sexta-feira, dezembro 5

Piaget condenado a pagar 40 mil euros a aluna vítima de praxe

05.12.2008, José Augusto Moreira

Não há memória de outra indemnização decidida pelo tribunal contra escolas e a favor de estudantes humilhados em praxes


O Tribunal da Relação do Porto condenou o Instituto Piaget a pagar uma indemnização de cerca de 40 mil euros a uma aluna vítima de actos de praxe, considerados degradantes e humilhantes. O acórdão, que diz respeito a factos ocorridos em 2002, em Macedo de Cavaleiros, considera que constitui ilícito civil a conduta de uma instituição do ensino superior que, embora conhecendo o conteúdo de um código de praxe ofensivo, intimador e violador da dignidade da pessoa humana, permite ao mesmo tempo que continue a ser aplicado.

Por outro lado, frisam os juízes, tal instituição tem o dever específico de respeitar, fazer respeitar e promover direitos fundamentais, como o respeito mútuo, a liberdade, a solidariedade e a dignidade da pessoa humana, pelo que incorre na obrigação de indemnizar quem tenha sido ofendido pelas praxes académicas, relativamente aos danos patrimoniais e morais. O Instituto Piaget informou que não vai comentar a decisão, mas que dela vai apresentar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Esta é a primeira decisão conhecida em que uma instituição é condenada a ressarcir um aluno vítima de praxes académicas.
A acção foi proposta por uma ex-aluna do curso de Fisioterapia, Ana Damião, que se queixou de praxes violentas, degradantes e humilhantes e de nada ter acontecido depois de denunciar os factos aos responsáveis pela escola, que até lhe aplicou uma sanção disciplinar "pela forma subjectiva e excessiva como relatou os factos". Ana Damião teve que anular a matrícula e afastar-se da cidade, onde era alvo de frequentes ofensas e insultos por ter denunciado o caso.
Numa primeira decisão, o Tribunal de Macedo de Cavaleiros acabou por não lhe dar razão, já que, embora confirmando os factos, acabou por absolver a escola considerando não ter ficado provado que a aluna se tenha recusado a submeter-se às actividades da praxe. Na decisão de recurso, os juízes da relação fazem uma severa apreciação desta decisão, considerando que nela se "confunde de forma simplista a não recusa com o consentimento" ao mesmo tempo que "não valorizou a ambiência de medo, constrangimento e ansiedade" vivida pela aluna.
O acórdão agora conhecido afirma mesmo que "mal andou o tribunal [de Macedo de Cavaleiros]" ao afirmar que "as praxes académicas constituem um fenómeno público e notório e do conhecimento geral", uma vez que tal "não permite concluir que autora [a aluna] ou qualquer cidadão comum conheça o teor dessas práticas: como simular actos sexuais com um poste, simular um orgasmo, exibir a roupa interior, proferir expressões de elevada grosseria ou ser chamado de bosta".
A indemnização, de 38.540 euros, acrescidos de juros desde o início do processo, resulta dos danos morais e patrimoniais sofridos por Ana Damião, já que perdeu o ano e foi forçada a sair da escola, tendo entretanto concluído outro curso numa escola de Chaves. A sua advogada, Elisa Santos, considera que, além de fazer justiça, a decisão é também "um prémio para a atitude extraordinária e corajosa" mantida por Ana Damião.

sexta-feira, maio 30

Em Julho e Agosto de 1936, o jornalista James Agee e o repórter-fotográfico Walker Evans conviveram com três famílias de camponeses dos campos de algodão do Sul dos Estados Unidos.





A ideia era relatar as condições de vida – absolutamente miseráveis – desses trabalhadores do campo no tempo da Grande Depressão. O texto e as fotografias foram depois recusados pela revista que pediu a reportagem, a Fortune. Não houve artigo, mas nasceu um livro: «Elogiemos agora os homens famosos».





A reportagem foi considerada um dos trabalhos mais importantes e influentes do século XX, frequentemente citado como um dos expoentes do jornalismo, praticado em nome de uma consciência social.





O livro honra, logo nas primeiras páginas, o fotojornalismo. Antes de qualquer prólogo, é de fotografias que se ocupam as mais de trinta páginas iniciais do livro. Sem legendas porque a verdade está lá toda.





James Agee chama a esta reportagem, a esta obra, «documento fotográfico e verbal».





Segundo ele, os instrumentos imediatos do documento são dois: «a câmara fixa e a palavra impressa». O instrumento predominante é a consciência humana individual e anti-autoritária. E esclarece: «As fotografias não são ilustrativas. Elas e o texto são iguais entre si, mutuamente independentes e totalmente colaborantes». Em nome da história e do futuro da fotografia, atesta Agee, assumir esse risco era uma atitude ética e necessária. Até porque esta reportagem, escreveu, é um «esforço de actualidade humana em que o leitor não está menos implicado que os autores e aqueles sobre quem eles falam».





Maio de 2008. O futuro é já hoje. Mas que futuro?





Texto escrito e imagem têm toda uma história de vida em comum, com altos e baixos é certo, mas em comum. Também em Portugal, a união de facto, com respeito pela independência de cada área criativa, foi funcionando.





Pode dizer-se que o «casal» presenciou, com profundidade e visão panorâmica, ao longo de décadas, várias das feridas e alegrias do mundo, tendo sobre elas um olhar e uma expressão própria, única. A relação entre narrativa e discurso visual teve dias épicos, respeitando um jornalismo íntegro, digno, que honra quem o fez e não desmerece quem o partilhou.





Mas houve também amuos, desconcertos, muitas faltas de cumplicidade nesta relação.





Em diversos momentos da história do jornalismo, sobretudo mais recentes, parece que texto e imagem caminharam alegre e inconscientemente para uma separação, numa atitude umbiguista das partes, pressionada e incentivada por várias causas internas e externas às redacções. E contra mim falo, porque todos, uma vez ou outra, fomos e somos cúmplices das opções do caminho.





Na verdade, o colete-de -forças do tempo, do espaço, do mercado e desse eufemismo que dá pelo nome de «sinergias de grupo», condicionaram sem piedade a expressão da palavra e de um olhar, atirando-o demasiadas vezes para os braços da ligeireza, da moda, da pose, da produção, da superficialidade e desse fenómeno típico da actualidade sempre apressada e ligeira: o «giro».





