, eles gostaram do livro.
Sim. Aquilo são eles. E eles estão muito confortáveis consigo mesmos. Se eu os tivesse fotografado de calções, T-shirt e boné de basebol, teriam detestado. Mas estão a usar um fato!
Qual foi a reacção do lado anti-Bush ao livro?
Quando mostrei o trabalho em Nova Iorque, por exemplo, que é bastante mais liberal, eles assustaram-se e ficaram muito aborrecidos por eu lhe ter chamado My America. "Porque não é a América, não é a minha América..."
George Bush vai deixar a Casa Branca em 2009. Já sabe o que vai fazer depois?
Não. Espero que Barack Obama ganhe. É o único, de todos os candidatos, que eu gostaria realmente de cobrir, com o mesmo entusiasmo que tive em relação a Bush. Mas se for Hillary ou Rudolph Giuliani... Não seria tão interessante.
O seu pai é republicano. Como é que ele se sente por ter um filho que fotografa o Presidente?
Muito orgulhoso. É a melhor coisa que me aconteceu na vida, segundo ele. Mas, quando viu o livro ficou, à beira das lágrimas. Para ele, era o pior trabalho de fotografia que eu alguma vez fizera na vida. "Onde está o Presidente? Porque é que lhe cortaste a cabeça?" São todos republicanos, à excepção da minha mãe. O meu pai, a minha irmã... Têm autocolantes do Bush no carro e um pequeno santuário em casa com parafernália do Bush...
Para saber mais
www.viiphoto.com/photographer.html
A agência de Morris, a reputada VII. Contém uma biografia e várias fotografias de Morris ao longo do seu percurso.
www.hastedhunt.com/photos.php?a=christopher_morris&i=56641
Inclui 22 fotografias de My America.
www.time.com/time/photoessays/iraq2003/morris/1.html
Portfolio da cobertura que Morris fez em Março e Abril de 2003, no início da ofensiva americana no Iraque.
www.time.com/time/personoftheyear/2004/photoessay
Portfolio para a revista Time sobre o quotidiano do Presidente Bush.
05.04.2007, Kathleen Gomes (texto) e Rui Gaudêncio (foto)
Um dos mais prestigiados fotojornalistas de guerra, Christopher Morris, explica como ultrapassou a sua irritação com Bush (enfim, não completamente) e aprendeu a gostar do Presidente americano.
Kathleen Gomes (texto) e Rui Gaudêncio (foto)
"Tenho que ter cuidado com o que digo", afirma Christopher Morris, para, logo a seguir, não ter cuidado nenhum com o que diz. Sobre George W. Bush - "o assunto favorito dele", diz a mulher, Vesna, que também está à escuta - e a sua política.
O Presidente americano é a pessoa que Morris mais vê ao longo do ano: pouco antes do 11 de Setembro de 2001 foi contratado pela Time para ser um dos fotógrafos-correspondentes da revista na Casa Branca.
Subitamente, depois de quase 20 anos a fotografar a guerra onde quer que ela estivesse - Afeganistão, Panamá, Haiti, Koweit, ex-Jugoslávia, Tchechénia, Coreia do Norte, Somália, Iraque, etc. -, Christopher Morris tinha pela frente a perspectiva de seguir o mesmo homem de fato durante anos e anos. Ele estava lá quando Bush era Deus na América (e diabo no resto do mundo) e viu que isso podia dar um livro (o seu primeiro).
My America, não se assustem, é versão republicana e estilizada dos travelogues de Stephen Shore nos anos 70 pela paisagem norte-americana (o lado estático, inquietante, das suas figuras humanas, e uma certa qualidade cinemática também evocam Gregory Crewdson).
Morris esteve há dias em Lisboa, para falar do seu trabalho num ciclo de fotojornalismo que decorreu na ETIC (Escola Técnica de Imagem e Comunicação). Numa esplanada à beira do Tejo, o homem que cortou a cabeça a George W. Bush falou com o P2.
PÚBLICO - Como é que um clássico fotojornalista de guerra acaba a fotografar o Presidente americano?
CHRISTOPHER MORRIS - No meu caso, foi por causa da família. Em 2000, quando a minha filha mais velha fez dois anos, percebi que não era justo para ela nem para a minha mulher eu continuar a fazer fotografia de guerra. Além disso, os dois fotógrafos da Time que tinham coberto a Casa Branca nos últimos 30 anos iam reformar-se e perguntaram-me se eu estaria interessado em fazer esse trabalho. Até aí eu não tinha fotografado nada na América. No início estava um pouco apreensivo em aceitar porque, basicamente, tudo o que há para fotografar são homens de fato, políticos. Mas depois do 11 de Setembro tornou-se muito interessante.
Porquê?
Porque vi uma nação a ficar absorvida em si mesma. E o ambiente de medo e paranóia: era como uma nação zombie a ser seduzida por um governo. Julgo que não teria gostado de cobrir Al Gore se ele tivesse ganho [as eleições], ou John Kerry - eles teriam sido presidentes horríveis para eu documentar. Ao passo que George W. Bush é muito estimulante por ser tão apreciado em todo o mundo [risos].
Ser fotógrafo na Casa Branca não é o oposto do fotojornalismo de guerra?
É. É tudo muito controlado e artificial. Dizem-nos onde devemos estar, quando sair.
E não deixa de ser fotojornalismo?
Não. Não sou eu que controlo ou enceno o acontecimento - são outros e eu limito-me a documentar a realidade deles. E depois, há muitas coisas a acontecer à volta do Presidente que não têm nada a ver com o Presidente. Quando se fotografa o mesmo homem seis meses por ano durante cinco ou seis anos, é preciso procurar mais alguma coisa. Acabei por ficar fascinado, acho que me tornou um melhor fotógrafo...
A sério?
Sim. A fotografia de guerra é muito simples: a imagem está lá; se nos pusermos no sítio certo, não temos de trabalhar muito por ela. Mas fazer o que eu faço em política é muito difícil. É mais difícil encontrar a fotografia, o desafio é maior. É fácil fazer com que um homem com uma arma apontada a alguém pareça interessante, mas é muito difícil que um homem num fato pareça interessante.
O facto de ter coberto a guerra do Iraque em 2003 influenciou de alguma maneira o seu olhar sobre o Presidente quando voltou?
Foi muito curioso estar em Washington e assistir ao crescendo que levou à guerra, ouvir os discursos de muito perto todos os dias e depois partir para a guerra, e depois regressar e ter de ouvir mais discursos sobre o Iraque. Por ter uma experiência profissional mais internacional e ter passado tanto tempo no estrangeiro, julgo ter uma perspectiva sobre a guerra diferente do americano médio ou dos políticos americanos. Os americanos estão muito isolados num certo sentido. O governo está muito isolado, Bush está muito isolado... Foi aí que tive a ideia de fazer o livro My America. Porque vi esta espécie de nação zombie, envolta na bandeira, no patriotismo, no nacionalismo... Vi Bush a falar na TV há dois dias e ele continua a classificar o Iraque como "guerra ao terrorismo" - até hoje. O Congresso queria diminuir o financiamento da guerra e trazer as nossas tropas para casa em 2008, e Bush a insistir que, ao fazê-lo, estão a cortar o financiamento da guerra ao terrorismo. E muitos americanos engolem isso. Menos agora do que antes, é certo: muitos começam a perceber que o Iraque não teve nada a ver com a guerra ao terrorismo. Talvez agora tenha a ver, mas fomos nós que criámos os terroristas com as nossas acções.
Passar tanto tempo com Bush e a sua comitiva não implica um acordo mútuo, explícito ou implícito, uma certa interdependência?
Completamente. Passamos tanto tempo com as pessoas que se encarregam de nós que, basicamente, nos tornamos amigos. Elas têm de confiar em nós, têm de estar seguras de que não lhes vamos passar uma rasteira. E nós temos de alinhar nisso para ganhar algum acesso. Mas isso não quer dizer que não fazemos fotografias pouco simpáticas. Por exemplo, se eu souber que a história da semana ou do mês é qualquer coisa muito grave relacionada com a guerra, vou procurar captar o Presidente com uma determinada expressão. Em vez de o ter de cabeça erguida, a sorrir, posso fotografá-lo cabisbaixo, com um ar pensativo, absorto. Quando se é fotógrafo, está-se sempre a editar para que a imagem coincida com a história ou o ambiente que dominou o dia. E ultimamente isso tem sido mais fácil porque a guerra está a correr muito mal. Antes só se publicavam fotografias muito patrióticas do Presidente, aquela imagem do cowboy. Agora é mais a imagem de alguém derrotado e infeliz.
O facto de ele ser uma figura controversa facilita ou dificulta o seu trabalho?
Facilita. Não estou a compará-lo com isso, mas se me perguntar que líderes mundiais é que eu gostaria de fotografar, documentar, se tivesse sido fotógrafo na década de 1940, dir-lhe-ia: os controversos.
Hitler?