Hoje, tudo se pretende ser giro.





Mesmo a mais ignóbil das situações humanas, tem de ser retratada a partir de um ângulo «giro». Instalou-se a confusão entre emoção e informação. A concentração dos «media» e as preocupações imediatistas atropelam valores profissionais e impedem, muitas vezes, que o olhar dos jornalistas, escritor e fotógrafo, contraste situações, reflicta pontos de vista únicos, pessoais, íntegros, capazes de produzir uma narrativa original e fazer frente ao McJornalismo e aos «media» de conteúdos requentados.





Hoje, pede-se que saibamos tudo sobre digitalização de imagens e sons, câmaras fotográficas e vídeo, podcast e coisas que tais. Só assim, dizem alguns, teremos os jornalistas tecnicamente preparados para enfrentar os novos tempos.





Ninguém de bom senso ousará questionar as vantagens dessa evolução tecnológica. É necessária e, ainda que não fosse, é inevitável. Mas não será certamente por ingenuidade ou inocência que alguns pretendem, cada vez com mais insistência, redefinir as características e responsabilidades da nossa profissão, dando-lhe um nome adequado aos novos tempos, cada vez mais preocupados com a rapidez informativa - e de lucro, já agora. Começam a chamar-nos então «produtores de conteúdos».





Neste cenário, convém não lavar as mãos nem atirar a carga apenas para os jovens, muitas vezes vivendo situações precárias e de grande violência psicológica. Se assim sucede é também porque alguns de nós serviram de exemplo. Mau exemplo. E porque fomos os primeiros a usar o cargo e as funções em benefício, apenas, da nossa estabilidade e segurança. Esquecendo, pois, um ensinamento básico: quanto maior o cargo, maior a responsabilidade. Perante os outros, bem entendido.





Vivemos um tempo em que é promovido o imediatismo, em todas as suas vertentes. E esse imediatismo, como facilmente se percebe, é contrário à reflexão, assimilação e profundidade. Não confundir com a necessidade de captar o instante que, por vezes, define uma história.





Muitos disseram e escreveram que a luta das ideologias chegou ao fim. Anda aí, triunfante, a ideologia que promove o escândalo, o folhetim, a lamechice, a opinião indignada, bem pensante, politicamente correcta e sentimentalona. E que incita o cidadão a tornar-se, ele próprio, jornalista, só porque munido de telemóvel, câmara e carradas de protagonismo e insensatez.





O trabalho está orientado para a exibição. Tal como a religião e a política, nas palavras de Jose Luis Cebrian, fundador do jornal El Pais. A informação é puramente consumo. Ora, consumo de informação não é o mesmo que entender a informação como alimento básico da nossa formação cívica. Podemos consumir hambúrgueres e pizzas todos os dias sem que isso signifique exactamente estarmos bem alimentados. Escrever e fotografar sempre o mesmo, ainda que com muitas páginas ao dispor, não produz melhor conhecimento.





Não é sequer a Internet, a evolução tecnológica, a manipulação cobarde das imagens que representa uma ameaça ao jornalismo e aos jornalistas.





Quero crer que nenhuma técnica, nenhum acelerar da tecnologia, substitui as condições essenciais para se ser bom jornalista: vocação, talento, capacidade de relacionamento com o outro, responsabilidade social, criatividade, memória, bons livros, bons arquivos, cheiro da rua, carácter e humanidade. Coisas que não se ensinam nas escolas nem se aprendem nas faculdades hoje ditas de Ciências da Comunicação. E que sobrevivem à evolução tecnológica. Ou melhor, são o melhor trunfo para andar de mão dada com ela.





Discutir o presente e o futuro do fotojornalismo em Portugal é discutir o futuro do jornalismo, mas não quero proclamar aqui sentenças ou conclusões apressadas. Permitam-me, porém, que deixe alguns questionamentos, em jeito de provocação:





Está ou não o fotojornalismo a ceder ao primado da técnica em detrimento do domínio da linguagem fotográfica e jornalística?





O facto da geração do digital não ter mantido uma relação de cumplicidade com o laboratório e o papel prejudica a elaboração de um discurso ou de uma narrativa visual?





Quantos profissionais portugueses são hoje testemunhas de acontecimentos históricos ou enviados a conflitos internacionais? Perderam-se as narrativas do mundo com um olhar português?





Estamos a fazer a cobertura do mundo ou da nossa rua ou a informar sobre os «nossos» interesses políticos e empresariais no mundo?





O fotojornalismo - o jornalismo, no fundo - é hoje sinónimo de acomodação e medo de sair às ruas?





O jornalismo é um meio ou um fim? Estamos aqui para relatar e retratar as costuras da vida ou tratar da vidinha?



Com a junção dos jornais e revistas em grupos, com uma visão cada vez mais estreita dos acontecimentos e menos investimento nas narrativas de grande fôlego, que espaço resta para as histórias cruciais?





Como contrariar a linguagem burocrática dos jornais, de muitas notícias e temas, mas muito poucos pontos de vista?





Que futuro terão os fotojornalistas, intelectuais no sentido clássico, de saberes diferenciados, capazes de, como dizia Kundera, travar a cada dia e em cada página a luta da memória contra o esquecimento?





Há dias, um repórter-fotográfico habituado a zonas de conflito dizia: «As histórias que cobrimos são maiores do que nós, do que as nossas revistas e editores. É importante tratá-las com respeito e integridade pelo tema. O futuro do jornalismo está nas vossas mãos. Sigam os vossos corações, mesmo que estes se partam. Não desistam».





Nem tudo está perdido. A cada dia, surgem novos talentos, gente da geração digital aferrada a valores que não têm época porque são de sempre. Gente que não se transfigura, que não se prostitui e está disposta, mesmo na mais absoluta precariedade, a motivar os mais acomodados através de fartas transfusões de sonho, criatividade, empenho e dedicação. Gente que faz do jornalismo e do fotojornalismo causa.