Adoraria poder documentar Hitler. Se concordo com a política dele? Serei um fascista? Não, mas teria gostado de passar seis meses a viajar com ele. Não estou a tentar comparar Bush com o estadista alemão desse período, mas ele é bastante polémico. O que é singular é que ele é tão detestado no mundo inteiro e, ao mesmo tempo, era como um Deus na América. Em 2003-2005, tudo o que ele fizesse era inquestionável. As pessoas choravam quando ele pisava um palco. Testemunhar isso, ver a adoração, o culto à volta deste homem sabendo que o resto do mundo pensa que ele é o mal em pessoa, pode ser muito fascinante. Eu ia aos comícios e ficava de cabelos em pé. Toda a gente a cantar o hino nacional, a rezar, "Deus abençoe o nosso Presidente e as nossas tropas"...
Portanto, quando toda a gente tinha dúvidas, você tinha a certeza de que ele seria reeleito em 2004?
Não. Mas sorri quando isso aconteceu. Não votei nele. Mas, de certa forma, fiquei feliz por ele ser reeleito.
Um realizador israelita, Avi Mograbi, fez um filme sobre o ex-primeiro-ministro Ariel Sharon, intitulado How I Learned to Overcome My Fear and Love Arik Sharon [Como Aprendi a Ultrapassar o Meu Medo e Amar Arik Sharon, numa tradução literal]. A ideia era estar "tão perto quanto possível" de Sharon "no momento em que o monstro dentro dele saísse cá para fora". Só que, em vez do monstro, encontrou uma figura com a qual se pode simpatizar. Isto soa-lhe familiar?
Sim. Quando comecei a fotografar George Bush em 2000, não gostava nada do homem. Eu via aquilo que toda a gente vê na TV e isso irritava-me. Mas agora as pessoas perguntam-me e eu digo: "Não, eu gosto do gajo". Acho que ele tem sido um Presidente terrível, mas ao nível pessoal gosto dele. E não é fácil admitir isso.
Sente uma certa ambiguidade em relação à figura.
Sim, porque tenho de estar ali sentado a ouvir aqueles discursos dele, aquela doutrinação da nação da qual discordo. Mas simpatizo com ele.
Ele comentou alguma vez as suas fotografias?
Se são fotografias de que gosta, ele espeta o polegar e diz: "Boa foto". Estou certo de que se ele não gosta de uma fotografia provavelmente faz uma careta qualquer [risos]. É muito fácil olhar para ele e perceber se está bem-disposto ou não.
Como fotógrafo da Casa Branca, há certas rotinas, certas obrigações que tem de cumprir? Quantas vezes por semana tem de estar na Casa Branca?
Vou lá todos os dias, é como um emprego. Eu trabalho para a revista Time, não trabalho para a Casa Branca, mas todos os dias tenho de lá ir. Um chefe de Estado estrangeiro pode visitar Bush, há um momento em que eles posam para as câmaras na Sala Oval, fazemos isso, talvez haja um discurso sobre o sistema de saúde, fazemos isso - é como um emprego diário. Quando se é um fotógrafo de guerra freelance, nunca se sabe quando é que há trabalho. Pagar as contas implica sempre partir em busca de uma guerra para fotografar. Isto é como um emprego a sério, seis dias por semana.
Alguma vez receou ser conotado como "fotógrafo de Bush", apesar do vasto trabalho que tem para trás como fotojornalista de guerra?
Não, porque conheço o meu trabalho. Não estou a vender o Presidente, estou a documentar este período na América. Historicamente, é uma presidência muito importante, que se vai destacar mais do que outras. Mais do que Clinton, mais do que o seu pai. Oito anos de George W. Bush afectaram realmente o mundo.
Acaba de publicar o seu primeiro livro, com fotografias que tirou ao cobrir Bush. Por que lhe chamou My America? É uma América tão republicana e nacionalista...
Passei os últimos cinco anos a ver uma América republicana, era tudo o que eu via. Na minha América não havia lixo, não havia pessoas sem-abrigo, não havia minorias, é como uma sociedade pura. E eu procuro mostrar que tudo está em ordem, tudo está limpo - é o perfeito e utópico mundo republicano. Digo que é "a minha América" porque foi o que vivi. Existe outra América, há toda uma parte do país que não votou [no Partido] Republicano, mas eu nunca a vi. Quando se viaja com o Presidente, está-se numa pequena bolha imaculada. Aonde quer que se vá, as ruas estão limpas, há bandeiras nas casas, as fábricas foram pintadas de fresco, tudo é perfeito.
Sim, mas ao dizer My America, "a minha América", está a sugerir que se identifica com ela, que se reconhece nela.