Vicki Goldberg, repórter-fotográfica, disse: «Tudo o que o fotojornalismo capta faz parte das nossas vidas e não tem necessariamente de ser arte. Basta que seja verdade».





Edward Murrow, o histórico jornalista da CBS que enfrentou o McCarthismo e foi retratado no filme de George Clooney, Good Night and Good Luck, dizia que «para progredir, é preciso olhar para atrás».



Volto, por isso, ao sul dos Estados Unidos, ao ano de 1936, e às palavras de James Agee: «A câmara parece-me, depois da consciência sem ajuda e sem armas, o instrumento central do nosso tempo; por isso sinto tanta cólera ante o seu mau uso, que estendeu uma corrupção da vista tão universal que só conheço umas 12 pessoas vivas em cujos olhos possa confiar tanto como os das crianças».



Da recuperação da confiança num olhar assim não depende apenas o futuro do jornalismo e do fotojornalismo. Disso depende também a sobrevivência da integridade que devemos aos nossos leitores como seres humanos. Se não cuidarmos do que lemos e vemos, também como leitores exigentes, estaremos a contribuir para que se cumpra, sem recurso, uma velha sentença do escritor Mário de Carvalho: «O jornalismo cão há-de merecer um mundo-cão».

sexta-feira, maio 9

ASAE acusada de exorbitar competências
Especialista diz que governos portugueses não protegem produtos tradicionais
07.05.2008 - 09h02 Sofia Rodrigues

A ausência de excepções às leis comunitárias para os produtos tradicionais é da exclusiva responsabilidade de Portugal, acusou ontem uma especialista no Parlamento. Ana Soeiro, que esteve 30 anos ao serviço do Ministério da Agricultura e que fez o maior levantamento de produtos tradicionais em Portugal, critica os “sucessivos governos” de serem omissos por não terem feito uma simples comunicação a Bruxelas para se poder continuar a usar materiais tradicionais e manter práticas de fabrico de produtos típicos portugueses sem violar a lei comunitária.

Essas derrogações aos regulamentos comunitários permitiriam salvaguardar, por exemplo, o uso de panelas de cobre no fabrico de ovos moles, o fabrico de pão em unidades caseiras, ou a confecção de arroz de cabidela com aves abatidas em pequenas explorações agrícolas.

“Há omissão por parte dos sucessivos governos que não puseram em vigor as derrogações permitidas pelos regulamentos comunitários e que permitem o uso de madeiras, barro, cobre e xisto no fabrico de produtos tradicionais”, disse Ana Soeiro, durante uma audição parlamentar no grupo de trabalho sobre pequenos produtores e produtos tradicionais.

O grupo foi criado pelo PS para fazer um levantamento das necessidades deste sector, na sequência das muitas críticas à actuação da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) sobre os pequenos produtores.

A especialista deu vários exemplos de situações em que só é necessário fazer a comunicação para Bruxelas para que as excepções aos regulamentos comunitários entrem em vigor: isenção dos pequenos produtores às regras escritas para prosseguirem a sua actividade, regulamentação dos pequenos produtores para permitir que os restaurantes possam comercializar aves e coelhos criados e abatidos em explorações agrícolas e legislação sobre o licenciamento industrial para passar a contemplar as explorações familiares e permitir, por exemplo, o fabrico de pão caseiro.

“Estou saturada da desculpa de que Bruxelas é que tem a culpa”, disse Ana Soeiro, acrescentando que “aquilo que a UE exige é francamente pouco e fácil de fazer”.

Para além das deficiências que aponta à lei, Ana Soeiro também não isenta a ASAE de culpas. “Exorbita as suas competências e o aconselhamento está fora das competências de uma polícia criminal”, afirmou, concordando com uma afirmação anterior do deputado do CDS-PP Hélder Amaral no mesmo sentido.

Uma outra crítica tem a ver com uma omissão “gravíssima” no turismo rural, obrigado a oferecer ao cliente produtos regionais, mas que não pode dar uma galinha ou laranjas criadas na própria produção. Ana Soeiro deu um exemplo caricato: “Se um turismo rural em Boticas [Vila Real] quiser oferecer uma galinha, tem que vir a Viseu abatê-la, porque é o matadouro mais próximo”.

Soeiro enunciou ainda a falta de regulamentação sobre empresas de consultoria alimentar que considerou estarem “impreparadas” e de estarem a vender aos agentes económicos detergentes e material de limpeza cuja toxicidade é desconhecida. “Pode ser mais perigosa que qualquer amêndoa, chouriço ou queijo que comamos de um produto tradicional”, disse a especialista.

sábado, abril 5

A certidão de óbito do PSR foi publicada a 1 de Abril no Diário da República. A poucos meses de completar 35 anos, o partido trotskista dissolveu-se, de papel passado.

A notícia do fim do PSR não é mentira, mas também não é exactamente verdadeira. O PSR deixa de ser partido, mas continua como associação política que manterá a prática de liturgias como o envio de jovens para o acampamento de Verão da IV Internacional (este ano vai ser na Catalunha), a Escola de Formação Marxista, que se realiza aproveitando os feriados da Páscoa, e a actualização do site www.combateinfo.pt

O PSR também não faz exactamente 35 anos, pois foi fundado em 1978, como resultado da fusão entre a Liga Comunista Internacionalista (LCI) e o PRT (Partido Revolucionário dos Trabalhadores). Mas o PSR considera-se o legítimo herdeiro da LCI, criada em Dezembro de 1973, numa conferência clandestina realizada em Peniche e, por isso, no final deste ano vai comemorar a efeméride, talvez com um jantar.

O Bloco de Esquerda é a principal herança de vida que a LCI/PSR deixou ao País e ao mundo. Falar em mundo não é exagero porque não é conhecida outra experiência bem sucedida da reunião num mesmo partido de trotskistas e maoistas de obediência estalinista. Ao fim e ao cabo, Trotsky foi morto com uma picareta a mando de Staline...

Se olharmos para o Gotha da política portuguesa, é preciso usar uma lupa para descobrir um ex-trotskista. O MRPP forneceu um ex-primeiro-ministro e presidente da Comissão Europeia. A UDP deu-nos Jorge Coelho. Neste particular, o PSR tem um contributo muitíssimo mais modesto, quedando-se por Ricardo Magalhães, que foi secretário de Estado no Ministério do Ambiente de Elisa Ferreira.