Sim, e eu queria isso, queria que as pessoas perguntassem: "O que é isto? É realmente a América dele?" Esses três anos que estão no livro são o que a América foi para mim. Quase não há texto no livro - originalmente, eu tinha um texto em que mostrava o meu jogo, explicava o que estava a fazer. Mas apercebi-me de que não podia publicá-lo porque não queria que fossem as palavras a formar as opiniões das pessoas. Queria que as fotografias falassem por si próprias, que provocassem emoções. Por exemplo, os europeus olham para elas e vêem uma América muito assustadora. Mas um republicano pode vê-las e achar que é tudo muito bonito e perfeito.
Pessoas como Lynne Cheney [mulher do vice-presidente americano Dick Cheney] ou Cherie Blair surgem fotografadas de uma forma nada lisonjeira. Pelo contrário: as suas cabeças estão cortadas e há nelas uma opulência que é retratada com acidez. Como é que conseguiu fazer isto sem ser preso [risos]?
Elas não podem fazer grande coisa, uma vez que são figuras públicas e eu faço parte de uma pool muito restrita [de jornalistas] que tem de estar muito perto. Não é como se elas pudessem dizer: "Não me tire fotografias". São como peixes num aquário. O meu plano [na fotografia de Cherie Blair] era fotografar os sapatos, eu estava muito interessado nos sapatos republicanos, que são muito caros. O passeio era em mármore e eu estava a tentar mostrar os sapatos no mármore, mesmo sem saber quem é que ia sair do carro. Eu esperava que fosse a primeira dama, mas acabou por ser Cherie Blair. Basicamente eu estava a focar os sapatos e não queria apanhar o rosto porque, se o fizesse, ninguém iria reparar nos sapatos. E ela como que transbordou do carro. Mas depois tive logo que recuar e fotografá-la de corpo inteiro, senão teria problemas com a minha revista...
A Casa Branca viu o seu livro?
Eles até o têm nos seus gabinetes...
Como um álbum de mesa de sala...
Como um álbum de mesa de sala. Acho que quando voltar, desta vez vou assinar um exemplar do livro e fazer com que o entreguem ao Presidente. Estou curioso para ver a reacção dele.
Ou seja, eles gostaram do livro.
Sim. Aquilo são eles. E eles estão muito confortáveis consigo mesmos. Se eu os tivesse fotografado de calções, T-shirt e boné de basebol, teriam detestado. Mas estão a usar um fato!
Qual foi a reacção do lado anti-Bush ao livro?
Quando mostrei o trabalho em Nova Iorque, por exemplo, que é bastante mais liberal, eles assustaram-se e ficaram muito aborrecidos por eu lhe ter chamado My America. "Porque não é a América, não é a minha América..."
George Bush vai deixar a Casa Branca em 2009. Já sabe o que vai fazer depois?
Não. Espero que Barack Obama ganhe. É o único, de todos os candidatos, que eu gostaria realmente de cobrir, com o mesmo entusiasmo que tive em relação a Bush. Mas se for Hillary ou Rudolph Giuliani... Não seria tão interessante.
O seu pai é republicano. Como é que ele se sente por ter um filho que fotografa o Presidente?
Muito orgulhoso. É a melhor coisa que me aconteceu na vida, segundo ele. Mas, quando viu o livro ficou, à beira das lágrimas. Para ele, era o pior trabalho de fotografia que eu alguma vez fizera na vida. "Onde está o Presidente? Porque é que lhe cortaste a cabeça?" São todos republicanos, à excepção da minha mãe. O meu pai, a minha irmã... Têm autocolantes do Bush no carro e um pequeno santuário em casa com parafernália do Bush...
Para saber mais
www.viiphoto.com/photographer.html
A agência de Morris, a reputada VII. Contém uma biografia e várias fotografias de Morris ao longo do seu percurso.
www.hastedhunt.com/photos.php?a=christopher_morris&i=56641
Inclui 22 fotografias de My America.
www.time.com/time/photoessays/iraq2003/morris/1.html
Portfolio da cobertura que Morris fez em Março e Abril de 2003, no início da ofensiva americana no Iraque.
www.time.com/time/personoftheyear/2004/photoessay
Portfolio para a revista Time sobre o quotidiano do Presidente Bush.
quinta-feira, abril 5
António Morais foi punido por absentismo e está a ser alvo de processo disciplinar na Universidade Técnica
05.04.2007, José António Cerejo
O antigo director do curso de Engenharia da Universidade Independente, António José Morais, que leccionou quatro das cinco cadeiras feitas por José Sócrates naquela escola, está a ser alvo de um processo disciplinar aberto pela Inspecção-Geral do Ensino Superior. Motivo: violação das regras da dedicação exclusiva a que está sujeito como professor da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa (UTL).