Quando era rapaz, Augusto Santos Silva militou na UOR um grupúsculo trotskista do Porto que viria a integrar-se na LCI. Mas Augusto não acompanhou a fusão, porque no entretanto leu um livro sobre o papel de Trotsky no esmagamento da revolta dos marinheiros de Cronstadt.

Os dois líderes da Fundação, Francisco Sardo e João Cabral Fernandes nunca foram visita frequente das colunas de jornais. Sardo, professor de Lógica no curso de Filosofia da Faculdade de Letras do Porto, morreu prematuramente. Cabral Fernandes exerce Medicina.

Excluindo Francisco Louçã, militante da LCI desde a primeira hora e que permanece na política activa (é a cara do Bloco de Esquerda), há apenas um punhado de ex-trotskistas que são figuras públicas. Três exemplos: o editor Francisco Vale (Relógio d'Água), que foi o fundador da UOR, o jornalista Ferreira Fernandes (DN), que foi um dos líderes dos SUV, organização de militares que marcou o Verão Quente de 1975, e Miguel Guedes, vocalista dos Blind Zero, que chegou ao PSR por via da luta contra as propinas.

O PSR não legou ao País muitas figuras públicas, mas deixou as suas impressões digitais espalhadas na agenda política do País, onde introduziu temas fracturantes como as lutas contra o racismo e pela legalização do aborto e das drogas leves e a favor dos direitos dos homossexuais.

http://dn.sapo.pt/2008/04/05/nacional/psr_morreu_de_abril.html

quarta-feira, abril 2

O Partido Socialista Revolucionário (PSR) foi extinto, de acordo com um acórdão do Tribunal Constitucional (TC) ontem publicado em Diário da República. Segundo o acórdão, deu entrada no TC a 18 de Dezembro de 2007 a acta do XVI congresso do PSR, da qual consta a aprovação por unanimidade da dissolução. O PSR "morre" como partido depois de 35 anos de vida, já que surgiu em 1973 a partir da Liga Comunista Internacional, de inspiração trotskista. Em 1999, o PSR formou com a UDP e a Política XXI o Bloco de Esquerda. A transferência de militantes para o BE foi uma das razões para a extinção.

quarta-feira, março 5

Ana Benavente
Professora universitária, militante do PS, ex-secretária de estado do ensino básico de Guterres

1.
Não sou certamente a única socialista descontente com os tempos que vivemos e com o actual governo. Não pertenço a qualquer estrutura nacional e, na secção em que estou inscrita, não reconheço competência à sua presidência para aí debater, discutir, reflectir, apresentar propostas. Seria um mero ritual.
Em política não há divórcios. Há afastamentos. Não me revejo neste partido calado e reverente que não tem, segundo os jornais, uma única pergunta a fazer ao secretário-geral na última comissão política. Uma parte dos seus actuais dirigentes são tão socialistas como qualquer neoliberal; outra parte outrora ocupada com o debate político e com a acção, ficou esmagada por mais de um milhão de votos nas últimas presidenciais e, sem saber que fazer com tal abundância, continuou na sua individualidade privilegiada. Outra parte, enfim, recebendo mais ou menos migalhas do poder, sente que ganhou uma maioria absoluta e considera, portanto, que só tem que ouvir os cidadãos (perdão, os eleitores ou os consumidores, como queiram) no final do mandato.
Umas raríssimas vozes (raras, mesmo) vão ocasionando críticas ocasionais.
2.
Para resolver o défice das contas públicas teria sido necessário adoptar as políticas económicas e sociais e a atitude governativa fechada e arrogante que temos vivido? Teria sido necessário pôr os professores de joelhos num pelourinho? Impor um estatuto baseado apenas nos últimos sete anos de carreira? Foi o que aconteceu com os "titulares" e "não titulares", uma nova casta que ainda não tinha sido inventada até hoje. E premiar "o melhor" professor ou professora? Não é verdade que "ninguém é professor sozinho" e que são necessárias equipas de docentes coesas e competentes, com metas claras, com estratégias bem definidas para alcançar o sucesso (a saber, a aprendizagem efectiva dos alunos)?
Teria sido necessário aumentar as diferenças entre ricos e pobres? Criar mais desemprego? Enviar a GNR contra grevistas no seu direito constitucional? Penalizar as pequenas reformas com impostos? Criar tanto desacerto na justiça? Confirmar aqueles velhos mitos de que "quem paga é sempre o mais pequeno"? Continuar a ser preciso "apanhar" uma consulta e, não, "marcar" uma consulta? Ouvir o senhor ministro das Finanças (os exemplos são tantos que é difícil escolher um, de um homem reservado, aliás) afirmar que "nós não entramos nesses jogos", sendo os tais "jogos" as negociações salariais e de condições de trabalho entre Governo e sindicatos. Um "jogo"? Pensava eu que era um mecanismo de regulação que fazia parte dos regimes democráticos.
3.
Na sua presidência europeia (são seis meses, não se esqueça), o senhor primeiro-ministro mostra-se eufórico e diz que somos um país feliz. Será? Será que vivemos a Europa como um assunto para especialistas europeus ou como uma questão que nos diz respeito a todos? Que sabemos nós desta presidência? Que se fazem muitas reuniões, conferências e declarações, cujos vagos conteúdos escapam ao comum dos mortais. O que é afinal o Tratado de Lisboa? Como se estrutura o poder na Europa? Quais os centros de decisão? Que novas cidadanias? Porque nos continuamos a afastar dos recém-chegados e dos antigos membros da Europa? Porque ocupamos sempre (nas estatísticas de salários, de poder de compra, na qualidade das prestações dos serviços públicos, no pessimismo quanto ao futuro, etc., etc.) os piores lugares?
Porque temos tantos milhares de portugueses a viver no limiar da pobreza? Que bom seria se o senhor primeiro-ministro pudesse explicar, com palavras simples, a importância do Tratado de Lisboa para o bem-estar individual e colectivo dos cidadãos portugueses, económica, social e civicamente.
4.
Quando os debates da Assembleia da República são traduzidos em termos futebolísticos, fico muito preocupada. A propósito do Orçamento do Estado para 2008, ouviu-se: "Quem ganha? Quem perde? que espectáculo!". "No primeiro debate perdi", dizia o actual líder do grupo parlamentar do PSD "mas no segundo ganhei" (mais ou menos assim). "Devolvam os bilhetes...", acrescentava outro líder, este de esquerda. E o país, onde fica? Que informação asseguram os deputados aos seus eleitores? De todos os partidos, aliás. Obrigada à TV Parlamento; só é pena ser tão maçadora. Órgão cujo presidente é eleito na Assembleia, o Conselho Nacional de Educação festeja 20 anos de existência. Criado como um órgão de participação crítica quanto às políticas educativas, os seus pareceres têm-se tornado cada vez mais raros. Para mim, que trabalho em educação, parece-me cada vez mais o palácio da bela adormecida (a bela é a participação democrática, claro). E que dizer do orçamento para a cultura, que se torna ainda menos relevante? É assim que se investe "nas pessoas" ou o PS já não considera que "as pessoas estão primeiro"?
5.
Sinto-me num país tristonho e cabisbaixo, com o PS a substituir as políticas eventuais do PSD (que não sabe, por isso, para que lado se virar). Quanto mais circo, menos pão. Diante dos espectáculos oficiais bem orquestrados que a TV mostra, dos anúncios de um bem-estar sem fim que um dia virá (quanto sebastianismo!), apetece-me muitas vezes dizer: "Aqui há palhaços". E os palhaços somos nós. As únicas críticas sistemáticas às agressões quotidianas à liberdade de expressão são as do Gato Fedorento. Já agora, ficava tão bem a um governo do PS acabar com os abusos da EDP, empresa pública, que manda o "homem do alicate" cortar a luz se o cidadão se atrasa uns dias no seu pagamento, consumidor regular e cumpridor... Quando há avarias, nós cortamos-lhes o quê? Somos cidadãos castigados!
O país cansa! Os partidos são necessários à democracia mas temos que ser mais exigentes.
Movimentos cívicos...procuram-se (já há alguns, são precisos mais). As anedotas e brincadeiras com o "olhe que agora é perigoso criticar o primeiro-ministro" não me fazem rir. Pela liberdade muitos deram a vida. Pela liberdade muitos demos o nosso trabalho, a nossa vontade, o nosso entusiasmo. Com certeza somos muitos os que não gostamos de brincar com coisas tão sérias, sobretudo com um governo do Partido Socialista.