Este não é, porém, o primeiro problema disciplinar do também antigo professor do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa - que ali leccionou duas cadeiras na mesma área (vias de comunicação) e no mesmo ano (1994) em que o primeiro-ministro lá retomou os estudos, antes de seguir para a Independente. Em 2004 foi-lhe levantado um processo de averiguações por faltar demasiado às aulas na UTL e em 2005 foi objecto de um processo disciplinar pelo mesmo motivo e não só.
Mas já anteriormente, em 2002, enquanto director do Gabinete de Estudos e Planeamento de Instalações (GEPI) do Ministério da Administração Interna, tinha sido visado num inquérito disciplinar motivado por irregularidades detectadas pela Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) na adjudicação de empreitadas. O inquérito acabou arquivado em 2003 por "não terem sido detectadas situações passíveis de integrar a prática de infracções", mas as conclusões da IGAI e de uma auditoria do Tribunal de Contas feitas na mesma altura são arrasadoras.
Na sua qualidade de professor da Faculdade de Arquitectura da UTL, António Morais defrontou-se com um primeiro processo por absentismo desencadeado em 2004. Os autos foram arquivados porque não foi possível ouvir os alunos estrangeiros queixosos, inscritos através do programa Erasmus e entretanto regressados aos seus países. Por outro lado, nesse mesmo ano, o docente Morais viu ser-lhe negada, por unanimidade do Conselho Científico, a concessão de uma licença sabática para 2004-2005, por não preencher os requisitos legais para o efeito.
Nomeado em Maio de 2005, por José Sócrates e pelo ministro Alberto Costa, presidente do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça - de onde viria a sair oito meses depois por via da polémica da contratação de uma cidadã brasileira -, António Morais voltou então a ver-se a braços com a falta de assiduidade às aulas que era suposto dar, para lá de numerosas queixas junto do Conselho Pedagógico. Face à acumulação de faltas e ao incumprimento de tarefas e obrigações várias, o Conselho Directivo pediu à Inspecção-Geral do Ensino Superior a realização de um processo de averiguações, que foi depois transformado em processo disciplinar. Provados os factos, o Senado da UTL castigou-o com uma multa de mil euros.
Meses depois, na sequência da sua saída dos serviços de gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, Morais tornou-se professor em regime de dedicação exclusiva e viu-se mais uma vez envolvido em problemas. Face à constatação de que a exclusividade estava a ser violada pelo ex-director do GEPI - e por mais três professores que com ele trabalham em estudos adjudicados pela SRU Ocidental (uma empresa da Câmara de Lisboa) a uma sociedade de que Morais é sócio gerente (Geasm) e a uma outra ligada a um dos seus colegas -, o conselho directivo pediu a intervenção do ministro da Ciência no ano passado. Mariano Gago encaminhou o assunto para a Inspecção-Geral do Ensino Superior e o processo de averiguações entretanto instaurado deu origem a um processo disciplinar ainda em curso.
Contactado pelo PÚBLICO, Morais negou, por escrito, que lhe tenha sido levantado um processo disciplinar por motivos de absentismo. "Foi-me instaurado um processo disciplinar por ter tido uma atitude para com o sr. presidente do conselho directivo considerada desrespeitosa", adiantou. Só que o então presidente do conselho directivo da Faculdade de Arquitectura, professor Fernando Caria, garantiu ontem o contrário: "O processo de 2005 foi motivado por absentismo e outros incumprimentos e levou o Senado da UTL a aplicar-lhe uma multa de mil euros."
António Morais nega outras evidências. "Não exerço qualquer actividade profissional na Geasm ou em qualquer outra empresa [...]; não é assim verdade que seja gerente da Geasm, pelo que não executei qualquer trabalho para a SRU." Mas os registos da Geasm, uma empresa de projectos por ele criada com a ex-mulher, em 1989, não deixam dúvidas: o professor é o único gerente desde 2003. E há mais. Morais é também gerente de outra empresa, a Lisparra, onde tem como sócio um arquitecto que desde 1994 colabora com a Geasm e a que o GEPI adjudicou a realização de mais de 20 estudos e projectos enquanto foi dirigido por Morais.
05.04.2007, José António Cerejo
O antigo director do curso de Engenharia da Universidade Independente, António José Morais, que leccionou quatro das cinco cadeiras feitas por José Sócrates naquela escola, está a ser alvo de um processo disciplinar aberto pela Inspecção-Geral do Ensino Superior. Motivo: violação das regras da dedicação exclusiva a que está sujeito como professor da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa (UTL).
Este não é, porém, o primeiro problema disciplinar do também antigo professor do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa - que ali leccionou duas cadeiras na mesma área (vias de comunicação) e no mesmo ano (1994) em que o primeiro-ministro lá retomou os estudos, antes de seguir para a Independente. Em 2004 foi-lhe levantado um processo de averiguações por faltar demasiado às aulas na UTL e em 2005 foi objecto de um processo disciplinar pelo mesmo motivo e não só.
Mas já anteriormente, em 2002, enquanto director do Gabinete de Estudos e Planeamento de Instalações (GEPI) do Ministério da Administração Interna, tinha sido visado num inquérito disciplinar motivado por irregularidades detectadas pela Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) na adjudicação de empreitadas. O inquérito acabou arquivado em 2003 por "não terem sido detectadas situações passíveis de integrar a prática de infracções", mas as conclusões da IGAI e de uma auditoria do Tribunal de Contas feitas na mesma altura são arrasadoras.
Na sua qualidade de professor da Faculdade de Arquitectura da UTL, António Morais defrontou-se com um primeiro processo por absentismo desencadeado em 2004. Os autos foram arquivados porque não foi possível ouvir os alunos estrangeiros queixosos, inscritos através do programa Erasmus e entretanto regressados aos seus países. Por outro lado, nesse mesmo ano, o docente Morais viu ser-lhe negada, por unanimidade do Conselho Científico, a concessão de uma licença sabática para 2004-2005, por não preencher os requisitos legais para o efeito.
Nomeado em Maio de 2005, por José Sócrates e pelo ministro Alberto Costa, presidente do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça - de onde viria a sair oito meses depois por via da polémica da contratação de uma cidadã brasileira -, António Morais voltou então a ver-se a braços com a falta de assiduidade às aulas que era suposto dar, para lá de numerosas queixas junto do Conselho Pedagógico. Face à acumulação de faltas e ao incumprimento de tarefas e obrigações várias, o Conselho Directivo pediu à Inspecção-Geral do Ensino Superior a realização de um processo de averiguações, que foi depois transformado em processo disciplinar. Provados os factos, o Senado da UTL castigou-o com uma multa de mil euros.
Meses depois, na sequência da sua saída dos serviços de gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, Morais tornou-se professor em regime de dedicação exclusiva e viu-se mais uma vez envolvido em problemas. Face à constatação de que a exclusividade estava a ser violada pelo ex-director do GEPI - e por mais três professores que com ele trabalham em estudos adjudicados pela SRU Ocidental (uma empresa da Câmara de Lisboa) a uma sociedade de que Morais é sócio gerente (Geasm) e a uma outra ligada a um dos seus colegas -, o conselho directivo pediu a intervenção do ministro da Ciência no ano passado. Mariano Gago encaminhou o assunto para a Inspecção-Geral do Ensino Superior e o processo de averiguações entretanto instaurado deu origem a um processo disciplinar ainda em curso.
Contactado pelo PÚBLICO, Morais negou, por escrito, que lhe tenha sido levantado um processo disciplinar por motivos de absentismo. "Foi-me instaurado um processo disciplinar por ter tido uma atitude para com o sr. presidente do conselho directivo considerada desrespeitosa", adiantou. Só que o então presidente do conselho directivo da Faculdade de Arquitectura, professor Fernando Caria, garantiu ontem o contrário: "O processo de 2005 foi motivado por absentismo e outros incumprimentos e levou o Senado da UTL a aplicar-lhe uma multa de mil euros."
António Morais nega outras evidências. "Não exerço qualquer actividade profissional na Geasm ou em qualquer outra empresa [...]; não é assim verdade que seja gerente da Geasm, pelo que não executei qualquer trabalho para a SRU." Mas os registos da Geasm, uma empresa de projectos por ele criada com a ex-mulher, em 1989, não deixam dúvidas: o professor é o único gerente desde 2003. E há mais. Morais é também gerente de outra empresa, a Lisparra, onde tem como sócio um arquitecto que desde 1994 colabora com a Geasm e a que o GEPI adjudicou a realização de mais de 20 estudos e projectos enquanto foi dirigido por Morais.
Documento oficial diz que não houve nenhum diplomado no curso de Sócrates em 1996
05.04.2007, Ricardo Dias Felner
Levantamento estatístico do Observatório do Ensino Superior acrescenta mais uma contradição ao dossier de licenciatura do primeiro-ministro.
São Bento remeteu explicações para a UnI
Um estudo do Ministério do Ensino Superior revela que em 1996 não houve nenhum aluno diplomado em Engenharia Civil, pela Universidade Independente (UnI). Este dado contraria os documentos, apresentados ao PÚBLICO como fazendo prova da licenciatura do primeiro-ministro, que indicavam que José Sócrates havia concluído o curso no dia 8 de Setembro de 1996.