sexta-feira, fevereiro 22


SEDES
TOMADA DE POSIÇÃO - FEVEREIRO 2008



1) UM DIFUSO MAL ESTAR
Sente-se hoje na sociedade portuguesa um mal estar difuso, que alastra e mina a confiança essencial à coesão nacional.

Nem todas as causas desse sentimento são exclusivamente portuguesas, na medida em que reflectem tendências culturais do espaço civilizacional em que nos inserimos. Mas uma boa parte são questões internas à nossa sociedade e às nossas circunstâncias. Não podemos, por isso, ceder à resignação sem recusarmos a liberdade com que assumimos a responsabilidade pelo nosso destino.

Assumindo o dever cívico decorrente de uma ética da responsabilidade, a SEDES entende ser oportuno chamar a atenção para os sinais de degradação da qualidade da vida cívica que, não constituindo um fenómeno inteiramente novo, estão por detrás do referido mal estar.


2) DEGRADAÇÃO DA CONFIANÇA NO SISTEMA POLÍTICO

Ao nível político, tem-se acentuado a degradação da confiança dos cidadãos nos representantes partidários, praticamente generalizada a todo o espectro político.

É uma situação preocupante para quem acredita que a democracia representativa é o regime que melhor assegura o bem comum de sociedades desenvolvidas. O seu eventual fracasso, com o estreitamento do papel da mediação partidária, criará um vácuo propício ao acirrar das emoções mais primárias em detrimento da razão e à consequente emergência de derivas populistas, caciquistas, personalistas, etc.

Importa, por isso, perseverar na defesa da democracia representativa e das suas instituições. E desde logo, dos partidos políticos, pilares do eficaz funcionamento de uma democracia representativa. Mas há três condições para que estes possam cumprir adequadamente o seu papel.

Têm, por um lado, de ser capazes de mobilizar os talentos da sociedade para uma elite de serviço; por outro lado, a sua presença não pode ser dominadora a ponto de asfixiar a sociedade e o Estado, coarctando a necessária e vivificante diversidade e o dinamismo criativo; finalmente, não devem ser um objectivo em si mesmos...

É por isso preocupante ver o afunilamento da qualidade dos partidos, seja pela dificuldade em atrair e reter os cidadãos mais qualificados, seja por critérios de selecção, cada vez mais favoráveis à gestão de interesses do que à promoção da qualidade cívica. E é também preocupante assistir à tentacular expansão da influência partidária – quer na ocupação do Estado, quer na articulação com interesses da economia privada – muito para além do que deve ser o seu espaço natural.

Estas tendências são factores de empobrecimento do regime político e da qualidade da vida cívica. O que, em última instância, não deixará de se reflectir na qualidade de vida dos portugueses.


3) VALORES, JUSTIÇA E COMUNICAÇÃO SOCIAL

Outro factor de degradação da qualidade da vida política é o resultado da combinação de alguma comunicação social sensacionalista com uma justiça ineficaz. E a sensação de que a justiça também funciona por vezes subordinada a agendas políticas.

Com ou sem intencionalidade, essa combinação alimenta um estado de suspeição generalizada sobre a classe política, sem contudo conduzir a quaisquer condenações relevantes. É o pior dos mundos: sendo fácil e impune lançar suspeitas infundadas, muitas pessoas sérias e competentes afastam-se da política, empobrecendo-a; a banalização da suspeita e a incapacidade de condenar os culpados (e ilibar inocentes) favorece os mal-intencionados, diluídos na confusão. Resulta a desacreditação do sistema político e a adversa e perversa selecção dos seus agentes.