Em declarações ao PÚBLICO, o assessor de imprensa do primeiro-ministro, Luís Bernardo, reafirmou que "o primeiro-ministro acabou a licenciatura em 1996", remetendo qualquer explicação sobre o resultado do estudo para a UnI. "Isso não é um problema do primeiro-ministro. A questão terá de ser colocada à UnI e ao Ministério do Ensino Superior."
Contactado pelo PÚBLICO, o reitor da UnI à época, Luís Arouca, recusou-se a dar qualquer esclarecimento. "Estou em completo blackout relativamente a esse assunto", disse.
De acordo com o levantamento estatístico Diplomados (1993/2002), elaborado em 2004 pelo Observatório da Ciência e do Ensino Superior (OCES), só se licenciaram na UnI, no ano de 1996, alunos dos cursos de Ciências da Comunicação (67) e de Relações Internacionais (25).
A razão pela qual a maioria dos cursos ainda não tinha qualquer licenciado, nesse período, deve-se ao facto de a UnI ter começado a funcionar em 1994/95.
Na página 177 do documento do OCES pode ler-se que, para o curso de Engenharia Civil, os primeiros diplomados só surgem em 1997/98 - e são sete. Este número coincide com o valor apresentado num relatório de avaliação externa do curso de Engenharia Civil da UnI, elaborado por uma comissão independente.
A pista sobre este levantamento foi dada por um leitor anónimo do blogue Do Portugal Profundo, cujo autor, António Balbino Caldeira, tem levantado, desde 2005, dúvidas sobre o currículo académico de José Sócrates.
Os dados do documento (disponível no site do OCES) têm por base, como é escrito na introdução, "a resposta dos estabelecimentos de ensino superior ao inquérito estatístico anual realizado pelo OCES" - um organismo pertencente ao Ministério da Tecnologia, Ciência e Ensino Superior.
Em declarações ao PÚBLICO, há três semanas, o primeiro-ministro, o antigo reitor da instituição e o então director do departamento de Engenharia Civil garantiram que, logo em 1996, quando o curso tinha apenas dois anos, houve alunos, transferidos de outras instituições, a frequentar cadeiras dos terceiro e quinto anos da licenciatura em Engenharia Civil, entre os quais estava o próprio José Sócrates.
Esta versão foi contudo contrariada, na mesma altura, pelo director da Faculdade de Engenharia e vice-reitor, Eurico Calado. Este professor afirmou que em 1996 só funcionaram aulas dos primeiro e segundo anos do curso de Engenharia Civil.
Quem deu as aulas?
Esta não é, no entanto, a única contradição que subsiste relativamente à licenciatura de José Sócrates. Permanece pouco claro quem leccionou as cinco disciplinas que o actual primeiro-ministro terá concluído naquela instituição. O director à época do departamento de Engenharia Civil, António José Morais, afirmara ao PÚBLICO (ver edição de 22 de Março) que fora responsável por quatro dessas cadeiras, todas na área das estruturas. O ex-reitor Luís Arouca, por sua vez, acrescentara que Fernando Guterres dera algumas dessas aulas práticas. No Expresso da semana passada, por sua vez, António José Morais citou um outro docente, "o monitor Silvino Alves", que também terá leccionado essas cadeiras.
Sucede que num currículo exaustivo de António José Morais, o docente apenas refere ter leccionado, em 1996, na UnI, as disciplinas de Betão Armado e Pré-Esforçado e Teoria das Estruturas. A primeira cadeira terá sido concluída por José Sócrates, mas a segunda não aparece sequer no plano curricular do curso.
De fora ficam, assim, três cadeiras que António José Morais dissera ter ministrado a José Sócrates nesse período: Análise de Estruturas (3.º ano), Projecto e Dissertação (5.º ano) e Estruturas Especiais (5.º ano).
No mesmo currículo, com 43 páginas, António José Morais indica que só leccionou a cadeira de Projecto, em 1997, ou seja, quando José Sócrates já teria a licenciatura finalizada. Questionado por e-mail sobre estas contradições e sobre as aulas dadas pelo "monitor Silvino Alves", António José Morais manteve que leccionou as quatro disciplinas de estruturas e que, "em todas", teve "mais que um aluno", acabando por concluir: "Desconheço que versão de currículo viu." Acrescentaria depois que "Teoria é o mesmo que Análise".
05.04.2007, Ricardo Dias Felner
Levantamento estatístico do Observatório do Ensino Superior acrescenta mais uma contradição ao dossier de licenciatura do primeiro-ministro.