Nalguma comunicação social prolifera um jornalismo de insinuação, onde prima o sensacionalismo. Misturando-se verdades e suspeitas, coisas importantes e minudências, destroem-se impunemente reputações laboriosamente construídas, ao mesmo tempo que, banalizando o mal, se favorecem as pessoas sem escrúpulos.

Por seu lado, o Estado tem uma presença asfixiante sobre toda a sociedade, a ponto de não ser exagero considerar que é cada vez mais estreito o espaço deixado verdadeiramente livre para a iniciativa privada. Além disso, demite-se muitas vezes do seu dever de isenta regulação, para desenvolver duvidosas articulações com interesses privados, que deixam em muitos um perigoso rasto de desconfiança.

Num ambiente de relativismo moral, é frequentemente promovida a confusão entre o que a lei não proíbe explicitamente e o que é eticamente aceitável, tentando tornar a lei no único regulador aceitável dos comportamentos sociais. Esquece-se, deliberadamente, que uma tal acepção enredaria a sociedade numa burocratizante teia legislativa e num palco de permanente litigância judicial, que acabaria por coarctar seriamente a sua funcionalidade. Não será, pois, por acaso que é precisamente na penumbra do que a lei não prevê explicitamente que proliferam comportamentos contrários ao interesse da sociedade e ao bem comum. E que é justamente nessa penumbra sem valores que medra a corrupção, um cancro que corrói a sociedade e que a justiça não alcança.


4) CRIMINALIDADE, INSEGURANÇA E EXAGEROS

A criminalidade violenta progride e cresce o sentimento de insegurança entre os cidadãos. Se é certo que Portugal ainda é um país relativamente seguro, apesar da facilidade de circulação no espaço europeu facilitar a importação da criminalidade organizada. Mas a crescente ousadia dos criminosos transmite o sentimento de que a impune experimentação vai consolidando saber e experiência na escala da violência.

Ora, para além de alguns fogachos mediáticos, não se vê uma acção consistente, da prevenção, da investigação e da justiça, para transmitir a desejada tranquilidade.

Mas enquanto subsiste uma cultura predominantemente laxista no cumprimento da lei, em áreas menos relevantes para as necessidades do bom funcionamento da sociedade emerge, por vezes, uma espécie de fundamentalismo utra-zeloso, sem sentido de proporcionalidade ou bom-senso.

Para se ter uma noção objectiva da desproporção entre os riscos que a sociedade enfrenta e o empenho do Estado para os enfrentar, calculem-se as vítimas da última década originadas por problemas relacionados com bolas de Berlim, colheres de pau, ou similares e os decorrentes da criminalidade violenta ou da circulação rodoviária e confronte-se com o zelo que o Estado visivelmente lhes dedicou.

E nesta matéria a responsabilidade pelo desproporcionado zelo utilizado recai, antes de mais, nos legisladores portugueses que transcrevem para o direito português, mecânica e por vezes levianamente, as directivas de Bruxelas.


5) APELO DA SEDES

O mal-estar e a degradação da confiança, a espiral descendente em que o regime parece ter mergulhado, têm como consequência inevitável o seu bloqueamento. E se essa espiral descendente continuar, emergirá, mais cedo ou mais tarde, uma crise social de contornos difíceis de prever.

A sociedade civil pode e deve participar no desbloqueamento da eficácia do regime – para o que será necessário que este se lhe abra mais do que tem feito até aqui –, mas ele só pode partir dos seus dois pólos de poder: os partidos, com a sua emanação fundamental que é o Parlamento, e o Presidente da República.

As últimas eleições para a Câmara de Lisboa mostraram a existência de uma significativa dissociação entre os eleitores e os partidos. E uma sondagem recente deu conta de que os políticos – grupo a que se associa quase por metonímia “os partidos” – são a classe em que os portugueses menos confiam.

Este estado de coisas deve preocupar todos aqueles que se empenham verdadeiramente na coisa pública e que não podem continuar indiferentes perante a crescente dissociação entre o conceito de “res pública” e o de intervenção política!

A regeneração é necessária e tem de começar nos próprios partidos políticos, fulcro de um regime democrático representativo. Abrir-se à sociedade, promover princípios éticos de decência na vida política e na sociedade em geral, desenvolver processos de selecção que permitam atrair competências e afastar oportunismos, são parte essencial da necessária regeneração.

Os partidos estão na base da formação das políticas públicas que determinam a organização da sociedade portuguesa. Na Assembleia ou no Governo exercem um mandato ratificado pelos cidadãos, e têm a obrigação de prestar contas de forma permanente sobre o modo como o exercem.

Em geral o Estado, a esfera formal onde se forma a decisão e se gerem os negócios do país, tem de abrir urgentemente canais para escutar a sociedade civil e os cidadãos em geral. Deve fazê-lo de forma clara, transparente e, sobretudo, escrutinável. Os portugueses têm de poder entender as razões que presidem à formação das políticas públicas que lhes dizem respeito.

A SEDES está naturalmente disponível para alimentar esses canais e frequentar as esferas de reflexão e diálogo que forem efectiva e produtivamente activadas.


Sedes, 21 de Fevereiro de 2008

O Conselho Coordenador
(Vitor Bento (Presidente), M. Alves Monteiro, Luís Barata, L. Campos e Cunha, J. Ferreira do Amaral, Henrique Neto, F. Ribeiro Mendes, Paulo Sande, Amílcar Theias)

sexta-feira, fevereiro 15

Ex-alunos da Escola Agrária de Santarém dizem que não houve castigos, só praxes

15.02.2008, Andreia Sanches

Os sete arguidos garantiram ontem que foram outros caloiros que barraram com excrementos "os braços, face e pescoço" da aluna que apresentou queixa por ser praxada com violência