São Bento remeteu explicações para a UnI
Um estudo do Ministério do Ensino Superior revela que em 1996 não houve nenhum aluno diplomado em Engenharia Civil, pela Universidade Independente (UnI). Este dado contraria os documentos, apresentados ao PÚBLICO como fazendo prova da licenciatura do primeiro-ministro, que indicavam que José Sócrates havia concluído o curso no dia 8 de Setembro de 1996.
Em declarações ao PÚBLICO, o assessor de imprensa do primeiro-ministro, Luís Bernardo, reafirmou que "o primeiro-ministro acabou a licenciatura em 1996", remetendo qualquer explicação sobre o resultado do estudo para a UnI. "Isso não é um problema do primeiro-ministro. A questão terá de ser colocada à UnI e ao Ministério do Ensino Superior."
Contactado pelo PÚBLICO, o reitor da UnI à época, Luís Arouca, recusou-se a dar qualquer esclarecimento. "Estou em completo blackout relativamente a esse assunto", disse.
De acordo com o levantamento estatístico Diplomados (1993/2002), elaborado em 2004 pelo Observatório da Ciência e do Ensino Superior (OCES), só se licenciaram na UnI, no ano de 1996, alunos dos cursos de Ciências da Comunicação (67) e de Relações Internacionais (25).
A razão pela qual a maioria dos cursos ainda não tinha qualquer licenciado, nesse período, deve-se ao facto de a UnI ter começado a funcionar em 1994/95.
Na página 177 do documento do OCES pode ler-se que, para o curso de Engenharia Civil, os primeiros diplomados só surgem em 1997/98 - e são sete. Este número coincide com o valor apresentado num relatório de avaliação externa do curso de Engenharia Civil da UnI, elaborado por uma comissão independente.
A pista sobre este levantamento foi dada por um leitor anónimo do blogue Do Portugal Profundo, cujo autor, António Balbino Caldeira, tem levantado, desde 2005, dúvidas sobre o currículo académico de José Sócrates.
Os dados do documento (disponível no site do OCES) têm por base, como é escrito na introdução, "a resposta dos estabelecimentos de ensino superior ao inquérito estatístico anual realizado pelo OCES" - um organismo pertencente ao Ministério da Tecnologia, Ciência e Ensino Superior.
Em declarações ao PÚBLICO, há três semanas, o primeiro-ministro, o antigo reitor da instituição e o então director do departamento de Engenharia Civil garantiram que, logo em 1996, quando o curso tinha apenas dois anos, houve alunos, transferidos de outras instituições, a frequentar cadeiras dos terceiro e quinto anos da licenciatura em Engenharia Civil, entre os quais estava o próprio José Sócrates.
Esta versão foi contudo contrariada, na mesma altura, pelo director da Faculdade de Engenharia e vice-reitor, Eurico Calado. Este professor afirmou que em 1996 só funcionaram aulas dos primeiro e segundo anos do curso de Engenharia Civil.
Quem deu as aulas?
Esta não é, no entanto, a única contradição que subsiste relativamente à licenciatura de José Sócrates. Permanece pouco claro quem leccionou as cinco disciplinas que o actual primeiro-ministro terá concluído naquela instituição. O director à época do departamento de Engenharia Civil, António José Morais, afirmara ao PÚBLICO (ver edição de 22 de Março) que fora responsável por quatro dessas cadeiras, todas na área das estruturas. O ex-reitor Luís Arouca, por sua vez, acrescentara que Fernando Guterres dera algumas dessas aulas práticas. No Expresso da semana passada, por sua vez, António José Morais citou um outro docente, "o monitor Silvino Alves", que também terá leccionado essas cadeiras.
Sucede que num currículo exaustivo de António José Morais, o docente apenas refere ter leccionado, em 1996, na UnI, as disciplinas de Betão Armado e Pré-Esforçado e Teoria das Estruturas. A primeira cadeira terá sido concluída por José Sócrates, mas a segunda não aparece sequer no plano curricular do curso.
De fora ficam, assim, três cadeiras que António José Morais dissera ter ministrado a José Sócrates nesse período: Análise de Estruturas (3.º ano), Projecto e Dissertação (5.º ano) e Estruturas Especiais (5.º ano).
No mesmo currículo, com 43 páginas, António José Morais indica que só leccionou a cadeira de Projecto, em 1997, ou seja, quando José Sócrates já teria a licenciatura finalizada. Questionado por e-mail sobre estas contradições e sobre as aulas dadas pelo "monitor Silvino Alves", António José Morais manteve que leccionou as quatro disciplinas de estruturas e que, "em todas", teve "mais que um aluno", acabando por concluir: "Desconheço que versão de currículo viu." Acrescentaria depois que "Teoria é o mesmo que Análise".
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