Falou-se muito de excrementos e de bacios e um dos arguidos foi desafiado pelo juiz o precisar quantos centímetros teria o penico cheio de bosta no qual uma caloira da Escola Superior Agrária de Santarém colocou a cabeça no dia 8 de Outubro de 2002. "Dez... 15..." Dos sete jovens que ontem começaram a ser julgados por terem praxado uma colega há mais de cinco anos apenas um, José Vaz, decidiu não responder às perguntas relacionadas com o que se passou naquela tarde de Outubro numa quinta do estabelecimento de ensino superior onde todos estudavam na altura.
Os restantes recusaram as acusações de que são alvo. Ao juiz Galvão Duarte Silva, do Tribunal Judicial de Santarém, explicaram que houve "brincadeiras" com excrementos como é da "tradição" das praxes na escola, mas garantiram que não castigaram, nem forçaram Ana Santos, a caloira que apresentou queixa contra eles.
À primeira sessão daquele que é um julgamento inédito - pela primeira vez alguém é julgado por ter praxado - compareceram muitos jornalistas. Ana Santos fez questão de explicar que só tardou em apresentar queixa - cinco meses depois de as praxes terem acontecido - porque temia que isso significasse criar um ambiente tal que a obrigasse a abandonar a escola. Acabou por fazê-lo.
A cabeça no penico
Seis jovens que eram na altura membros da comissão de praxes respondem agora por ofensa à integridade física. Um sétimo, um veterano que não fazia parte da comissão, é acusado de coacção. Têm entre 27 e 32 anos.
Numa carta enviada em Março de 2003 ao então ministro do Ensino Superior, Ana Santos explicou que no dia 8 de Outubro de 2002, na Quinta do Bonito, atendeu um telefonema da mãe - algo que, garante, estava proibido aos caloiros - e foi castigada pelos alunos da comissão de praxes. Diz que foi obrigada a colocar-se de joelhos e que foi barrada com excrementos de porco ("cara, pescoço, peito, costas, barriga, cabelo") por um grupo de caloiros que agiram sob as ordens dos seis arguidos.
Diz ainda que chorou, sentiu náuseas, foi humilhada, que se declarou antipraxe. Mas que, regressada à escola, outro aluno ordenou que a agarrassem pelas pernas e lhe mergulhassem a cabeça num bacio com excrementos.
Ontem, perante o juiz, os arguidos levantaram-se um a um para dizer que "é mentira". Asseguraram que ninguém estava proibido de atender telefonemas - "era uma combinação entre a comissão de praxes e os caloiros", referiu Rui Coutinho, ex-aluno, hoje engenheiro alimentar. Negou também ter havido qualquer combinação entre os membros da comissão para "impor castigos físicos" aos que recusassem obedecer às ordens. E diz que Ana só se declarou antipraxe no dia seguinte.
À jovem que se seguiu, Lisbete Pereira, o juiz perguntou se subscrevia estas palavras. E a arguida subscreveu sem precisar de repetir.
Os arguidos sustentaram ainda que naquela tarde Ana "ajoelhou-se voluntariamente" depois de ter atendido o telefonema e que foi um grupo de caloiros que "se voluntariou" para ir buscar excrementos sem que ninguém lhes tenha dado ordens. Esses mesmos caloiros - arrolados como testemunhas - "puseram os excrementos nas zonas [do corpo da aluna] onde ela não tinha roupa", explicou Sandra Silva, hoje secretária. Ou seja, "nos braços, face e pescoço".
Quanto a Ana, permitiu tudo e não chorou, disse Armando Simões, técnico de vendas. Nem mostrou que tinha dores ou náuseas, garantiu Tiago Vieira, engenheiro de produção animal. O sétimo arguido, Tiago Figueiredo, acusado de coacção, afirmou que nesse dia, na escola, perguntou a Ana se ela podia fazer o pino e pôr a cabeça num penico. E que ela concordou em fazê-lo com ajuda. "Foi para ela não cair" que dois caloiros lhe "seguraram as pernas".
Tiago Figueiredo assegurou ainda que ela não mergulhou a cabeça no bacio com bosta. Que só pôs o topo da cabeça. O procurador da República não estava satisfeito com as respostas e insistia. Mas a assistente mergulhou a cabeça? O penico era de que tamanho? O juiz pôs termo à sucessão de perguntas: a cabeça "só entrou um bocadinho" dentro do bacio, rematou.
A próxima sessão está marcada para segunda-feira.

quarta-feira, fevereiro 13

Outros casos

13.02.2008

Novembro de 2007
Jovem paraplégico
Numa recepção ao caloiro, um estudante de 20 anos de Engenharia do Ambiente, da Escola Superior Agrária de Coimbra, sofre um traumatismo vertebro-medular, que lhe provoca diversas fracturas na região cervical. Fica paraplégico. Tudo acontece quando o jovem se lança de cabeça, através de um escorrega, para um pequeno lago em forma de banheira com palha e água. Na Escola Superior Agrária de Elvas um aluno alcoolizado cai de uma altura de 20 metros depois do "rali das tascas" - parte da recepção ao caloiro. Foi-lhe diagnosticada uma fractura da coluna cervical e múltiplas lesões graves a nível pulmonar.

Maio de 2007
Ferido nos genitais
Um estudante da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra foi ferido nos órgãos genitais, na sequência de um ritual da praxe académica designado como "o julgamento". Neste ritual, os caloiros são confrontados pelos estudantes mais velhos com "acusações" e submetidos às mais variadas penas. Neste caso, os estudantes mais velhos decidiram rapar os pêlos púbicos do caloiro.

Novembro de 2005
Aluna coagida
Uma estudante do 1.º ano da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Bragança envia uma carta ao ministro do Ensino Superior, Mariano Gago. Diz que se sentiu "coagida" e "ameaçada" pelos colegas mais velhos depois de se ter declarado antipraxe.

Outubro de 2003
Brincadeiras repugnantes
O pai de um aluno do Instituto Superior de Engenharia de Coimbra envia uma carta à então ministra do Ensino Superior, Maria Graça Carvalho: "Os praxados foram obrigados a atar o próprio sexo com um cordel, ficando ao dispor dos praxantes para vários e repugnantes actos de brincadeiras."

Outubro de 2001
Morte por explicar
Diogo Macedo, aluno da Universidade Lusíada de Vila Nova de Famalicão, morreu na sequência de lesões traumáticas "crânio-encefálicas e cervicais", atribuíveis a "traumatismos com origem violenta", resultado de "uma ou várias pancadas fortes", não sendo de excluir a "possibilidade de pontapés desferidos na cabeça", lê-se na certidão de óbito. Dois elementos da tuna à qual pertencia foram constituídos arguidos. O processo foi arquivado pelo Ministério Público por ser "impossível imputar à acção de qualquer pessoa concreta a produção das lesões" que ditaram a morte de Diogo.
Agressores de praxe vão amanhã a julgamento

13.02.2008, Andreia Sanches

Sete jovens sentam-se no banco dos réus por terem praxado uma colega há mais de cinco anos na Escola Superior Agrária de Santarém

Tem sido descrito como um julgamento inédito: será a primeira vez que alguém se senta no banco dos réus por ter praxado alguém. Cinco homens e duas mulheres, com idades compreendidas entre os 27 e os 32 anos, respondem, a partir de amanhã, pelas praxes académicas em que participaram há mais de cinco anos, quando eram alunos da Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Santarém.
Ana Francisco Santos, hoje com 27 anos, era, naquele ano lectivo de 2002/03, uma das caloiras recém--chegadas ao curso de Engenharia Agro-Alimentar. Em Março de 2003, numa carta ao ministro do Ensino Superior, denunciou aquilo que classificou como os "castigos" a que foi sujeita durante os rituais académicos que considerou uma "tortura". E fez queixa à polícia.
"Seis dos arguidos são acusados em co-autoria e na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física qualificada e um outro foi pronunciado por um crime de coacção", disse ao PÚBLICO Manuela Miranda, advogada que representa Ana Santos.
O juiz afecto à Instrução Criminal do Círculo de Santarém lembra, no despacho de pronúncia de seis dos sete jovens, que, como consequência das praxes a que foi sujeita, Ana Santos deixou de frequentar a Escola Superior Agrária de Santarém.
Já Lúcia Mata, advogada dos sete arguidos, diz que é convicção dos mesmos "que não praticaram nenhum ilícito penal". E garante que "eles nunca quiseram, de maneira alguma, ofender quem quer que fosse".
Todos eles, acrescenta, são hoje pessoas que "vivem a sua vida profissional e estão perfeitamente integrados".
Um carta que chocou o país
Na carta que Ana Santos escreveu ao então ministro Pedro Lynce, e que foi divulgada pelo PÚBLICO em Março de 2003, a então caloira contava que os primeiros nove dias de praxes a que foi sujeita na escola foram duros - "21 horas diárias a sermos vítimas de praxes consecutivas".
Depois de uma sessão de dezenas de flexões, algumas correntes de ar, duas otites, vários trabalhos - "a fazer parecer trabalhos forçados" -, Ana teve que receber tratamento no Centro de Saúde de Santarém no dia 2 de Outubro de 2002. Mas não foi isso que a levou a apresentar queixa.
No dia 8 de Outubro desse ano foi conduzida com outros caloiros ("bestas", como eram chamados os alunos do 1.º ano, segundo explicava Ana Santos na carta ao ministro) para a Quinta do Bonito, propriedade da escola, a 30 quilómetros de Santarém, para apanhar nozes. Todos os alunos do 1.º ano estavam proibidos de atender chamadas de telemóvel. Mas Ana atendeu a mãe. E, de acordo com o que relatou, foi castigada por isso.
"Obrigaram-me a colocar na posição de "Elefante Pensador" (de joelhos, cabeça no chão e as mãos debaixo dos joelhos com as palmas viradas para cima), fui insultada por tempo que não consigo quantificar. Depois um veterano foi buscar dois sacos de esterco de porco", escreveu.
A seguir, foi esfregada com esterco - "camada sobre camada, esfregaram-me a cara, pescoço, peito, costas, barriga, cabelo". A tarefa foi levada a cabo também por alunos mais novos, sob as ordens de seis membros da comissão de praxes, contou: "Fiquei muito assustada, sem possibilidade de pedir apoio, perdi a noção do tempo, tive momentos em que já nem sabia onde estava".
Penas vão de multa a prisão
Ana Santos contou também que lhe foi ordenado para "ficar em pé a secar ao sol" e que foi pressionada a participar na praxe "pudim danone" - "as raparigas colocaram-se de gatas todas lado a lado, enquanto os rapazes tinham de simular o acto sexual com elas".
No mesmo dia, continuava Ana na exposição a Pedro Lynce, já na escola, um outro aluno veterano, que não era da comissão de praxes, decidiu praxá-la mais e pediu a dois caloiros que mergulhassem a cabeça dela num bacio com excrementos de vaca.
A carta divulgada teve grande impacto mediático até porque pouco tempo antes tinha sido tornado público nos media outra queixa de uma aluna do Instituto Piaget de Macedo de Cavaleiros.
Os sete alunos chegaram a ser alvo de processo disciplinar. E o Instituto Politécnico de Santarém decidiu suspendê-los por 15 dias.
Na sua defesa, os seis alunos que estiveram na Quinta do Bonito alegaram que nada de ilícito tinham feito e também que "a posição de "Elefante Pensador" é diversas vezes prática durante a praxe, de forma a acalmar os caloiros, pois é uma posição que favorece o relaxamento dos músculos". Uma caloira ouvida no âmbito do processo garantiu, contudo, que é uma posição "bastante dolorosa".
Em Novembro de 2005, o Tribunal de Santarém pronunciou apenas os seis jovens da comissão de praxes pelo crime de ofensa à integridade física qualificada. Ana Santos recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, que, em Março de 2007, decidiu pronunciar também o sétimo aluno, pelo crime de coacção.
Manuela Miranda lembra que "o que a Ana mais queria era que lhe tivessem apresentado um pedido de desculpas". Já Lúcia Mata diz que os sete jovens não fizeram nada de mal e "consideram que actuaram no sentido do respeito pela tradição".
De acordo com o Código Penal em vigor à data dos factos, o crime de coacção pode ser punido com pena de multa ou pena de prisão de até três anos. O de ofensa à integridade física qualificada pode ser punido com pena de multa ou de prisão de até quatro anos. A primeira audiência do julgamento está marcada para as 10h15 de amanhã no 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santarém.
Para o Movimento Antitradição Académica, é um dia histórico: "Os crimes devem ser julgados e pela primeira vez reconheceu-se que nas praxes acontecem crimes", diz a dirigente Ana Feijão.